QUANTO SOFRIMENTO...!
 
“Sentir a vida é sofrer;
 a consciência  só é
 despertada pela dor.”
Graça Aranha
Capítulo 299
Dana atravessa o corredor do hospital, indo entrar num dos quartos. Vê o numero na porta: 42.
Ela pára, a fim de concentrar os pensamentos diante daquele número.
“42... é como se eu estivesse neste instante no apartamento do meu amado! Aquele homem que nunca vou esquecer! Como eu o amo! —  desliza as mãos sobre seu peito ofegante — Ai...! Os beijos dele me levavam ao espaço... sei lá...! Como o desejo ainda!  — seus olhos se umedecem —  Hoje, aqui, vivendo esta vida enganosa... de fingimento... tolerância... pura hipocrisia... porque eu não suporto esse homem com quem convivo ...! —  passa os dedos no pescoço —- Quanto sofrimento...! E se eu pudesse saber  o que aconteceu para que eu  o fizesse sair de junto de mim ...! Oh, meu Deus! Me dá forças pra agüentar essa vida sem rumo que eu vivo...! Meus filhos não aceitam esse homem e não sei o que fazer porque... porque... ele, Mulder,  o meu querido, o homem que eu amo, está vivendo com aquela mulher... a... Ângela... — concentra-se um pouco para tentar lembrar — ... o nome dela é Ângela... Ângela de quê mesmo...? Ah! White! É isso! Não sei como ela foi aparecer na vida dele novamente! Não sei como! Ela retornou e o tomou de mim! Tomou...?! Não! Não é esta a palavra certa... — suspira, fitando o espaço através do vidro da janela —  Ela apenas reapareceu e ele... sozinho... oh, não!! Oh, Deus, como tive ódio quando a vi naquele tempo beijando-o... os dois ali... na cama...! E agora eles estão assim todos os dias... enquanto eu estou aqui... sofrida! Não agüento pensar nisso! Apesar de todo esse tempo passado eu não consigo esquecê-lo! Não consigo porque ... eu o amo!” 
E Dana deixa que as lágrimas desçam por suas faces à vontade. Não pode impedi-las. O sofrimento é muito grande. Mas logo ela reage. Afinal está no seu ambiente de trabalho. Passa os dedos sob os olhos melancólicos e molhados.
— Doutora Scully, eu a estava esperando!
— Boa tarde, senhora. Como está?
— Ah, doutora, estou nervosa! 
— Não fique. Tenho certeza de que a cirurgia de sua filha será bem sucedida. Após a ressonância cardíaca detectamos uma miocardite aguda. O coração dela não está bombeando direito. A única ação a tomar será mesmo  o transplante.
A mulher coloca as mãos no rosto, temerosa.
Dana a fita com meiguice.
A menina de nove anos de idade está no leito. Quieta. Tem os olhinhos tristes, fitando as duas mulheres à sua frente.
— Sua linda filhinha está pronta para receber o coração novo. — fala Dana.
A mulher apenas acena afirmativamente, cruzando as mãos, com ar nervoso.
— A sua menina já sofreu várias  paradas cardíacas. Temos que resolver isso tudo e agora. — completa Dana.
— E o ... coração já chegou? — pergunta a mãe da menina doente.
— Sim. Já está tudo pronto para os procedimentos para que o médico responsável, o doutor Thompson  inicie o transplante. Temos que levá-la agora.
Neste exato momento entram as enfermeiras que colocam a menina na maca. E a levam dali.
Dana as acompanha.
Na sala de cirurgia a equipe médica faz todos os procedimentos para a cirurgia.
A criança recebe a anestesia e lhe colocam um tubo no nariz para a respiração. É iniciada a cirurgia  abrindo o osso externo do pequeno peito da menina sob os olhares atentos de toda a equipe. É ligada pelo assistente a máquina que faz a função do coração e pulmões. Logo é colocado o novo coração e retirado o pinçamento das artérias . E o novo coração começa a pulsar bem.
— Muito bom! Conseguimos! — fala o médico para Dana, entusiasmado.
Realizados os procedimentos finais, ela dirige-se para fora da sala, retirando a máscara e luvas.
Adiante, no final de um corredor, na sala de espera estão os pais da menina operada.
— Oh, doutora Scully... o que diz o doutor Thompson? Como foi? — indaga  a mãe, com o semblante pálido e apreensivo.
— Correu tudo muito bem. Sua filhinha está bem. Dentro de meia hora já poderão ir vê-la.
— Graças a Deus! — exclama o pai, com ar aliviado. — obrigado, doutora! Obrigado à você e todos os médicos da equipe.
Dana retira-se em seguida. Seus pensamentos divagam neste momento.
“Nosso  trabalho é sofrido, mas compensador. Só pela alegria que a gente pode dar aos pais nos anima a continuar. E aí estão os pais da minha pequena paciente. O pai e a mãe. Meus filhos não têm mais direito a esse prazer, pois eu e seu pai vivemos separados... sofro muito... por mim e por eles!”
Já fora do hospital pega o carro. E recomeçam seus pensamentos a dominar-lhe a mente:
Tenho que ir pra casa... mas somente por causa de meus filhos porque não suporto mais viver sob as grosserias e ameaças  daquele homem. Ai... sou tão infeliz...! Até quando esse sofrimento estará sobre a minha vida...? Até quando?”
 
