DESDITA

 

¨A desdita é o vínculo que

mais estreita os corações.¨

La Fontaine

 

 

CAPÍTULO 261

 

As águas do rio caudaloso vão aumentando sua dimensão, à medida que o pequeno barco

avança em direção desconhecida.

Dana, apreensiva, procura manter a calma. Além de estar de olhar atendo à violência das

águas, não consegue deixar de notar o ar de apreensão que está tomando conta do semblante

de Mulder.

- Scully... – ele fala, lhe segurando a mão - ... se algo acontecer... saiba que tudo que

sou, a minha vida, o meu amor pertence a você, Scully...

            Mulder...! – ela murmura, olhando-o, assustada.

- ... embora a nossa convivência do mais puro respeito e amor tenha sido praticamente

tão breve, eu sempre a amei muito, desde os primeiros dias em que começamos em nosso

trabalho... eu a amava e não era correspondido naquela época...

            - Mulder...! – ela tenta recomeçar.

- ... mas eu a entendia e respeitava o seu ponto de vista em matéria de relacionamento

amoroso e...

- Por quê...? – ela já está chorando – Por que me fala essas coisas, Mulder? O que você

 está pressentindo? – agarra-se a ele, aflita – A nossa filha, Mulder, ela está aqui dentro de

 mim e eu tenho que protegê-la! Nosso filho está nos esperando em casa!

Ele a aperta contra si, com mais força.

O barco segue seu destino sobre as águas.

O casal havia sido colocado dentro dele sem remos, nada que os ajudasse a direcionar a pequena

embarcação.

Ainda abraçado à Dana, que continua em prantos, ele está atento ao caminho das águas.

- Oh, meu Deus! Oh, meu Deus! – clama ela – Nos ajuda ó Deus! Nos ajuda, por favor!

O olhar atento de Mulder divisa, de súbito, alguma coisa que lhe chama a atenção. Ele desprende

os braços do corpo de sua amada e passa a observar um certo ponto das águas.

            - O que há, Mulder? O que é aquilo?

            - Aquele grande cardume, Scully, que está de volta!

            - Sim! Vejo agora!

            - E eles parecem vir para esta direção e pela superfície da água.

            - É o que vejo também.

As águas agitam-se mais, ainda

Mulder permanece atento, observando o cardume, que parece estar se concentrando para a

direção do barco que apenas flutua, então.

Num repente, porém, como se a embarcação estivesse enfrentando uma grande turbulência nas

águas, faz a mesma oscilar abruptamente.

Dana segura-se com força e já amedrontada, às madeiras que contornam o interior do barco.

Mulder a ampara com força, lhe segurando o pulso firmemente.

E, como se eles estivessem no agitado oceano, uma grande onda acerca-se da embarcação.

Dana grita.

O seu grito ecoa no espaço.

E ela se desespera, reparando que Mulder não está ao seu lado, ali no barco.

            - Mulder!! – grita, chamando-o.

Mas nada ouve como resposta.

Somente o marulhar das águas calmas e límpidas do rio à volta do barco.

            - Socorro!! Ajudem!! – ela grita, na esperança de que algum daqueles homens que haviam

visto à beira do rio a pescar, possam  ouvi-la.

            Socorro!! – repete.

E uma violenta reação de desespero, dor, medo, toma conta dela.

- Mulder!! – continua gritando, sentada no interior do barco, a soluçar – Mulder!!

E, aos poucos, sua voz vai enrouquecendo pelo nervoso que havia se instalado em seu ser.

Seus olhos azuis, avermelhados pelo pranto, vão se fechando ante o desânimo e fraqueza. Sente que

a vida lhe resvala aos poucos, em sua desdita.

- Mulder...! – murmura, quase sem voz, em grande angústia - ... eu estou morrendo... eu e

nossa filhinha que ainda nem viu a luz do dia... – tosse, agora - ... estou perdendo as

minhas forças... minha vida está se extinguindo... eu sinto que...

Ela já não tem nenhuma resistência; tudo está se dissolvendo à sua volta. Já não mais pode

enxergar a mata que margeia as águas do rio, os homens que estão ali e nem lhe deram ouvidos, ainda

abeira das águas a pescar, o céu azul sendo cruzado pelo bando de pássaros que lançam seu grito no

espaço, as águas agitadas do rio que estão fazendo com que o pequeno barco fique a girar... a girar...

- Dana... Dana...!

Seus olhos se abrem àquele chamado. Sente seu corpo leve, flutuante. Está escuro ao seu redor.

            - Dana...!

Novamente o chamado a faz recobrar mais um pouco a consciência e notar que alguém ao seu lado a

hama, com certa aflição.

            - Sou eu... está me ouvindo, Dana...?

A voz continua a soar em seus ouvidos. Ela move os lábios. Quer pronunciar qualquer palavra,

mas não encontra forças. Alguns segundos após já pode sentir um doce afago entre seus cabelos.

E uma voz suave junto ao seu ouvido. As pesadas pálpebras lhe permitem agora abrir os olhos.

A figura amada de Mulder junto ao seu rosto delineia-se aos poucos. Os músculos de sua face já

podem distender-se num suave sorriso.

            - Dana...

Ela ouve, novamente, junto aos seus ouvidos.

            - Mulder...

            - Sim, sim, Scully... sou eu!

            - Escuro... – balbucia, notando que mal pode distinguir as feições do amado.

            - Sim, está escuro aqui... mas vamos sair logo. Está melhor agora?

Ela faz um sutil movimento com a cabeça, confirmando. Sente que está sendo erguida por ele.

Coloca os braços ao redor do seu pescoço.

            - Vamos, Dana... vamos sair disso agora.

E Mulder caminha, parando aqui e ali, pelo caminho escuro e difícil, com pedras escorregadias sob seus pés.

Agora ela já pode notar que é uma gruta o lugar onde se encontram; escura, fria e pedregosa ao extremo. 

Mulder prossegue em seu prudente  caminhar, carregando o seu precioso e querido fardo.

 

¨A prudência é  a

razão esclarecida.¨

Bruyes