USANDO TODA SUA FORÇA
“A força das
mulheres está
na sua própria fraqueza.”
Fontenelle
Capítulo 278
Dana continua, diligentemente, sua luta
na tentativa de cortar a corda. Com
alívio vê que
consegue fazê-lo em um dos tornozelos. Olha para seu filho e
vê nos olhos
dele um brilho diferente. Ele parece alegrar-se e mantém sua
alegria em discreta
mudez. Ela lhe sorri. Mas continua,
agora, a mesma
operação no outro
tornozelo ainda preso.
A mulher lá adiante, levanta-se com um
objeto nas mãos.
Dana, disfarçadamente, pára o que está
fazendo, mantendo no lugar a
corda que fora
cortada.
A seqüestradora caminha em direção da
porta. Abre-a e sai.
Dana, com agilidade, apressa-se na
solução que espera obter no outro
tornozelo,
libertando-a por completo. Já está conseguindo separar com a
lâmina os últimos
fios, quando retorna a mulher.
Ela fecha a porta. Dirige-se à Dana e William.
- Sabe que
seu filho é lindo?
- Obrigada.
–Dana fala secamente.
A mulher chega bem perto dos dois.
Dana, com a mão escondendo a lâmina,
torce para que a mulher não
lembre de, por
acaso, examinar seus tornozelos, o que seria, segundo
seu temor, um verdadeiro desastre.
- Você está
com fome, garoto? – pergunta a mulher.
- Não! – ele
responde, sem titubear.
- Huum... e é malcriado, veja só!
Pois se estiver, vai ficar ainda por
algumas horas... –
abaixa-se para lhe falar em baixa voz - ... só pra
você aprender!
William a fita, sem demonstrar temor de
tal ameaça. Apenas vai para
junto de sua mãe
e abraça-se a ela.
A antipática e insensível mulher dá uma
risada e afasta-se, novamente.
Junto a uma parede, onde está um colchonete, ela senta-se. Pega um livro
que é o objeto
que retirara do caixote. Pode conseguir ler alguma coisa,
com a claridade
vinda através das frestas entre as tábuas que estão
presas à janela de
madeira, pois dentro da cabana o ambiente está
sempre escurecido.
Ela fica concentrada na leitura.
Dana recomeça seu trabalho em cortar a
corda que lhe prende o outro
tornozelo. Em poucos
minutos consegue seu objetivo.
William, do seu lado, com semblante
abatido e sonolento, achega-se
mais a ela, que,
em seguida, consegue, com mais eficiência e rapidez
cortar as cordas
que lhe amarram os pulsos.
Na mente de Dana vários pensamentos
ocorrem, para livrar-se daquela
maldita situação.
Acaricia o menino, arrumando-o de jeito
que ele possa adormecer um
pouco. É o que ela deseja, certamente, principalmente para
que o
pequeno não possa
assistir o que sua mãe prepara para poderem ambos
fugir das garras
da seqüestradora.
Dana, lentamente, levanta-se do lugar.
Empunha, com firmeza a
tora
de madeira na
qual estivera sentada.
A mulher, de costas para os
seqüestrados, concentrada, ainda, na leitura
e voltada
para a luminosidade que vem da fresta da janela, não vê quando
a agente, pé ante pé, aproxima-se.
Dana desfecha, com um golpe certeiro e
usando toda a sua força, o
pau na cabeça
da mulher, que nem tem sequer tempo para esboçar um
gemido.
Ela desmaia e, no mesmo instante, um
filete de sangue escorre de sua
têmpora.
A agente, em fração de segundos
contempla, com horror, seu ato de
violência, mas logo
recupera-se do arrependimento. Percebe que está
em jogo suas
vidas, principalmente a de seu filho que não precisava
estar sofrendo
nas garras de seres sem nenhuma sensibilidade.
Apressadamente calça seus sapatos
jogados a um canto; agarra o
pequeno, que estremece em suas mãos, acordando.
-
Mãe...! – ele fala.
-
Vamos embora, filho!
-
A mulhé dexô?
-Sim.
Ele olha em direção da mulher deitada.
-
Ela tá dumindo?
-
Sim, está. Vamos. – ela o puxa pela mão, indo em
direção
da porta.
O menino acompanha os passos da mãe, mas
com o olhar fixo na
mulher malvada.
Dana, saindo da cabana escura, sente a
vista ardida pela claridade
do sol que
banha o local entre árvores. Quando fora trazida para
ali não pôde
ver como é exatamente o lugar em que estivera cativa
por esses dias.
Muita vegetação, árvores frondosas, mato
fechado em quase toda
a área a
assustam por instantes. Fica imaginando por onde teriam
chegado até a
cabana; qual a direção a tomar tendo o cuidado de
não encontrar o
homem que havia saido e ainda não retornara.
-
Mãe...? – chama o pequeno.
- Sim,
filhinho...? Fala! - responde, enquanto
seu olhar
tenta encontrar algum
caminho.
- E se a mulhé má acodá?