*   *   *
 
Dana está extremamente abatida. A vida que está levando a atormenta, sem contar o estafante trabalho em sua importante profissão. Entrega-se ao trabalho com afinco para poder esquecer, ali naquele hospital carregado de tristeza, dor e ansiedade, sua vida tremendamente infeliz.
Havia tomado um banho. Sob a água do chuveiro deixara cair em abundância as lágrimas. O peito lhe tremera de dor. 
Agora está enxugando os cabelos e enrola a toalha sobre eles.
— Dana!! — o berro vem se aproximando.
Ela não responde.
— E aí? — Já está pronta?
— Pronta... pra quê?
Ei!!  se fazendo de gostosa, é? Vem logo! Olha, estou te esperando na cama!
— Estou cansada e com muita dor de cabeça.
O homem a olha de baixo para cima:
— Muita dor de cabeça, é? Está pensando o quê? Você é minha mulher! Tem que me obedecer! 
Pára, Burton! Estou me sentindo mal. — explica, sem o fitar.
— Escuta aqui, já estou cheio disso, ? Você já fez as contas de quanto tempo não me satisfaz na cama? Já?
— Não me interessa saber.
Ele está com um copo de bebida na mão e recomeça:
— Você arranja todo dia uma desculpa, hein? Estou perdendo a paciência contigo, sabia?
— Problema seu. — ela responde, ainda sem olhar para ele.
O copo na mão de Burton é atirado contra Dana, que se desvia, a fim de evitar o impacto do  vidro contra seu rosto.
— Seu estúpido! — ela sussurra.
— Olha aqui, Dana, vê se muda teu modo comigo, han? Ou melhor, vou dar um jeito em você, ok? Me aguarde!
Logo, porém, aproxima-se dela:
— Olha, Dana, desculpe, ? — parece calmo agora — É que eu sempre te quero; você é minha mulher e parece não perceber isso, pois procura meios de fugir sempre.
— Burton, chega. Eu acordei! Não dá mais!
O homem se exaspera:
— O quê não dá mais?  pensando o quê, sua vadia?
— Pára de me chamar assim! Não admito!
— Eu é que não admito ser tratado como um lixo! — segura-a pelos cabelos levando-os para trás — Vadia, sim! Vadia!!
— Me larga! Por favor, me larga!
Ele solta-a largando seus cabelos, mas a atira brutalmente sobre o sofá.
Dana  permanece estática por alguns instantes. Logo recobra as atividades dos seus sentidos para dizer:
— Eu o desprezo, Burton! Você me manipulou esse tempo todo! Agora trate de colher o mal que plantou. 
Ela levanta-se  rapidamente e caminha para o quarto. Entra. Fecha a porta e gira a chave na fechadura.
*  *   *
Os minutos passam-se velozes no trânsito calmo.
O ruído do celular dentro de sua bolsa faz-se ouvir. Ao abrir o aparelho ela surpreende-se: 
— Skinner!! — exclama — Alô! — atende em baixa voz.
— Dana...? Dana Scully, tudo bem?
— Senhor Skinner... mas que surpresa! Como vai? 
— Eu é que lhe pergunto, Scully. Mas deixa logo eu falar. Preciso conversar com você.
— Conversar... comigo...?
— É. Assunto sério.
— Bem... não sei sobre o que podemos conversar, mas tudo bem.
— Quando podemos marcar?
— Pode ser amanhã. — ela diz decidida
— Estarei aí, com certeza!
E combinam encontrar-se no dia seguinte.
* * *
Skinner senta-se, com ar esbaforido:
— O aeroporto estava confuso. Mas deu pra chegar a tempo. Eu não queria fazê-la esperar.
Dana sorri levemente.
Skinner vai falando logo, sem titubear tudo o que está pretendendo.
Dana olha para seu ex-Diretor, não querendo acreditar no que ele lhe fala.
— O senhor está pedindo que eu ajude seus agentes?
— É isso.
— Mas eu não pertenço mais ao FBI!! Minha profissão é outra e...
— Lembra daquela vez em que você falou o mesmo para o Mulder?
Neste momento o nome citado por Skinner toca fundo na sua alma.
— Você o ajudou naquela missão e deram-se bem, descobrindo toda aquela trama!
— Mas eu só fui porque ele me pediu, senhor Skinner! Eu não...
Skinner pigarreia. Olha para um lado e solta a frase que quer dizer:
— Necessitamos de sua ajuda, Scully! Sua ciência sempre foi primordial nas investigações.
— Mas não sei se...
— Claro que sei que você é totalmente dedicada ao seu trabalho, mas veja Scully, seu conhecimento é utilizado para certos tipos de investigação.
— Eu não posso aceitar sua proposta.
— Por favor, Scully...!
— Não insista, senhor Skinner.
Ele afasta-se um pouco,lançando o olhar à dist|ância, parecendo procurar palavras para convencer a ex-Agente.
Scully, não somente eu; o FBI precisa de você. Essa investigação exige conhecimento científico como você possui.
 
