COM DESPREZO E ÓDIO
“O homem perdoa às vezes o
ódio; nunca o desprezo.”
Ferrand
Capítulo 322
Dana passa as mãos pelo corpo, sentindo
a leveza e maciez do tecido de seu novo vestido.
— Como é que pode? — fala diante do
espelho.
Os pequenos animais haviam cumprido a
ordem do Ogro em providenciar um novo vestido
para Dana.
E rapidamente isso foi feito pela
confecção dos bichos da seda.
— Fantástico! — ela murmura.
Volta-se para o interior do quarto. Olha
com desprezo e ódio a confortável cama coberta
de panos
sedosos e travesseiros macios.
”Criatura idiota! Por que pensa essa
rainha que vou lhe roubar o homem que deseja? Oh,
meu Deus! Eu
preciso sair daqui! – os olhos se enchem de lágrimas — Mulder... por
que
não vem me
buscar? Por que...?”
Nesse instante um pássaro pousa numa
pequena janela que tem grades que só permite passar
o ar.
Isso desvia os pensamentos de Dana. Ela
o olha e nota que ele não parece assustar-se com a
sua presença
ali.
A ave inicia um pipilar alegre.
Dana arrisca falar, embora tema fazer o pássaro sair.
— Você é lindo! Oh, Deus, quanto coisa
bela o Senhor cria... mesmo nas mãos de quem fez
esses
desenhos...!
— Obrigado, Princesa! —
a vozinha
da ave chega até ela.
Dana coloca as mãos nas faces,
deslumbrada:
— Você também pode falar...!!
— Sim, todos nós aqui no Reino Encantado.
— explica; vira
e revira a cabecinha esperta e
continua — Mas... por que está
chorando?
— Tristeza...
— ... saudade... — ele completa.
— Também! — diz surpresa — Mas como você sabe?
— Porque o seu amado também está sofrendo
com sua ausência. É isso.
— Como sabe? — se aproxima mais da janela — Você o viu? O conhece? Sabe onde ele está?
— Sei, Princesa. E se você quiser, eu
posso levar um recado seu pra ele.
— Verdade...?! Ah, meu Deus! Que
fantástico! Olhe... ahn... então diga a ele que estou aqui na ...
— Não, não Princesa! Você vai escrever e
eu levo seu bilhete.
— Como assim?
— Escreva e verá.
Dana olha ao seu redor. Não vê nada que
possa usar para um bilhete. Vasculha o aposento todo,
sem sucesso.
— Não dá,
queridinho! Não tem como eu fazer um bilhete pro meu amado! Só posso mesmo
é mandar um
recado e você fala pra ele, ok?
Quando Dana dá essa explicação já não vê
o lindo pássaro sobre o parapeito da janela. Abaixa
os braços,
desanimada.
“Acho que foi apenas uma ilusão na minha
mente...! Que pena!”
A frustração a faz entrar em maior
tristeza do que já a atacara antes. Senta-se no leito com a
cabeça entre as
mãos. As lágrimas lhe rolam na face. Deixa o corpo cair na cama com um longo
suspiro.
— Ei!! Calma
aí!! Não sou de ferro!!
Dana ouve isso e assusta-se com a forte
voz rouca, que parece vir abaixo de seu corpo.
— Oi!! — ela arrisca o cumprimento — Está falando comigo? — pergunta, olhando ao
seu redor,
sentando-se na cama.
— Óbvio! Você pensa que é levezinha e se
joga em cima de mim assim! E é sempre assim jogando
todo seu peso em
mim! Você tem não sei quantos quilos de osso nesse corpinho fino!
Ela fica estática. Não pode ser o que
está imaginando.
— Onde está você? Apareça!
— Ô moça distraída, estou aqui bem
vestido com essa rouparia toda e você se jogou com força
em cima de
mim! Pega leve, ô!!
— Ai, meu Deus, não acredito que isso
está acontecendo comigo...!
— Mas está sim! E se você se deitar com
carinho eu não reclamo.
— Com... carinho...?
— É isso.
— Tá. — ela acha que não
custa experimentar e tirar a dúvida de que é na realidade o
colchão que está
falando com ela; deixa o corpo se recostar levemente sobre a cama.
