COM DESCONFIANÇA
“A vida, para os desconfiados
e temerosos, não é vida, se não
morte constante.”
Luiz Vivés
Capítulo
277
Após
colocar vários objetos dentro de uma das caixas, a mulher abaixa-se,
procurando algo dentro de outro dos caixotes ali
encostados.
É
quando Dana corre a vista ao redor do ambiente. E, para sua surpresa,
nota que o mesmo pedaço de madeira com o
qual ela fora atacada
pela mulher, está encostado próximo dali,
praticamente ao seu alcance.
Mesmo
com grande dificuldade para alcançar a tora de madeira, a Agente
continua tentando fazê-lo, aproveitando a
oportunidade em que a
seqüestradora está concentrada à procura de algo,
abaixada, junto às caixas.
Dana
continua no seu esforço. Os tornozelos lhe doem e ardem pela
compressão da corda que os prende. Um braço segura seu filho e o outro
ela o distende, tentando alcançar a madeira.
Sem conseguir, no entanto.
Mas
seu objetivo é continuar. Não desistir. Em dado momento, estendendo
ao máximo a perna, consegue derrubar a
madeira, que escorrega e
desaba levemente sobre vários sacos de aniagem
amontoados junto à parede,
o que causa um pouco de ruído abafado.
Dana,
rapidamente força William
a sentar-se no chão, o que faz encobrir
o pedaço de pau que fica sob o corpo do
menino.
A
seqüestradora põe-se de pé, rapidamente.
- O que foi isso??!! – pergunta,
voltando-se para Dana e seu filho.
- Deve ter sido lá fora. – fala Dana.
- Será...?! – a mulher indaga, com
desconfiança – É bom dar uma
olhada.
Ela
levanta-se. Destranca a porta e sai.
Dana,
em fração de segundos, coloca seu filho de pé, sentando-se em
Seguida
ela mesma sobre a madeira. Volta-se para seu filho, sussurrando
em seus ouvidos:
- Procura pra mamãe alguma coisa que
corte isto aqui, filhinho! –
pede ao menino, apontando
os tornozelos amarrados um no outro,
com um espaço
que lhe permite apenas dar algumas passadas, com
dificuldade.
O
garotinho vai até o outro lado da sala, a fim de olhar dentro das caixas,
onde a mulher estivera procurando algo. Abaixa-se
para vasculhar o
interior das caixas. Mete a mão numa delas.
- Ei!! –
ouvem o grito da mulher, que vem entrando – Sai daí, menino!
Anda! Vai já
pra junto da sua mãe!
Dana
estende os braços para acolher o filho.
- Ô garoto, que você tava querendo ali,
hein? – continua a mulher.
- Binquedo! –
informa ele.
- Aí não é lugar de brinquedo, garoto!
– diz a mulher – Vai pra lá!
William,
assustado, dá seus pequenos e rápidos passos em direção da mãe.
Dana
o agarra fortemente, temerosa de que a mulher lhe faça algum mal.
- Não há nada lá fora, de anormal! – avisa ela.
Em
seguida olha para Dana e seu filho. Coloca as mãos na cintura e os
observa, com o cenho franzido. Logo após passa
as mãos pelos cabelos
lisos e longos, nos quais faz um coque e
prende com um grampo. Vai
seguindo em direção das caixas novamente, quando
ouve a voz de William:
- Mãe! – ele chama, em tom discreto.
A
mulher pára e volta-se para olhá-los. Vê o menino sacudindo o braço da
mãe, querendo falar-lhe alguma coisa.
Neste
momento Dana, surpresa, nota que na mão do garotinho está uma
gilete, que é o objeto que ele está
interessado em entregar a ela.
Dana
arregala os olhos azuis que brilham de espanto, junto com a boca
que se abre, pela surpresa do momento e é
então, que, rapidamente,
guarda a lâmina entre os seios.
Desconfiada,
num segundo, a seqüestradora vai até onde estão seus
prisioneiros.
- O que é que ele quer? O que ele lhe
deu? – pergunta.