*   *   *
O imenso e austero corredor deixa em Dana sentimentos em mistura:  responsabilidade e emoção. Saudade de outros tempos...
— Dana Scully!!
Ela ouve seu nome pronunciado com entusiasmo. 
— E aí, Dana? Como é possível?! Não estou acreditando!
— Oh, olá Clark. Tudo bem?
O homem a abraça efusivamente:
— Onde você se esconde, Dana Scully? Está voltando para o FBI?
— Não... não precisamente... vim ver o Skinner.
— Ah, sei. Olha, espero vê-la novamente.
Despedem-se após breve conversa.
Dana volta a caminhar na direção do gabinete de Skinner. Pára diante da porta, respirando profundamente; entra, a seguir, na sala da secretária.
— Sou Dana Scully. O senhor Skinner está à minha espera.
— Ah, pois não. — a moça levanta para atendê-la. 
Avisa ao Diretor a chegada da visitante.
Dana entra na sala.
— Está um pouco mudado o ambiente, senhor.
— Ah, é verdade. — concorda — Sente-se, por favor.
Ela senta-se diante da mesa. Logo insistentes lembranças recomeçam . Era como se estivesse nos tempos antigos. 
Skinner explica-lhe tudo sobre a investigação.
— Bem, já que é assim, está combinado, então, senhor. Parece que não foi perdida minha viagem.
Certo, Scully... — ele levanta-se, puxa a cadeira para trás — ... bem... devo  avisá-la que não estará sozinha nesse trabalho.
— É claro! E nem poderia!
— É claro. — ele repete.
Skinner passa os dedos no queixo. Não olha para Dana à sua frente. Remexe uns papes sobre a mesa.
Scully... bem... quero lhe avisar que...
O semblante dele delineia-se tão preocupado que ela franze o cenho, perguntando em seguida:
— O que quer me falar?
Ele a fita por alguns segundos.
Fox Mulder será seu parceiro nessa séria e complicada investigação.
Dana se levanta, com ar atormentado.
— Não, senhor Skinner! Por favor, não!! Isso eu não posso!!
Skinner pisca várias vezes. Retira o óculos para apertar o meio da testa, entre as sobrancelhas. 
— Tem que ser, Scully. Me desculpe.
Ela meneia a cabeça, negativamente:
— Não! De jeito algum! Não posso! — faz menção de deixar o gabinete do Diretor.
Skinner se aproxima rápido, segurando-a pelo ombro:
— Faça um esforço, Scully...! Precisamos de você... por favor!
— Mas eu não posso...! — murmura, quase gemendo.
— Será um ato heróico de sua parte renunciar alguns dias ao seu importante trabalho no hospital e ... 
— ... e ... ? Estar cara a cara com ... Mulder! O senhor entende?
— Sim, entendo. Me desculpe.
— Eu é que peço desculpas, senhor Skinner. Preciso ir agora.
O Diretor nada mais pode fazer diante da pronta decisão da sua eficiente ex-Agente.
Dana se sente atormentada. Dentro de si dois desejos se degladiam: a recusa da proposta e a ânsia de rever o homem que ama.
* * *
Dois Agentes estão sentados junto a Dana na sala. Um deles olha o relógio:
— Bem, já está tudo esclarecido, agente Scully... — dá uma risada — posso chamá-la assim?
Ela sorri, somente.
— Agora é só aguardar o Agente que vai compartilhar essa missão  com você.
Os dois Agentes saem.
E quase ao mesmo tempo outro homem entra na sala. Ele vê a mulher ruiva sentada de costas. Franze o cenho, impressionado.
— Não é possível! — murmura.
Dana, ao ouvir rumor volta-se para olhar o recém-chegado, levantando-se em seguida.
O homem ante sua visão a deslumbra momentaneamente: alto, belo porte, os cabelos agora um tanto grisalhos, os olhos pequenos como sempre investigadores das emoções dos que o encaram.
Scully...!! — ele murmura.
Mulder...!! — sussurra ela, com o coração palpitante.
— Então era isso... — ele exclama.
— Isso o quê? — ela quer saber, levantando as sobrancelhas.
— As explicações de Skinner... mas sente-se! — ele pede, aproximando-se; pigarreia, nervosamente — Por favor.
Mas ela não o faz. Continua estática, fitando-o, como se ele fosse um ser irreal.
— Eu não sabia que seria você, Scully... — ele fala, olhando para as próprias mãos — Olha... mas não foi nada premeditado. O Skinner teve então essa idéia de perceber que deveria nos tornar parceiros nesse caso pela... vamos dizer ... forma intrincada  dessa investigação e ...
Dana nada retruca. A emoção desse encontro a deixa como se estivesse travada em seus gestos.
Mulder concentra-se na papelada que se encontra na mesa.
— Bem, vamos ao caso... é o seguinte: aconteceu o desaparecimento de dois ufólogos...
E vai explicando à sua parceira por onde devem começar a investigação.
 
