NÃO É
DIVERTIMENTO
“Nada é mais
maçante do que
a obrigação
de ser divertido”
J. Petit-Senn
Capítulo 308
Mulder ouve as palavras de Carl e logo com um ar sarcástico, fala:
— Não parece
que você anda preocupado em sair daqui; vocês estavam tão animados
com as aves aí
ao seu lado!
— Não, Fox; isso não é divertimento! Nós estamos aprendendo a
decifrar os sons
que eles
fazem... — explica
Ângela.
—
... e que sempre indicam alguma
coisa. — completa Carl.
— Aaah, entendi! — o Agente
responde, colocando os dedos no queixo, num ar
pensativo — Bem
interessante.
Ele dá
alguns passos e fixa o olhar no bando de pássaros, observando os sons e
gestos que eles
fazem. Retorna logo até onde estão Carl e Ângela.
— Agela,
por que veio parar aqui?
— Desde há aluns anos dediquei-me a trabalhar com o Professor Janssen porque
achei o máximo
suas pesquisas científicas tão importantes para os tempos modernos.
— E por
qualquer motivo ele a expulsou de seu convívio, enviando-a pra cá.
— É verdade,
Agente Mulder. O Professor Janssen
possui um gênio completamente
instável — explica
Carl.
— E ninguém
denuncia o que acontece com vocês?
— Na
verdade, meus únicos parentes moram bem distante,
noutra cidade; temos
pouca comunicação
e simplesmente nem notam a minha falta. — diz Ângela, com ar
tristonho.
— E você
Carl? O que aconteceu? Como veio pra esse lugar?
— Ah, quanto
a mim e meu colega fomos lançados para esta terra por pura maldade do
Professor Janssen. Veja só, através das máquinas do laboratório
descobrimos o
crescimento de plantas
exóticas, que, trazidas para nosso mundo seria de extremo sucesso.
— Como assim
Que tipo de sucesso?
— Para
decoração de praças e jardins, Agente Mulder.
Completamente diferente do
que existe no
nosso mundo e que nunca se acabam, isto é, nunca morrem.
— Mas logo
viram que o que é levado daqui não tem vida no nosso mundo. É isso?
— Não! Não
deu pra se perceber isso através das máquinas, é claro! Mas é que certo dia...
— ele pára
de falar e baixa a cabeça.
— Sim... O
que viram?
—
... nos pareceu ter visto um
OVNI.
— Verdade?!
— os olhos de Mulder brilham de curiosidade.
— Exato.
Afinal eu e George somos ufólogos.
Mulder aperta os lábios:
— Fui
informado disso pelo FBI e por isso fui procurar o Professor Janssen.
— Pois é
isso. Ficamos muito interessados e comentamos com o Professor, mas na
verdade ele não se
interessa, absolutamente, por coisa nenhuma a não ser fazer os
experimentos com suas
invenções, mesmo que isso destrua qualquer pessoa.
— Por isso
não se preocupa em levá-los de volta.
— Isso
mesmo.
— Mau
caráter mesmo! — exclama Ângela.
— E o OVNI
que vocês viram, Carl?
— Não era
nave alienígena nenhuma!
— Não?!
— Nossos
amigos aqui — aponta para o grupo de animais ali adiante — nos contaram
ser uma bola de
cristal.
— Bola de
cristal?! Mas que brincadeira é essa? Não vê que estão
fazendo hora com
sua cara?
— Não, Fox — afirma Ângela — É realmente isso que ele falou.
— Mas
como... uma bola de cristal? Onde está?
— Não
sabemos ainda.
Mulder dá alguns passos com um sorriso sarcástico nos
lábios.
— Tá. Este é um mundo de ciganas adivinhadoras.
— Talvez
isso. — confirma Ângela.
— Ah! Ah! Ah
— ri Mulder de sua própria idéia.
* * *
Dana, num dado
momento, nota que a Rainha e o Príncipe estão afastados dela. Coloca
a mão para
sentir o que significa algo que a incomoda junto ao seu peito.
“ O celular!!
— sente, estupefata — Este objeto tão útil em nosso tempo veio junto
comigo para cá!
Extraordinário!!” — diz, consigo mesmo.
Veevo está ao seu
lado, atento.