- Ela não
vai acordar.
- É qui ela tá com muto sono?
- É isso.
Dana toma seu filho nos braços. Tem que
embrenhar-se pela mata
em busca de
uma saída. Aprofunda-se pela mata a dentro, mas não
encontra solução; não
sabe o caminho a tomar. Retorna ao lugar
por onde
entrara.
-
Mãe...
- ... sim, filho? – responde,
automaticamente, sem prestar
muita atenção.
Um ruído de galhos secos a faz parar de
caminhar. Coloca os
dedos na boca do
menino, fazendo-o entender que não deve falar.
Fica quieta, assustada, procurando
preparar-se mentalmente para
retirar de sua
mente o medo. Espera por alguns instantes e
prossegue sua
caminhada, enfiando-se mata a dentro.
-
Oh, meu Deus! – geme, desconsolada, vendo que nada ali
indica qualquer
trilha.
-
Mãe... eu qué í pro chão.
-
Não, filho, a gente tem que andar depressa!
-
Eu sabe andá dipressa!
-
Sei disso, querido, mas...
- ... eu qué
mostrá uma coisa! – ele insiste.
-
Tá, William. – ela o coloca no solo – Fala o que você
quer.
O menino abaixa-se para pegar uma pedra
branca, de
transparência leitosa,
que faz parte de muitas existentes na área.
-
Meu filho, é só isso que você queria? Precisamos ir embora!
Rápido!
Ele está apertando a pedra na mão.
–
Agola não! Olha...!
Antes de mover o olhar para onde o menino
lhe aponta, ela
nota um brilho
estranho na pedra. Pisca várias vezes para
certificar-se se está
vendo alguma coisa fantástica. Em seguida
fita o menino.
Acompanha-lhe o olhar. Logo assusta-se:
-Ai,
meu Deus! – segura seu filho, apertando-o contra o
corpo trêmulo.
O menino, sem demonstrar nenhum medo,
atentamente olha
o lobo à
frente deles poucos metros. Sorri, com simpatia para o
animal.
Dana faz um gesto para colocá-lo no colo
e assim poder dar-lhe
mais segurança.
-
Pelai, mãe! – pede o garoto – Agola
não!!
O lobo, parado, parece contemplar com
admiração os dois seres
humanos diante de
si.
William sorri, ainda. Faz um meneio com
a cabeça.
O animal dá um giro, voltando o corpo
para trás; retorna o corpo
para a frente,
novamente. Seus beiços movimentam-se e os olhos
movem-se para os lados.
A criança novamente faz um gesto com a
cabeça, com ar de simpatia
para o animal.
Este, neste momento, abaixa bem a cabeça
em direção ao solo duas
vezes.
Dana está muda. Sente-se incapaz de dar
um passo sequer. Talvez,
num gesto
desses, o animal se espante e os ataque de alguma forma.
Vê, porém, com espanto, que seu filho
estende a mãozinha na direção
do animal,
sorrindo mais ainda.
-
É pá lá, mãe!
- O quê,
filhinho...? –ele consegue murmurar, com voz trêmula,
amedrontada com a
possível reação do animal.
- Que tem zente igual nois.
- Gente...?
– está estupefata diante da declaração – Você quer
dizer ... a cidade?
- É sim,
mãe! – agora ele, com um gesto de mão parece
despedir-se do lobo,
que, logo em seguida, sai rapidamente
dali,
embrenhando-se na mata.
William segura a mão de sua mãe:
-Vambola!
Dana, surpresa,
caminha como um autômato. Não está entendendo
nada.
Então, logo desperta para a realidade do
que tem que a cumprir,
faz um
muxoxo, pega o filho nos braços e volta
a caminhar numa
certa direção.
-
É ali, mãe! – diz a criança.
Dana estanca os passos.
“Deus, meu
filho fala cada coisa! Me ajuda, Senhor! Devo
seguir a direção que
ele me sugere? O que faço?” – pensa,
preocupada.
-
Vamo, mãe!!
Ela resolve seguir a intuição da
criança, já que, por vezes notara
que ele é uma
criança dotada de entendimentos especiais.
“Meu
filho nem se assustou com aquele animal e pareceu-me
até... até...
que entendeu-se com ele... mentalmente! Nossa, é
isso mesmo?!”
Ela sacode a cabeça, tirando o
prosseguimento de seus ousados
pensamentos.
Continua a andar, preocupada em olhar o
que pisa, procurando
evitar acidentes.
Raízes trançadas pelo chão, buracos
formados por animais,
montículos de formigas
mordedoras, tudo isso ela evita pisar.
Repentinamente, para sua surpresa e
contentamento, vislumbra
uma pequena
trilha aberta na mata que se direciona, serpenteando,
para algum lugar
que possa ser uma saída dali.
-
Finalmente! – exclama, sentindo um alívio.
- O quê,
mãe? – quer saber o menino.
- Vamos
pra casa, filhinho!
“O
contentar-se com pouco
é a maior riqueza natural.”
Socrates