*   *   *
 
William, jogando vídeo-game, atento ao cenário que se desenrola na tela, repentinamente sente uma vibração em seu corpo.
Ahn...? — murmura, cessando de apertar os botões do joystick. Olha para os lados. Está sozinho no ambiente. Levanta-se. Olha suas mãos que tem uma leve vibração. O menino caminha para outro ambiente, onde já avista o seu padrasto.
O homem está com um ar tranqüilo, estirado de corpo inteiro no sofá. Na mesinha ao seu lado, um copo e uma garrafa de whisky.
O filho de Dana, conforme se aproxima de onde está Burton, os tremores de suas mãos aumentam.
— Engraçado...! — ele murmura, surpreendendo-se consigo mesmo.
Neste exato momento Vivien entra na sala, carregando vários cadernos de desenho e lápis de pintura.
Ei, garota! Chega aqui! — grita alto o homem louro  com maus modos — Vai buscar água pra mim!
A garota pára por uns momentos.
 pintando! — ela explica.
— Larga isso aí e faz o que estou mandando! — o homem ordena.
— Não!! — recusa-se a menina.
— Não, é? Vamos ver! Chega até aqui!
Vivien não quer aproximar-se.
William está observando e nota que há um desejo da menina desobedecer  o homem. Está indecisa.
— Vou... até aí.  — ela repete e começa a caminhar na direção de Burton. 
William surpreende-se com a atitude da irmã. De onde está, por detrás de uma estante, pode notar que ela parece hipnotizada.
Vivien aproxima-se do padrasto.
Ele, sentado no sofá, estende a mão para pegar o pulso da menina, o qual ele aperta.
— Agora vai lá! — ordena — E não demora! Vai! Traz água pra mim!
— Água... pra você. — a garota diz.
— Sim! É isso aí! Agora!
— Agora... — repete a menina.
William percebe, então que sua desconfiança tem razão de ser.
”Ele hipnotizou  minha irmã! E não é olhando nos olhos! Ele tem o dom de comando na voz...? É isso?
O menino tem dúvidas de como o homem age. Mas que há algo estranho nele, não há dúvida.
Vivien, que havia saído da sala, retorna, sem os cadernos e lápis de pintura e com um copo d^água na mão.
“Minha irmã foi buscar a água pro cara! Essa não! Por que ele não exigiu isso de nossa empregada?” — pergunta-se William, ainda observando escondido.
A menina pára com o copo na mão diante de Burton, que continua deitado no sofá.
— Olha aqui a água. — fala a menina, timidamente.
Burton move a cabeça para olhá-la:
— Espera aí!  me dando ordem, é garota?
— Só  falando que trouxe a água! 
Ele  senta-se no sofá.
— Olha aqui, garota. Fica sabendo que eu bebo a água na hora que eu quiser! — explica com ódio na voz.
— Eu não gosto de você! Você é mau! — a garota desabafa.
Numa rapidez surpreendente ele toma da mão da menina o copo e jogo  todo o conteúdo em sua face.
Vivien chora, nervosamente.
— E cala a boca!! — berra o homem, lhe segurando o pulso.
William já está a ponto de correr para o lado da irmã, quando ela rapidamente sai dali. E então ele avança para Burton.
— Você maltratou minha irmã! — grita, saindo de onde estava.
— Que que é, garoto?  querendo um corretivo também, é?
— Corretivo?! Que foi que eu fiz?
— Não se meta onde não é chamado, ok? Fica na tua, ó moleque!
Burton se levanta rápido e caminha na direção do garoto, com a mão pronta a segurar-lhe o pulso.
William distancia-se rapidamente; e enquanto abre a porta do quarto para entrar, ouve a voz de Dana.
— O que está acontecendo aqui?
Burton que seguira a passos rápidos o menino a fim de segurá-lo, abaixa os braços desistindo do gesto.
— Mãe!! — exclama o garoto, abraçando-se à sua mãe.
— O que houve, William?
— Ah, pára com isso, Dana! Esse teu filho é um fantástico criador de casos!
— Como assim?
— Eu fiz o quê? — pergunta o menino —  Você é que castigou minha irmã!
— O quê?! — Dana se volta para Burton — O que você fez com ela?
O homem dá uma risada; chega até Dana e a segura pelo braço:
— Vamos lá... !! Não está vendo que esse seu filho inventa absurdos sempre?
— William inventa absurdos... sempre? — ela repete.
O garoto novamente surpreende-se com a reação causada agora em sua mãe.
— Mãe! Não vai na conversa dele, mãe! Não deixa! Mãe, acorda!!
Dana está completamente desconsertada nesse momento. Corre até seu filho. Agarra-se a ele, temerosa.