- O quê...? – fala Dana, assustada.
- Abre a mão dele!! – ordena a mulher.
Dana
faz o que ela manda, pegando a mãozinha de William, abrindo-a,
de modo que a mulher a veja. Uma grande
mancha azul escuro está na
palma da mão da criança.
- Ah...! – a mulher fica menos
preocupada – Tinta de escrever! –
olha para o
menino – Quem mandou mexer lá, hein, garoto?
Em
seguida afasta-se, desistindo de procurar algo que pensava que
William
tivesse dado à sua mãe.
E
esta suspira aliviada.
De
repente um pano é jogado e cai aos pés de William.
- Toma aí! Limpa a mão dele! – fala a
mulher, após ter jogado o trapo.
Dana,
que há vários minutos está sentada sobre o pedaço de madeira, assim
continua. Agora sua mente busca explicações para
o que acontecera.
Será
que é normal, não há nada de extraordinário em uma criança de
apenas três anos, saber, exatamente, procurar
um objeto cortante, como ela
havia pedido a seu filho?
Será
que é normal uma criança na idade de William saber usar de discrição
num momento perigoso como esse em que4 ele lhe
entregara a lâmina?
E
a resposta que ele dera à mulher sobre o que estava procurando?
Isso
tudo remói a sua mente confusa.
Dana
prende seu filho ao corpo, apertando-o contra si, temerosa e agradecida.
Em
seguida afasta-o, afagando-lhe os cabelos, amorosa. Com o pano esfrega
a palma da mão do menino, limpando-a um
pouco.
A
mulher volta a revolver as caixas a um canto, ainda à procura de algum
objeto. Dana, discretamente, começa a cortar a
corda que lhe amarra
os tornozelos. A fragilidade da lâmina
contra as grossas fibras da corda,
requer sua grande habilidade e paciência.
A
mulher continua revirando os objetos que estão dentro das caixas,
preocupada em encontrar o que está desejando. E
isso lhe toma o tempo
necessário para que Dana prossiga tentando
soltar-se das amarras.
William,
agachado ao seu lado, a observa, silencioso e atento.
*
* *
Mulder continua arrastando, sem nenhuma
gentileza, a prisioneira.
E
esta continua a reclamar:
- Olha, cara, eu falei que fui eu pra
me livrar e você me deixar
em paz! Eu não
sei nada, de coisa nenhuma! - esbraveja –
Me solta!
Me solta!!
Ele
finge não ouvi-la.
Maggie, nessas alturas, já sente uma certa preocupação:
- Meu Deus, Fox!
O que vai fazer...?
Ele
pára e a olha, apenas. Abre, com violência, a porta do carro e nela faz
entrar a jovem.
- Eu não vou!! – fala ela, tentando
desprender-se das mãos dele.
Diante
da teimosia, Mulder a empurra com força, jogando-a no
banco traseiro.
- Vou gritar o tempo todo! A vizinhança
vai ver quem é o verdadeiro
seqüestrador!!
E
o ex-agente continua calado. A ira o faz engolir as palavras para que não
despeje sobre a maligna vizinha todo o ódio que
o está atormentando.
- Eu vou gritar!! – diz ela, após ele
tê-la prendido com uma algema na
alça da porta do
carro.
Em
seguida ele trava as quatro portas e fecha os vidros. Gira a chave na
ignição e inicia a partida.
Maggie fica observando a saída do veículo, até
desaparecer no final da larga
rua
entre árvores.
Fecha os olhos. Fala com Deus, em oração, por segundos.
Entra
e fecha o portão,
com a mão espalmada contra o peito, por sentir agitado o
coração. Em sua
mente mil lances ocorrem, imaginando o que poderá acontecer nessa busca
por seus dois entes queridos. O medo, a
ansiedade, lhe deixam doente no seu
interior.
Entra
na casa e segue rápida em direção de sua netinha, que dorme,
tranquilamente, o sono da inocência.
“A inocência
quer dizer
ignorância do que é impuro”
Ramalho Ortigão