ORANDO A DEUS

 

¨É o coração e não a razão que sente a Deus.¨

Pascal

 

Capítulo 271

 

Dana olha ao seu redor. Só vê papel rasgado, cascas de frutas, invólucros

vazios de biscoitos  e outros produtos comestíveis, jogados pelo chão de

cimento.

- Mãe, quero ir embora! – queixa-se William.

            - Sim, filho, nós vamos sim; espera só mais um pouquinho...! – ela o

consola.

Uma mulher entra, trazendo uma caixa.

         - Olha aqui pra vocês. – fala, colocando a caixa no sujo  catre onde

mãe e filho estão.

         - Mãe! É comida! – fala o menino, sacudindo o braço da mãe.

Os olhos de Dana enchem-se de lágrimas; jamais imaginaria estar com seu

filho numa triste situação como essa.

A mulher os olha, neste momento.

Dana a observa; suspira profundamente, exteriorizando a sua angústia,

mas controla-se; procura dar timbre suave à voz.

         - Escuta... _ ela começa - ... você tem filhos?

A mulher a fita, com ar surpreso:

         - Por que me pergunta isso?

- Pra saber se dá pra sentir o que é estar assim como eu estou neste

momento, com meu filho necessitando ficar em casa junto ao pai...

– as lágrimas saltam-lhe dos olhos e a voz se lhe embarga - ... eu

tenho um bebê de apenas dois  meses e precisa de amamentação... –

soluça agora.

A mulher, neste momento, a olha, atônita. Leva a mão à boca, espantada

com o que ouvira.

- Não vê que o que esse homem está fazendo é bem pior que um

homicídio? – continua a ex-agente, chorando – Por favor, me ajude!

- Ai, moça, eu não sei... eu não posso... apenas sou mandada...!

- Por favor! Pelo amor de Deus! – ela implora.

 

*   *   *

Tira o celular do bolso. Esfrega as solas das botas surradas na calçada, pois

pisara em algo grudento.

         - Droga!! – queixa-se e atende o telefone – Fala!!

         - Seu idiota! Estúpido! Vai ser burro assim na ¨caixa prego¨!!

         - Ei!! Que negócio é esse?! pensando que falando com quem?

- Tu é mesmo um idiota! Se eu tinha alguma dúvida, esta dissipou-se.

– a voz continua, cheia de ira.

- Olha aqui, se eu não fosse teu parente, sabe o que faria agora?

- Ah, já sei! Me daria um presente, daria hum milhão de dólares...

ah! Ah! Ah! Porque do jeito que tu faz as coisas ao contrário, só assim

mesmo! Burro!!

- Vamos parar! Vamos parar! Só quero saber agora o que está se

passando nessa tua cabeça desmiolada.

- Seu burro!! – grita.

- Ô, ô ... vou desligar. Pra mim chega! Não... peraí, eu quero saber o

que aconteceu. Se arrependeu do nosso combinado, é? Quer romper

o trato é? Agora não dá mais; a mulher e a criança já estão comigo!

- Pois é exatamente esse o ponto errado, seu estúpido! Tu levou o

menino!

- O menino...? Ora... e o que era pra trazer...?A velha...?

- Não se faça de engraçadinho, seu paspalho de uma figa! Era pra

levar a menina! A menina!!!

Ele pára, a fim de ouvir direito a frase e meditar, concentradamente:

         - Que menina, afinal?

         - A recém-nascida! Agora a mulher está aí e a recém-nascida longe

 da mãe.

         - Aaaaah... agora deu uma de sensível, é? Desde quando...? Ah,

vai se catar!!

         - E agora? Como pode se dar um jeito nisso?

         - Sem jeito, sem jeito! – fala decidido – Ponto final.

Desliga o telefone, em seguida, sem mais nada querer ouvir.

No mesmo instante vem nova chamada.

O homem aperta os lábios. Desliga  o som do aparelho. Mete-o no bolso.

E procura esquecer que ele existe.

         - Arre!! Que saco!! – reclama, bufando.

 

*   *   *

 

Mulder sai de seu carro, com o cenho franzido. Semblante esgotado.

Já é noite fechada, chegando a madrugada e ele nem sequer havia

chegado perto de casa para, pelo menos descansar por algumas horas,

para, novamente,  recomeçar suas buscas.

