MEDO DE ENVELHECER?
“Tomemos
cuidado para que a velhice não
nos enrugue mais o espírito que o rosto.”
Miguel de Montaigne
Capítulo 286
O mar calmo permite que o pequeno barco deslize
mansamente sobre sua
superfície.
Dana ergue a mão para o alto e acena.
— Ei! O que está fazendo, Scully?
— Nada demais, Mulder!
— Acenando pra quem, nessa imensidão de água aqui?
— Não sei ao certo...
— suspira — ... me deu
a impressão de que estamos
sendo observados...!
— Observados...?! Por quem?
— Não tenho idéia! É só um palpite.
— Huum... não
sei não, Scully... acho que
você está mais voltada para os
seres do espaço do que eu atualmente.
Dana sorri e os dois permanecem em silêncio por alguns
segundos.
— Mulder...?
— O quê?
— Quanto tempo você acha que chegaremos lá?
— Não tenho previsão, Scully.
Por isso é que resolvi espairecer as idéias
navegando um pouquinho neste barco.
— Por que diz isso?Como não tem previsão? Além do mais
estou notando
que este nosso passeio nos dará problemas.
— Problemas?
— Repare que o céu está escurecendo o que indica uma
tempestade vindo
por aí. E se nos pegar aqui, vai ser
perigoso.
— Confie em mim.
— E eu confio, é claro, mas devemos raciocinar, porque
numa tempestade
nós seremos alvos dos raios...
— Nossa! Vamos ser otimistas, Scully!
Não falemos de coisas ruins! Você
etá sempre “pra
baixo”! Aliás nesses dias tumultuados que passamos
você
estava negativa em tudo.
— Humpf! — é o que ela faz,
chateada com as palavras dele— Então tá,
eu entendo. Já foi o bastante passarmos por toda essa absurda aventura.
— Vamos pensar em coisas boas. Afinal, conseguimos nos
desembaraçar
do pessoal do FBI, resolvendo aquele caso.
E o tempo passou, nossos filhos
já estão crescidos e a gente tem
necessidade de coisas novas.
— Mulder...?
— Fala.
— Você não vai sentir falta...?
Ele apenas dá de ombros. E faz um muxoxo para também
perguntar:
— E você?
— Eu...?
— Claro Por que não?
— Eu trabalho naquele hospital, Mulder!
Agora ele apenas faz um descrente ar de riso,
continuando:
— Você achou bom virmos esfriar a cabeça nesse lugar
bem diferente?
— Lógico que sim. Só que fico pensando...
—No quê?
— Que o FBI não vai nos esquecer.
— Só porque esse helicóptero está por aí? Jamais vão
imaginar que
dois agentes federais estão aqui dentro de
um barquinho passeando.
—Sim, mas...
— Mas o quê? Qual o problema? O que quer dizer?
— Que estaremos aqui... prontos
a colaborar...
— Como é...?
Dana dá uma pequena risada.
Agora já estão chegando à
terra.
Mulder faz atracar o pequeno barco,
prendendo-o às amarras.
Dana levanta-se, enquanto ele lhe segura a mão para
ajudá-la a
Sair da embarcação.
Mulder veste uma camiseta.
Dana ajeita o roupão de praia que lhe cobre o biquíni.
Saem os dois de mãos dadas.
* * *
Mulder está diante do espelho fazendo a barba.
Levanta as
sobrancelhas
enquanto desliza os dedos sobre a pele do queixo
forte. Põe-se a observar que na testa pode
ver rugas que teimam
em encontrar lugar em sua pele morena,
antes tão lisa.
Ele morde os lábios, contrafeito. Passa a mão pelo
pescoço onde
também pode encontrar linhas diferentes lhe
aparecendo na
Pele.
´É... — pensa ele — o tempo passou e o
tempo não perdoa! Estou
com mais idade. — suspira
—Até quando poderei viver não sei,
ninguém sabe a hora de ir deste mundo.”
Toca com a ponta dos dedos a ferida que tem na testa. Fôra
atingido com vilência
pelo sujeito assassino.
“A minha Scully chegou na
hora H. Minha linda... minha amada!”