— Veevo — pede
Dana — por favor, me ajude! Preciso que aqueles dois ali fiquem afastados
de mim por uns
minutos.
— Minutos...! O que significa?
— Ahn... um tempinho só. Pode ser?
— Sim, Princesa; sou seu amigo.
— Como você vai fazer?
— Vou até eles... deixa
comigo que resolvo.
— Obrigada, Veevo.
— ela faz um bico com os lábios, como enviando um beijo.
O esquilo sai correndo para colocar-se à
frente da Rainha e o Príncipe.
Dana liga o celular para tentar falar
com Mulder.
— Mulder, me
diga por favor, onde você está! Estou perdida!
— Oi, Scully! Qualé?! Tú tá
aí a fim de traçar um rango com a galera?
— Ei! Mulder! Não estou brincando! Preciso de ajuda!
— Que Mulder
que nada!
— Oh, meu Deus! Mulder,
por que essa ironia? E por que essa voz? O que está acontecendo
com você?
— Oi gata. Sou eu! Que ironia que nada!
Tu tá comigo o tempo todo e não me conhece?
— Mulder...! Mulder... é você?
— Olha, tu precisa lavar o cabelo...
— O quê...
— ... e também tirar a cera do ouvido.
— Mas o que é isso?! Estou perdendo a
paciência!
— Não, não perca a paciência. Você sabe
quem eu sou! Sou pequenininho, mas estou sempre
coladinho a você!
— Mas que negócio é esse? — ela tira o
aparelho do ouvido e imediatamente chega à
conclusão que é
exatamente ele que está falando com ela.
Perplexa, com o micro aparelho diante
dos olhos, percebe que ele pisca e faz gestos com a
boca, como que
lhe enviando beijinhos.
“Meu Deus! Como aqui é
tudo possível? Por que vim parar neste mundo de coisas tão... tão...
curiosas...?!” — pensa ela.
— Não é possível! Aqui só tem loucuras!
— fala irada e aperta os lábios, fazendo um gesto
de que vai
jogar longe o aparelho, mas se contém — Droga!! — guarda-o no decote.
Seus ouvidos detectam um som de puro
êxtase, emitido pelo celular.
— Huuummm...!
* * *
William, com ar preocupado, fala com Maggie.
— Vó, o que
está acontecendo? Há já dois dias que minha mãe e meu pai estão nessa tal
investigação sem fim! É
demais!
— Ah, meu filho, é porque você não está
acostumado. Eu é que sei quanto tempo eles levam
quando estão em um
certo tipo de investigação; das mais intricadas, sabe como é?
— Bem, eu não tenho certeza, mas sinto
aqui dentro de mim, sabe, que eles estão correndo
perigo.
Maggie chega até o
neto; coloca as mãos sobre seus ombros:
— Querido, sua mãe e seu pai estão
sempre com a vida em risco. Infelizmente esse
foi o modo de
sobrevivência que escolheram; — dá um suspiro — Infelimente...!
—
acarinha o neto nos
cabelos.
— Temos que fazer alguma coisa, vó! — exclama o garoto, com ar preocupado.
* * *
Ângela fala para seu amigo:
— Carl, vamos
pra nosso abrigo? Daqui a pouco vai começar a entardecer e é muito
ruim estarmos
aqui quando chega o crepúsculo.
— O abrigo é longe daqui? Eu posso ir
com vocês?
— Claro, Fox! — ela fala.
Os três se encaminham para o abrigo.
— Vem com a gente, Tinn.
— chama Mulder.
O esquilo, saltitante, segue os três.
— Interessante... — comenta Mulder
— ... tudo muito colorido, desenhado,
fantástico!!
— É... — concorda Carl — ... quando chegamos aqui quase
nem acreditamos que viemos
parar num ...
— ... reino encantado...!! — murmura o Agente, extasiado.
Logo neste instante ele sente que uma
vibração está em seu corpo, sob a roupa. Espanta-se:
— Como é possível isso? O meu celular
está comigo! — diz, e vasculhando as inúmeras
dobras da
diferente roupa na qual está vestido, pega o celular.
Liga o aparelho, coloca-o no ouvido, com
ansiedade:
— Alô! Scully? Scully...?
—Alô! Tudo bem!
Tá tudo bem, tá
ligado?
— Scully...?
Você está bem? Onde você está?
— Tô muito
bolado!