— Manêro,
garota! Agora tá legal. Dá até pra você tirar uma
soneca em cima de mim.
— Não... soneca
não dá. Estou muito ansiosa.
— Relaxa... — a voz é mais branda agora — olha... pensa em
coisas boas...!
A voz do colchão a acalenta e o cansaço
mental e físico a vence, fazendo entrar em devaneios
neste momento.
Como num sonho revê cenas passadas em sua vida.
— Mãe, dá um jeito na
Vivian porque ela escondeu o meu jogo!
— Que jogo, William?
— ...
— Ah, vídeo game...?
— É.
— Natural; vocês como
sempre discutindo.
— Mas mãe, Will é
egoísta! Ele não quer deixar eu jogar! — explica a menina.
Dana
se aproxima das crianças com meiguice:
— Meus amados
filhinhos, eu preciso que vocês estejam
sempre em harmonia... —
beija-os nos
cabelos —
...meus amores!
A
filha atira-se em seus braços e o menino abraça seu pescoço.
— Nós te amamos
também, mãe! — falam
numa só voz.
William
soltou o pescoço de Dana:
— Vivien,
vai fazer o seu trabalho de escola!
— Ei!
Você é meu pai?! Vai você fazer o seu!
—-
Pronto. Vai começar tudo de novo...! – reclama a mãe.”
Os olhos de Dana ficam marejados com essas lembranças.
“Será que não vou vê-los de novo, meu
Deus?” — ela se pergunta, cheia de dor.
E novamente seus pensamentos fluem no
passado.
“—
Dana....?
— Ai, Mulder, adoro ouvir você me chamando assim...!
— Por que? — ele afasta da face dela os fios vermelhos dos longos cabelos.
—
Sinto que quando pronuncia meu nome dessa maneira é porque um toque de doçura
está
tomando
conta do seu coração.
—
Junto de você sinto sempre essa sensação, Dana... te
amo! Sempre!
E
ele, afogueado lhe procura a boca, parecendo querer assim arrancar dela todo o
conteúdo do
seu
ser.”
Enlevada por essas cenas que despontam
em sua memória é despertada neste por um leve rumor.
— Oi Princesa!
Deslumbrada, Dana vê que o pequeno e
lindo pássaro havia retornado.
— Você voltou!!
— Por que se
espanta?
— Ora, achei
que tinha ido embora! — fala, se levantando e indo até à
janela.
— Eu fui buscar isso aqui. — diz ele,
apontando com o biquinho algo pousado no parapeito.
— Uma
folha...?!
— É... pra você
mandar o recado.
Dana tem que sorrir:
— Um recado... aqui...?!
— pergunta, segurando a folha.
— É... aí mesmo! Você deve saber como faz!
— Eu...? Como fazer...?! Ahn... — fica dando voltas pelo aposento — ...estou pensando em...
— ... fazer o bilhete? — o passarinho pergunta.
— É isso... mas
como?
— Como... o quê
— Não tenho nada aqui pra riscar nesta
folha! — ela diz sacudindo a folha semelhante a uma
folha de
parreira.
Num gesto nervoso passa a mão sobre o
rosto demonstrando aflição. Descendo sobre a pele
do pescoço de
repente tem uma idéia:
— Meu crucifixo! – exclama e trata logo
de retirá-lo do pescoço.
E com uma das pontas da cruzinha ela
começa a riscar na folha algumas palavras. Coloca a folha
contra a luz que
vem da janela; fez efeito. Os rabiscos aparecem nos pequenos rasgos da folha
verde
escuro.
O pássaro fica observando da janela
enquanto abre uma e outra asa para deixar nelas caírem os
raios do sol
gostoso que brilha nesse dia.
Em instantes Dana conclui seu bilhete:
— Pronto, terminei. — ela fala.
— Então agora eu vou levar pra ele, o
seu amado.
— Ah, mas que coisa louca de
interessante! Mas você sabe mesmo onde ele está, pássaro lindinho?
— E como sei! Está aqui mesmo, no
castelo procurando você, Princesa!
— Oh, meu Deus, ele vai me tirar daqui! —
murmura feliz.
“Quando um louco nos
louva, já não é louco.”
E. Wertheimer