Aaaaah, mas que cena comovente...! — zomba o homem — Volta aqui, Dana! — grita — Vem, antes que eu...
— Eu o quê, Burton? — ela reage — O que você quer falar? Quer me comandar? Que sou sua escrava? É isso?
Boa, mãe!! — exclama William em voz baixa.
Ei!! Pára!! — o homem grita, irado.
— Você quer me lembrar que tenho sido submissa nesse tempo todo? — ela solta o filho agora e volta-se somente para o homem — Quer me lembrar que dependo dos seus comandos? 
Dana, eu exijo que pare!! — ele berra — Agora!!
Porém ela não desiste de reagir:
— Não, Burton. Não paro de falar tudo o que está dentro de mim! Estou cansada dessa situação, entendeu? Cansada!
Burton aproxima-se de Dana, tentando segurá-la pelos pulsos.
Ela afasta-se rápida.
William, por sua vez, comemora intimamente cada gesto de sua mãe.
— Que que é, Dana? Tem medo, é? Sente que é mais fraca, hein? Renda-se!! — ele dá uma risada.
Ela continua afastando-se dele.
— Mãe, não deixa que ele te escravize mais!! Não deixa!! — fala o menino.
Burton exaspera-se:
— Vem cá, seu moleque! — grita, aproximando-se e tenta agarrá-lo.
— Não!! Você não vai poder me mandar! Eu não deixo! — diz o garoto — Já sei tudo de você!
— Tudo de mim? O que você está falando, garoto metido? Quem você pensa que é?
— Sou filho dela! — aponta a mãe — E de Fox Mulder! Não sou nada seu!!
Burton desiste de querer segurar o menino; faz um ar sarcástico:
— Então o que você sabe de mim? O que quer dizer? — dá uma risada — Que sou um padrasto mau?
— Você... — inicia o garoto.
Dana o impede, chegando-se a ele:
— Meu filho, chega disso. Vamos, vamos fazer o que combinamos.
Burton levanta as sobrancelhas:
— O que vocês combinaram? O quê? Quero saber.
— Minha mãe vai levar eu e minha irmã numa pizzaria hoje! — o menino explica.
— Ah, bem! — senta-se no sofá, diante da tv — Bom apetite!
— Vem, filho. — chama Dana.
Os dois saem dali.
William segura o braço de sua mãe:
— Antes de a gente apanhar Vivien, preciso lhe contar uma coisa.
— Pode falar, filho. — ela diz distraída, mexendo no interior da bolsa.
— É uma coisa séria.
Dana o fita, curiosa:
— Aconteceu mais alguma coisa?
— Sim, mãe. Muito estranha.
Ela o encara agora com toda atenção:
— Fala logo, filho! Não me deixa preocupada!
— E é de preocupar mesmo!
— Pára de fazer suspense, William! Conta logo!
— Mãe... o Burton é um hipnotizador e ...
— ... é o quê, William? — ela o interrompe — Que história é essa?
— Não, mãe! Não estou inventando nada! Ele usa a hipnose! Ele hipnotizou a Vivien!
— O quê?! Não acredito nisso.
O menino olha para adiante, falando como se fosse um adulto:
— Ah, . Não acredita... — faz um ar zombeteiro — é isso mesmo. E ele usou isso em você, mãe! Esse tempo todo! Você foi pra ele como uma simples boneca!!
— Usou... isso... — ela abaixa o corpo para fitá-lo e falar-lhe mais de perto — ... ele usou a hipnose em mim?
— Sim, usou!! E você nem percebeu esse tempo todo!
— Como é possível...?! — larga o filho, levantando a cabeça, passando as mãos pelos longos cabelos ruivos — E como você pôde perceber isso?
— Acho... acho que tenho alguns poderes... — responde um tanto titubeante.
— William, meu filho! Sim... eu sei que tem! 
— Você sabe?! Por que? E como sabe?
— É uma longa história, filho. Depois vamos conversar sobre isso, ?
— Mãe... e sabe de outra coisa? Meu pai sofre muito.
Agora Dana morde os lábios e seus olhos enchem-se de lágrimas.
Em sua mente logo vem as palavras de Mulder, no tempo em que haviam se separado:
Scully...  os seus olhos! Eles me falam, Scully! Pedem socorro! Estou percebendo isso! Fala o que você está sentindo! Fala!!”
E Dana sente um peso no coração relembrando a frase tão dura que havia pronunciado para o homem que amava e que até agora ama demais:
— Chega!! Me solta!! Nada temos a discutir, Mulder!! Chega!!”
As lágrimas vêm rapidamente descendo-lhe pelas faces, diante dessas lembranças.
— Mãe... ficou preocupada? — pergunta o filho, ao vê-la tão triste.
— Sim, filho... uma tristeza imensa... por tudo que aconteceu agora e...
— ... naquela época também. — ele conclui.
— O que quer dizer?
— A época em que meu pai teve que ir embora.
Dana cobre o rosto com as mãos, num silencioso desespero.
 
