UM TREMENDO  ÓDIO

 

“O ódio é paixão mais

viva do que a amizade.”

Vaunenargues

 

Capítulo 279

 

William nada fala. Continua nos braços de sua mãe.

Esta sente que está cada vez mais difícil caminhar carregando o filho. Pára

por segundos, a fim de observá-lo. Profundas olheiras denotam a debilidade

do  frágil e pequeno organismo da criança, completado pela palidez.

Dana o aperta contra si, perturbada ao vê-lo nesse estado.

         - alegre puquê a zente vaimbora, mãe?

Ela meneia a cabeça, confirmando, embora em seu coração a dor é que está

tomando conta do seu ser.

         - Mulder... – ela murmura - ... preciso de você!

Continua sua caminhada, agora na trilha que lhes aparecerá, dando a

esperança de que logo será solucionada a tragédia na qual se encontra. O

cansaço lhe oprime o peito; a respiração ofegante vai se tornando difícil; as

pernas estão como que se enfraquecendo a cada passo. Mas está resolvida a

achar o caminho de volta. Para isso vai ter que andar. Até o ponto que não

possa agüentar mais.

Agora William derreara a cabeça sobre seu ombro e adormecera, ao ritmo

dos passos de sua mãe.

E ela prossegue. Sem nada que a possa impedir de continuar a jornada.

 

* * *

Mulder, carregando no interior do carro a jovem mandante do seqüestro,

sente um tremendo ódio a atordoar-lhe os sentidos.

- Não faz isso comigo não, Fox! Me solta aqui! Eu fico aqui mesmo

 nesta estrada. Daqui eu me arranjo, sem problemas.

- Enlouqueceu de vez, garota?Acha que vou desistir da busca pela

 minha mulher e meu filho, só pelos seus belos olhos?

- Eu sei que você não seria capaz de me fazer mal! – ela diz, com voz

 meiga.

- Não tenha tanta certeza.

- Eu não sei onde eles estão!!

- Como não sabe?! Acha mesmo que acredito nisso?

- Eu te garanto isso!!

- Cala a boca aí!! Só quero saber em qual direção devo seguir! – fala,

 vendo uma bifurcação na estrada.

- Eu não sei, droga!! – grita ela.

Mulder aperta os lábios. Pára o motor do veículo. Abre a porta e sai. Em

seguida abre a porta traseira. Seu semblante está transtornado. Puxa a

jovem pelos ombros, segurando-a com as duas mãos e a sacode,

violentamente. E tão fortemente que ela bate com a cabeça no forro do teto.

         - Ai!! – grita ela – Está me matando!

- Eu devia mesmo  matá-la, sua miserável, mesquinha, mas só posso

pensar nisso no momento em que achar Dana e William.

         - Você não teria coragem!

Mulder mete a mão no bolso. Ao retirá-la dali, aponta a pistola para Louise.

         - Ahn...? – ela se assusta – Socooooooooorro!!

- Tem certezade que aqui alguém ouvirá seus gritos? – ele aponta para

 a lateral da estrada – Olha aí, Louise: só densas matas ao redor.

Ela desanda a chorar, num pranto em alto som.

Mulder sacode a cabeça e guarda a pistola no bolso. Passa a mão nos cabelos

esalinhados, nervosamente.

- Eu entendo perfeitamente, menina, você ter passado parte de sua

infância e adolescência numa casa de correção, um reformatório...

 você não recebeu carinho dos pais, compreensão, conforto...

- ... como sabe...? – interrompe-o, ainda soluçando.

- Eu investiguei.

- Ai, meu Deus...!! Estou cansada! Não agüento mais!

Mulder suspira. Parado, ainda, na porta traseira que continua aberta,

ele olha a criatura bela, jovem, cheia de vida e energia, ali, fragilizada,

num estado de amargura e vergonha.

         - Tem pena de mim...! – ela suplica, ainda aos prantos.