— O quê..? Scully...?
O Agente procura entender o que está se
passando. Se ele mesmo não está falando com
Dana, o que está
acontecendo? Que diálogo é esse? Talvez uma linha cruzada?
— Ei!! Scully!! Scully!! Quero falar com
você!!
— Ô meu chapa! Tá
se vendo que tu não manja nada mermo,
né? Só a gente aqui é que pode
falar com a tua
mina!
— Como é que é? Quem é você?
— Ninguém merece! Tú
não sabe nada mermo! Fala sério!
— Fala logo, quem é você? O que quer?— o
Agente está irritado.
— Ô papo muito loco,
cara! Eu num quero nada! Mas posso te dá uma mão!
— Dispenso sua ajuda.
— Pega leve, cara.
— Quem é você? O que quer? Fala logo?
— Eu sou o teu amiguinho de ouvido aí,
mane!
Mulder pensa por
alguns segundos:
— Meu celular...? — murmura, procurando
aceitar a situação inédita.
— Sacou! E aí, chapa? O que tú qué?
E é neste momento que o Agente vê que o
aparelho tem em sua telinha uma boca e dois
olhos que se
movimentam. E enfim, entende a charada:
o seu telefone celular tem vida!
— Tudo bem, então, amigo. Preciso que dê
um recado.
— Ah, pra tua mina, né?
Mulder pigarreia:
— Mina... sim.
É isso.
— Xá comigo. Só
que euzinho aqui exijo uma coisa:
— O que você quer?
— Pode ser balinhas de café ou um
cigarro, meu chapa.
— Tudo bem, então. Depois providencio
tudo isso.
— Animal!! O que tú
qué, mane?
— Que dê um recado pra Scully.
— Tá legal.
Qual é o recado pro teu filezinho?
O aparelho movimenta mais ainda sua boca
e olhos na telinha iluminada e começa um
diálogo com alguém
do outro lado da linha:
— Aí, cumpade;
tu tá aí?
— Fala, mané.
— Diz aí pra mina, que o SOS manda recado
pra ela dizendo que logo vai onde ela tá.
Mas Mulder
interrompe a conversa:
— Ei!! Quem é
SOS? Eu me chamo Mulder.
O celular logo lhe chama a atenção:
— Fica na tua aí, cara! Tô falando com o meu chapa.
— Manêro. —
fala a voz do outro lado
— Ah! Ah! O cara é um tremendo SOS? Ah! Ah! Ah!
— Está zoando mané?
Chama a mina aí!
— Cumé qui é? Tú num manja que só a
gente pode se falá, cumpade?
— Demorô. Diz
pra mina que o cara tá num trê
lê lè danado!
— Agora é tú
que tá zoando, cara.
— Num tô não, mané`. O SOS
tá cum pressa de achar a
mina dele!
— Diz pra ele que o filezinho tá
com a tal da Rainha Má.
— Aquela mala sem alça? Caraaaaaaca, cara!
— Pois é, mané.
E o Príncipe tá de azaração
com ela.
— Saquei!
— O SOS vai ter que ter jogo de cintura
pra tirar a mina dele, tá ligado? E a mina fora de
série é, ó aqui
meu, ela também tá na pior! Na fuça dela se pode sacá que ela tá amarradona
no cara que
sumiu!
— Caraca,
cara! Será o mermo que tá
aqui?
— Se tú num
sabe, nem eu, ô mané!
— Muito loco! E o Príncipe é tipo assim
mosca de padaria, num tem desconfiômetro, nem cai
na real.
— Então cumpade
a gente tá acertado. Valeu.
— Tudo em cima, meu chapa. Valeu. Té mais.
Após instantes, só aguardando o diálogo
entre seu celular e o outro à distância, Mulder vê
que a imagem de
uma fisionomia que aparece no aparelho — caras e bocas — está
tranqüila agora, com
olhos fechados e aos poucos desaparece da telinha, denotando com
isso que havia
cumprido o que tinha prometido ao Agente.
— Ora veja só! — murmura Mulder, guardando no bolso o aparelho; e logo volta a
aproximar-se de Carl
e Ângela.
— Alguma novidade, Fox?
— ela pergunta.
— Nada demais. — responde, sem olhá-la.
“Muita promessa diminui
a confiança.”
Horácio