*  *  *
Mulder está pensativamente quebrando nos dentes suas sementes favoritas: girassol. O olhar fixo no horizonte do qual pode ver pela janela o céu límpido, as nuvens branquíssimas soltas no imenso azul, como flocos de algodão.
O tão destemido Agente neste momento sente-se frágil, carente, necessitado de amparo, companheirismo e carinho de alguém... alguém...
Scully...!— murmura, emocionado.
“Eu a revi... linda como sempre... ou talvez mais do que antes! — começa ele em seu pensamento — O interessante é que o olhar dela em minha direção me pareceu carente, pedindo socorro... para lhe amenizar a solidão...! Será que estou somente usando a minha imaginação fantasiosa do amor latente que existe dentro de mim e deixando de lado o meu conhecimento psicológico que me fala toda a verdade...? Será...? Mas eu a amo, ainda... ela é tudo pra mim. — aperta os lábios —  Ainda sinto desejo pelo seu corpo pequeno, seu odor, suas emoções nos momentos de amor que tivemos por muitos anos de uma convivência feliz...!”
Mulder apóia os cotovelos no parapeito da janela. Quer continuar seus devaneios.
“Agora vivo com a Ângela; sim, lhe quero bem ou melhor, tolero com paciência a minha convivência com ela e espero que ela tenha a sinceridade de me agüentar com a minha mania de ter os momentos de solidão dos quais tanto necessito, como estou agora, aqui dentro deste quarto, sem desejo de vê-la, lhe falar ou ouvir. Se eu não puder ter esses momentos não poderei agüentar viver essa vida de mentira... sim, de mentira! É isso! — apóia a cabeça na mão — Scully...! Quanta falta você me faz, Scully... Dana...!”
Fox!! Fox!! — uma voz esganiçada o desperta de seus pensamentos.
— Não é possível...! — murmura, apertando os lábios com raiva — O que houve? — responde, querendo saber.
— O senhor Skinner está aqui! — diz a mulher do outro lado da porta — E quer falar com você!
Ele veste uma camisa para cobrir o peito desnudo; abotoa-a vagarosamente e sai.
— E aí, Fox? Já está a fim de deixar sua meditação? Demorou, hein? — fala a mulher ao vê-lo sair do quarto — Que saco! Sempre a mesma coisa!
O tom irônico dela o irrita, aliás como sempre acontece, mas ele controla-se para não revidar com palavras.
 