- Você é digna de pena, sim! –baixa a voz para dizer – Mas é má!

 O seu instinto é perverso, Louise. Está dentro de você... na sua

índole...!

         - Pois então...?Por que não me mata de uma vez?

         - Porque preciso saber antes onde estão eles.

         - Eu não seeeei!! Juro!!

         - Fala então com o bandido, teu comparsa nesse crime!

         - Eu não estou com o celular! Não dá pra perceber? Como poderia

 assim atada?!

O ex-agente, imediatamente, retira do seu bolso o aparelho e o joga sobre

o assento do banco.

         - Toma aí! Fala! Agora!

Ela, com a única mão livre, pega o aparelho e digita um número.

         - Alô! – fala, quase sem voz.

Respondem do outro lado da linha.

         - O quê...? Como foi possível?!

Logo uma outra notícia a acalma.

- Ainda bem. – e após ouvir alguma coisa, continua – Não! Não faz

 mais nada! Pode deixar!!

Fica escutando, em seguida, com o cenho franzido e olhando para Mulder.

         - Eu já falei que não!! Já falei que não!! Me escuta! Estou em apuros!!

Impacientemente ela quer continuar a falar, quando Mulder, num gesto

rápido, lhe toma o celular da mão.

         -  Olha aqui... – começa ele a falar com a pessoa do outro lado da linha.

         - Quem é?! – diz o outro, com quem Louise havia falado.

- Louise está aqui comigo. Já confessou tudo. Quero apenas a direção

 que tenho que seguir para pegar minha família.

         - O quê...?! brincando!

         - Negativo. A sua comparsa aqui está algemada,  pronta a ser levada

 para a cadeia.

         - Caramba! Você é policial?

         - Sim.

Somente um clique agora ele pode ouvir por ter o sujeito desligado o telefone.

Mulder faz um gesto de raiva. Passa o aparelho para Louise:

         - Fala com ele que a pena pode ser reduzida se colaborar comigo.

         - Você é mesmo da Polícia? – ela está surpresa.

 -Não interessa o que sou; apenas devem vocês dois ir logo pensando

 no que gastar o tempo quando estiverem na cadeia.

A jovem nada fala. No seu semblante o medo e a angústia estão estampados

agora.

         - Eu vou falar. – murmura.

         - Pois então fala logo! – ele insiste, estendendo-lhe o telefone.

         - Não é isso. Eu vou dizer o lugar pra onde ele os levou.

Ao ouvir esta frase Mulder abaixa o corpo para fazê-lo penetrar no carro.

Segura a jovem pelos cabelos, puxando-os para trás, com força e sem

nenhuma piedade.

         - Sua desgraçada! Fala logo!

         - Ai! Espera aí!!

Ele continua agarrando-a pelos cabelos.

Ela espalma a mão que está livre:

         -! Por favor, pára! Eu vou dizer! Chega!! Está me maltratando

 muito!!

Ele, chispando faíscas pelos olhos, apossado da ira na qual se encontra,

mais uma puxada violenta nos cabelos da moça, que é obrigada a ficar

com a cabeça voltada para o teto do carro.

- Estou te maltratando...? E Dana com meu filho, uma criança tão

 pequena, ainda, o que você acha que estão sentindo?

- Ai... por favor...!! – geme – Não! Eu disse pra que não sejam

 maltratados!

- Ah... sua garota insensível, má... você precisaria  estar na condição

 que um seqüestrado se encontra pra saber como é!

Agora Mulder solta os cabelos dela, não sem antes dar mais um violento

puxão, que a faz sentir os ossos dos pescoço estalarem.

Louise desata a chorar, novamente.

Mulder bate a porta traseira do carro e entra na dianteira, trancando-a,

a seguir, com violência.

 

No fundo de cada homem está latente

a violência. O riso e a alegria são

simples artifícios.”

Carlos Malheiros Dias