HÁ QUANTO TEMPO...!

 

¨Notamos o tempo e o tempo nos enterra.¨

Machado de Assis

 

Capítulo 259

 

Mulder está apreensivo. Mas com uma idéia precisa na mente. Torna-se necessário deixar Dana por

algumas horas com essas pessoas da casa e sair em busca de como retornar ao  seu mundo real.

Habituado a ter conhecido e vivido num mundo de conforto e menos hostil do que esse no qual se

encontram, torna-se imprescindível um modo de sair dali; Dana grávida à espera de seu segundo filho

e ansiosa por rever o primogênito William, não poderá suportar por mais tempo a falta das obrigações

primordiais, como, por exemplo, o seu pré-natal, para que tudo possa correr bem na gestação do bebê.

A tarde está fria, mas o fogo aceso sob o caldeirão junto à parede enegrecida pela tisna, embora fazendo

com que as pessoas ali dentro respirem no enfumaçado ambiente, o aquece um pouco.

Dana, sentada num dos rústicos bancos junto à mesa, está com o olhar entristecido fixado no fogo adiante.

Logo detém o  olhar na dona da casa arrumando mantas ao redor do corpo da criança e logo após sobre

o seu próprio corpo, parecendo preparar-se para sair.

Mulder nota, também, que a mulher está se arrumando.

            - Vocês vão sair?- ele quer saber.

            - Sim. – responde a menina.

- Mas vocês podem ficar aqui! Não tem importância.- apressa-se a dizer a mulher.

         - Como não? Claro que precisamos ir embora – retruca Mulder.

            - Não, não, não se incomode mesmo! Logo voltaremos. É por pouco tempo.

Mulder ainda faz  menção de falar, mas a mulher o impede, falando em tom convincente.

            - Fiquem aqui. Willard vai ajudar vocês.

            -Willard...? – Mulder balbucia, sem entender.

Ele arreia os braços ao longo do corpo. Tem que sair, sim, com sua Dana e procurar pesquisar o caminho

de volta à sua realidade. Vai em direção dela, que continua sentada e pensativa.

- Scully, eu estou preocupado agora! Vejo que você está cansada, mas temos que sair, aproveitando

a companhia dessas pessoas que conhecem o lugar.

Ela somente meneia a cabeça, concordando.

            - Você ficaria aqui, se eu fosse?

       - Não! –ela o agarra pela mão – Não, Mulder, por favor, não me deixe aqui!

As habitantes da casa já haviam saído.

Mulder levanta Dana do assento. Nota que, realmente, a sua amada está diferente; além de bela há um

brilho realçante em seu olhar, mesmo estando a enfrentar toda a situação pela qual estão passando.  Ele a

abraça, comovido.

Ela fecha os olhos ao sentir o corpo dele junto ao seu.

    - Ai, Mulder...  quanto tempo não acontece isso... um abraço assim..! – sente que todas

as fibras de seu corpo desejam as carícias dele e sentir a quentura gostosa da carne vibrante dele 

unida à sua.

Mulder, acariciando os cabelos dela, beijando-os levemente, sente pulsar de desejo todo o seu ser.

            - Dana... – sussurra - ... minha amada...!

- Estivemos perdendo tempo pro nosso amor... oh, meu Deus, Mulder... eu te amo... eu te amo!

Ela fala e levanta o rosto na direção do dele; sente que não está podendo se conter; tem  ânsia  pelo beijo

dele.

E Mulder cobre com os seus os lábios que ali estão, oferecidos, ansiosos.

E ambos sentem que suas línguas plenas de desejo, procuram vasculhar os recônditos mais íntimos de

suas bocas.

Os dedos dele penetram, suavemente no profundo decote da roupa   que ela veste, retirando e jogando no

chão o manto que está por cima de tudo. Seus dedos nervosos tocam na pele branca e quente dela. Logo,

a boca que buscava sentir  prazer nos lábios dela vão, então, envolver os botões de carne dos seus seios,

na ânsia da paixão.

E nesse ato de amor, sentem ambos sair de si o enlevo do gozo.

Num sutil gemido ela se sente transportada ao mundo do êxtase total.