Com a foto de Dana, ele havia percorrido dezenas de quilômetros na

cidade, em busca de notícias.

Neste momento encontra-se uma grande praça. Dirige-se a uma das lojas,

mostrando a foto. Em seguida entra em várias delas.

Sempre, sempre, a resposta negativa de todos a quem ele indaga, sobre

sua amada Dana. Mas,  mesmo assim, continua em sua peregrinação.

Senta-se, enfim, num dos bancos da praça. Toma o celular. Abre o

aparelho. Digita um número.

Uma voz feminina atende.

         - O senhor Walter Skinner, por favor. - ele pede.

         - Quem deseja falar com ele, por favor?

         - É... um amigo dele.

         - Seu nome,  por gentileza, senhor.

Mulder reflete, por alguns segundos.

         - Desculpe. – ele fala e desliga.

Não. Não vai falar com seu ex-Diretor. Tem que resolver esse caso sozinho

e sem correr o risco de ter seu paradeiro descoberto pelo FBI.

Seus pensamentos o afligem. Leva as mãos à cabeça abaixada, enquanto

apóia os cotovelos nos joelhos.

Lembra sua criança recém-nascida em casa, sem a mãe. Seus olhos

estão marejados de lágrimas. Súbito, vem à sua memória uma frase que

dissera à Dana há bastante tempo atrás. Os dois haviam ido investigar a

morte de um recém-nascido encontrado enterrado num campo.

Dana ficara horrorizada por tal gesto dos assassinos. Então, conversando

sobre o caso, ele voltara-se para ela, dizendo:

         - ¨Scully, nunca pensei em você como mãe antes!¨

E ela lhe havia lançado o seu olhar cético e crítico.

Mulder esfrega o rosto com ambas as mãos. Sente-se desgastado. Mas tem

que reagir.

         -Scully... Scully... William, meu filho...! – murmura, em voz entrecortada

pela emoção.

 

*  *  *

Maggie, com carinho e atenção, prepara o leite de sua pequenina e querida

neta.

Instruída pelo pediatra, vai dar mamadeira à criança com o leite em

especial para bebês recém-nascidos. E, chorosa, ela prossegue em sua tarefa.

Ouve um ruído às suas costas:

         - Você...?! – grita, enraivecida, ao ver a vizinha segurando Vivien nos

 braços.

         - O que foi, senhora Scully? Assustou-se?

Maggie caminha em sua direção:

         - Por que tirou a menina do berço? – esbraveja.

         - Que é isso, senhora Scully?!  Ela já estava acordada!

Maggie toma a neta dos braços da jovem.

         - Nossa! Você fica tão brava, senhora Scully! Eu só queria ajudar...!

         - Obrigada. – murmura, em voz soturna.

Maggie começa a dar ao bebê a mamadeira, com todo carinho.

A pequenina está com bastante apetite  e logo sorve todo o leite.

Louise a observa, com olhar carinhoso e paciente. Tem lágrimas nos olhos.

Maggie parece cair em si neste momento:

         - Louise, me perdoa, sim? Estou muito nervosa, desesperada... você

entende...!

         - Não, não se preocupe. Eu não fiquei aborrecida. Compreendo bem

o seu nervosismo.

         - Estou me sentindo tão infeliz, tão impotente, tão inútil...!

         - Por que está falando assim?

- Porque me sinto impedida de ir atrás de quem fez essa maldade e

poder jogar sobre essa pessoa todo o ódio que sinto! – fala, cheia

de ira e sua face torna-se avermelhada.

- Compreendo, senhora Scully... até eu o faria da mesma forma.

– diz a vizinha, afagando a cabecinha da criança e em seguida alisa,

 carinhosamente o braço de Maggie, tentando confortá-la.

Esta sente-se sem paciência  para qualquer receber qualquer tipo de adulação.

         - Que dor estou sentindo...! Que dor...! – geme ela -  E minha filha

 sofrendo e onde estará? Onde é que ela está, meu Deus? –

concentra-se um pouco, fecha os olhos e pede, orando a Deus,

em alto e bom som – Meu Deus e meu Pai, ajude-nos a ter

 nossa Dana de volta, Senhor! Guarde-a onde ela estiver e ao meu

netinho também, Senhor!

Louise a olha, com ar compadecido. E conclui a oração:

         - Amém.

 

¨A pior espécie de inimigo

é a dos aduladores.¨

Tácito