*  *  *
O carro engole a estrada velozmente, fazendo com que os olhos dele somente possam perceber um vislumbre das poucas habitações que margeiam o caminho. O  pensamento dele vaga, sem destino certo, enquanto suas mãos firmes  se mantém presas ao volante.
Uma melodia suave deixa no ar seus acordes metálicos. Ele balança, suavemente, a cabeça, acompanhando o ritmo da música. Num súbito e estridente ruído, o telefone celular faz sua chamada. Ele o retira de sobre o painel. Atende, distraidamente, num gesto automático, sem sequer observar de onde vem a ligação.
  Alô! – atende, em voz soturna.
Mulder...?
Ele quase dá um pulo no banco do carro. Instintivamente retira o celular do ouvido, olha para o número registrado no aparelho.
— Você...?! Mas é você mesma...? Tudo... bem...? Então... quer me falar  alguma coisa sobre o caso?
— Não é isso. 
— Pois não. Pode falar,então. Mas não me leva a mal, Scully... estou com certas coisas a resolver, ainda... e estou com pressa.
— Claro! Eu entendo. É que... eu preciso falar com você.
Ok. Pode dizer. Estou às suas ordens.
Ela o percebe bem formal, porém está determinada a convencê-lo.
— Precisamos nos encontrar.
  Lógico, Scully! Não vamos trabalhar  juntos nesse caso?
Sei, só que preciso falar com você fora do horário de trabalho.
— Mas me fala logo, por favor! O que é? Algo novo aconteceu...? Nem começamos ainda...! O que houve?
— Eu estou indo até aí.
— Aqui?  O que você quer fazer? – procura não demonstrar preocupação — Resolveu deixar o FBI sem as soluções que dependem de você?
— Calma...! Quero te dizer que estou indo pra sua cidade. Eu... ainda estou aqui onde moro.
— Não quer deixar para o momento certo, no caso daqui a três dias?
— Não posso... estou de mudança.
— Como? É verdade? — faz uma voz zombeteira — Está fazendo isso pelo FBI?
— Não. —  responde, em voz quase inaudível.
A agitação que ele sente o deixa quase enlouquecido de ansiedade. Percebe que não pode continuar dirigindo o veículo. Sua atenção está totalmente voltada para a conversa ao telefone. Direciona o veículo para o acostamento e estaciona.
— Eu quero lhe falar sobre nossos filhos.
— O que houve com eles? — pergunta ansioso.
— Não, não se preocupe! Não aconteceu nada!
— Me diz o porquê dessa decisão. Já que somente dentro de alguns dias começaremos a investigação, estou estranhando. O que aconteceu?
— Eu... estou  me separando.
Ela continua falando  em voz sem nenhuma entonação.
Ele quase exclama “ótimo!”, mas resolve ficar aguardando o resto da explicação.
Mulder, eu imaginei que  você já tivesse notado, ao me reencontrar que não estou mais como naquele tempo...! 
— Eu evito  olhar  esse seu rosto lindo e melancólico...
— Vivo assim há muito tempo... ou melhor, não vivo. Apenas resisto ao meu destino.
— Que você mesma escolheu.
Ela fica em silêncio. Continua logo após.
— Eu entendo suas palavras mas é que... tenho que lhe esclarecer certas coisas.
— Será que é necessário após esses anos algum esclarecimento?
— Depende de você saber me entender, Mulder.
— Te entender, Scully? O que fiz na minha vida ao seu lado? Sempre quis fazê-la feliz, mostrar-lhe que todos os meus maiores desejos eram sempre te amar, me deleitar com os momentos prazerosos que tivemos, e no entanto você deixou pra mim um legado de saudade, de tristeza e fico só a ...
Mulder, eu quero te explicar umas coisas...
Ele continua a falar sem deixá-la concluir a frase:
— ...lembrar que o que deveria pertencer a mim somente está entregue em mãos daquele cara...
— Espera... deixa eu falar...!
— Eu é que tenho que falar, Scully. Quando penso que outro homem está sentindo o prazer que eu senti com o seu amor, seu corpo, seus olhos, sua boca...!
— Pára, por favor! – ela choraminga.
— Mas até que enfim você despertou do pesadelo!
— Não dá mais, Mulder! Além de nossa incompatibilidade de opiniões, ele estava maltratando muito a Vivien e o William...!
— Desculpe eu lhe falar, mas sempre imaginei que meus filhos, em convivência com aquele sujeito,  não daria certo.
, eu sei, você já me havia dito isso...
— E escuta... é pra valer ou apenas uma opção temporária?
— Opção temporária...! Só você pra me falar isto!
.—– engole em seco — Scully... quero te ver.
Ela sorri consigo mesma. Sente-se até feliz. Renovada. É gratificante ao seu coração ouvir  a voz de quem tanto ama a lhe chamar assim, tão docemente.
  Eu também estou querendo falar com você em particular.
— Quando posso te esperar?
— Amanhã, à tardinha. 
— Ah, sei! Eu aguardo. E as crianças? Como estão?
— Elas estão bem. Minha mãe está com elas. Também  estão contando os dias pra ver o pai.
— Eu também preciso muito ver meus filhos.
Passam-se segundos.
Mulder...?
— Estou aqui...
— Pensei que tivesse desligado.
Ele sorri e meneia a cabeça, negativamente, apertando os lábios, recriminando as palavras dela.
— É que estou quase sem ação. É muito bom conversarmos um pouco sobre... sobre nossos filhos...! — ele fala com um suspiro.
Eu também penso assim! A ansiedade me sufoca!
Dana nem sabe o porquê da vontade súbita de dizer o que está dentro do seu coração. A voz dela quebra-se ao falar:
— Eu já não agüentava de desespero pela saudade que sinto de você... a cada dia mais tormento, mais amargura... a distância me arrastando, me fazendo passar dias e dias de sofrimento. Eu não agüento mais essa distância, Mulder!
Ele nada tem a argumentar. Mantém-se calado por alguns instantes, mas logo adquire forças para dizer:
— O que você acha que eu passo? Só saudade e solidão!
Ela chora. Nem pode mais falar.
— Não chora... olha, vem pra mim. Quero te consolar...! 
Ela consegue se recompor.
— Vou ter que desligar, agora. Logo nos veremos.
— Se você não puder vir logo, eu vou pra aí.
— Não. Pode deixar. Já estou me preparando .
— Te espero então.
 