Após alguns minutos agarram-se, intensamente, ainda ansiosos, mas um tanto aliviados.

Ambos têm a respiração acelerada, ainda. Continuam abraçados.

Seu desejo é agora estar num leito, num lugar só seu, discreto e poder completar  o ato de amor total.

Porém ambos reconhecem que isso lhes é totalmente impossível no momento.

Dana desliza os dedos sobre o próprio ventre.

            - Sente alguma coisa?-  ele pergunta.

            - Sim; o bebê está movimentando-se bastante – fala, com ar deliciado.

Mulder a aperta mais contra si.

- Precisamos  achar uma saída; mas Scully, tenha certeza, essas pessoas tão semelhantes a nós não

nos apareceram por acaso. São exatamente elas que nos mostrarão o caminho pra sair daqui.

            - Como tem certeza disso?

            - Intuição.  – responde, sem pestanejar.

*    *    *

O lugar amplo tem no centro pessoas que se concentram. O som de suas risadas e gracejos espalham-se

no ar.

Mulder e Dana, acompanhando o casal que os está abrigando em sua casa, param a fim de observar com

mais atenção.

            - Mas eu não acredito no que vejo! – exclama Dana.

            - Mas é real o horror   que estamos assistindo, Scully. –Mulder retruca.

Instrumentos de tortura apoiados no solo têm sobre si um homem, cujos pés estão colocados imobilizados.

Ao lado desse homem outro encontra-se, com a cabeça e mãos encravadas dentro da armação de madeira,

também imobilizando-o.

Homens, mulheres, crianças fazem zombarias para aqueles que estão nas armações de tortura.

- Por que vocês estão com essa cara de espanto?- indaga o sósia de Mulder, vendo-o surpreso diante

da cena – Conhece algum deles?

- Se conheço...?Não... ah, sim, é... conheço sim e não admito esse tipo de justiça.

- Ora, ora, ele já foi jogado na água e acusado,então!

            - O que quer dizer?- Dana é quem pergunta.

- Não está sabendo? O que há com vocês? – quer saber, com olhar crítico.

- Eu explico. – fala Mulder – Estivemos bastante tempo fora e não sabemos o que anda acontecendo

nesta aldeia ultimamente.

O outro coloca as mãos na cintura, prendendo os polegares na cinta que amarra a roupa larga que está vestindo.

Dana o observa como é fantástica a semelhança com Mulder. A única diferença entre os dois são os trajes de

cada um.

- O que você quer dizer, falando que os condenados já foram jogados na água? – Dana pergunta. 

- Quero dizer que eles afundaram na água! – explica o homem, com certa irritação.

Logo ele dá alguns passos à frente e põe-se a caminhar,  afastando-se dali.

Mulder segura o braço de Dana.

- Eu sei o que ele quis dizer. – diz, em voz baixa  -  Se alguém comete algum crime, é julgado quando

jogado na água;  se flutuar é inocente; caso contrário, ninguém terá dúvida de que infringiu a lei. Então é

condenado.

Dana solta um gemido, horrorizada.

- E por que não levam o delito ao conhecimento de uma autoridade, um juiz, para julgar o delinquente? 

- Ao cair o Império Romano, foi abaixo também o corpo das leis que formavam o direito dessa civilização.

E assim entraram num período em que não  há leis definidas e iguais para os mesmos tipos de delitos; não

há tribunais e não há especialidade de julgar; não há, portanto, juizes.

- Oh, meu Deus, que horror! Sem a justiça como pode um infrator ser castigado? Horrível isso!

- E tem mais: existem outros tipos mais de execução, como afogamento, sufocação no barro, decapitação,

fogueira, dilaceramento na roda, fôrca,  veneno, empalação...

-  ... chega, Mulder! Por favor, vamos embora o quanto antes! – pede, desolada.

Mulder aperta a mão dela, também chateado.

            - Desculpa, lindinha, pelas coisas grotescas que lhe falei. Vamos.

O casal acompanha os passos de Willard e sua mulher ,  que já se distanciaram  deles.

 

¨A principal vantagem da justiça e da

boa fé é tornar inútil a força.¨

Plutarco