— Mulder...?
Ele ouve a voz de Dana.
— Estou aqui.
Ela aparece na porta.
— Quer alguma coisa, Scully?
— Sempre quero...
— Huum... agora?
Ela sorri, gostando da brincadeira.
Ele lhe segura um braço e com outro continua
deslizando o
barbeador na pele do rosto.
— Eu só quero avisar que vou preparar nosso lanche. —
ela diz.
Ele demonstra alegria:
— Obrigado, Scully. Estou
morrendo de fome! Mas antes... —
ele continua segurando-a para junto de si.
— E agora? É você que quer alguma coisa?
— Várias.
— Ai, que homem ganancioso!
— Quero te mostrar uma coisa: — coloca-a diante do
espelho —
Scully olha só, o tempo passou pra nós de um
modo rápido demais.
— E quem não sabe disso?
— Sei, mas quero dizer é que o tempo não perdoa e nos
maltrata.
— O que está querendo dizer, afinal?
— Que estou ficando velho.
Ela cruz os braços, censurando-o com o olhar:
— Pronto! Era só o que me faltava! Agora você está com
complexo!
— Que complexo, que nada!
— Medo de envelhecer?
— Bobagem, lindinha, não é isso.
— Como não? É lógico que você fica se
vendo negativamente!
Ele dá uma risada, saindo da frente do espelho:
— Espera, Scully,
olha só como é que você me vê: pareço um
ursinho de brinquedo, que dá vontade de
acariciar. Sem beleza.
— Mas... — ela tenta falar.
— ... deixa eu falar
o resto. Eu me vejo com uma expressão
arrogante, sorriso enigmático. Uso roupa sempre
impecável.
— Ah! Ah! Ah!
— Vou continuar: sabe como os outros me vêem?
Envelhecido e
curvado. Sem muita inteligência.
—Nossa, Mulder! Que pensamentos!
— Calma, deixa eu completar
minha análise; diante de uma
máquina fotográfica eu sou definido assim: mais
de cinqüenta
anos; um homem convencional, que inspira confiança.
— Essa é a sua maneira de analisar as pessoas?
— Exatamente.
— E quanto a mim?
Ele passa o dedo indicador sob o nariz, fitando Dana,
apertando
os olhos:
— Você se vê a si própria inalterada desde os vinte e
dois anos.
Reservada e serena. Essa pinta que você tem acima dos
lábios
aumenta sua distinção, segundo você imagina.
Dana faz um gesto de pouco caso. Franze os lábios.
Puxa os
longos cabelos para um dos lados da cabeça:
—E como eu acho que os outros me vêem, Mulder?
— Você acha que os outros a vêem um tanto picante...
— ... ahn?!
— Espera — continua — Julga que qualquer elogio
masculino
faz ressaltar essa sua pinta.
— Eu...?!
— É sim, minha amada. Mas não só você. São todas as
mulheres.
— Ah, Mulder, pára com isso!
Ele a abraça com ternura.
—E diante de uma máquina fotográfica o que represento?
—
ela volta a perguntar.
— Tem quase quarenta anos, boa presença, mas um pouco
Inibida. Se tiver usando
jóias elas são quase invisíveis, não
chamam a atenção.
— Eu, hein!
— Pois é assim.
— Escuta... — ela aninha-se mais entre os braços dele — ... e
Você? Como você me vê?
Mulder a afasta de si, segurando-a pelos
ombros:
— Linda. Linda e gostosa.
—Ah, pára! Quero que me diga sob o ponto de vista
psicológico.
—Ah, sim... — passa o olhar sobre toda ela — ... eu a vejo mais
vclha do que
realmente é. Mais afável. E se estiver usando
brincos, nem os noto e nem essa pinta que atrai
os outros chama
a minha atenção.
— Ei! Que coisa pra me
dizer! Não gostei, tá?
Ele lhe envolve o pescoço com o braço, apertando-a
contra si:
— O que importa é que eu te amo, ta? O resto não
conta.
“Quanto mais
se ama alguém, menos
será preciso lisongeá-lo.”
Moliére