*   *   *

Ele olha para o alto neste instante. O céu estrelado, como milhões de diamantes cintilando num manto negro de veludo, o faz perceber o quão ele é diminuto diante da grandeza da natureza.

Seu coração pulsa mais acelerado há horas. Só por saber que sua amada está prestes a chegar até ele não só para falar de negócios, trabalho, mas sobre suas carências. Tem que sair bem cedo. Irá para o aeroporto. 

Ele permanece sentado, na verdejante grama ao redor da casa. Ouve lá de dentro vozes. Esboça um leve sorriso, que até pode ser interpretado como se fosse um gesto de  choro. Está triste. Triste porque seu coração há muito sofre a dor da saudade e da solidão. Gostaria de poder ter estado, a cada dia, junto àquela que lhe trouxera os maiores prazeres, tanto carnais quanto emocionais, o que jamais sentira com qualquer outra mulher.

Está sentado agora,  com as pernas longas flexionadas, cabeça abaixada entre elas, os braços apoiados sobre os joelhos. Pensa que no dia seguinte, a somente mais algumas horas, sairá de casa para dirigir-se ao encontro de quem tanto ama. A ansiedade o maltrata, deveras.

Ele levanta a cabeça e a joga para trás, num semblante atormentado. Há dois sentimentos a perturbá-lo: arrependimento e ansiedade. Nem quer parar para avaliar esses pensamentos.   Sabe que está errado. Sente culpa. Culpa-se por não ter lutado, procurado descobrir o motivo real desse pesadelo que aconteceu entre suas vidas. Por um amor que jamais morrerá é capaz de cometer o erro de esquecer a própria família que formou por horas ou talvez dias, só para tentar sentir a felicidade por um pequeno espaço de tempo.

Suspira. Arranca alguns fios da grama e amassa-os entre os dedos. Fecha os olhos. Aperta os lábios. Levanta-se. Passa as mãos sobre as pernas da calça. Caminha devagar. Agora já não ouve as vozes dentro de casa. Está tudo em silêncio. Avista as janelas acesas dos vários ambientes da casa. Sente o terrível desejo de sair dali neste exato momento e nunca mais retornar. Impossível, porém. Tem que conter essa quase irresistível vontade.

 

“O   desejo  do impossível

é a doença da inteligência.”

                                     Bias