É Uma Criança!

 

"A criança é alegria, como o

raio do sol; é estímulo, como a

esperança."

Coelho Neto

 

Capítulo 326

 

William se sente jogado no espaço como se fosse uma folha de papel sendo levada pelo vento. Seu coração dispara. Nada mais ouve ou vê.

— Olha só! Mais um veio parar aqui!

— É bem pequeno!

— Claro! É uma criança! Um filhote!

— Qual a diferença?

— Não vê que é menor do que os outros de sua espécie?

— Ah...!

— Sim, é claro! Como são os nossos filhos.

Aaah, é mesmo, cara!

William permanece por alguns minutos como que fora do ar.

— Ei! E aí, filhote? Como é que é?! Acorda, vá!

— Ele tá desmaiado, ?

— Parece que sim. Vamos ajudá-lo?

— Como...?

— Fica aí que eu vou até ali.

— Tá ok.

A águia que havia pedido à colega para ficar junto do garoto, alça vôo.

Num suspiro mais profundo o semblante de William se movimenta. Os olhos se abrem, vagarosamente. O corpo se movimenta e ele se senta,

um tanto assustado:

— Nossa! Sentí uma coisa tão...

Logo ele cessa de murmurar ao ver o grande pássaro a seu lado.

— ... uma águia!! Nossa! E agora? — se levanta, então.

A ave ali pousada, o olha fixamente.

— E agora? Essa águia tá me olhando... demais!

O garoto não tem coragem de se mover. Está parado, aguardando uma oportunidade para poder se afastar da enorme e imponente ave. Seu

olhar se espalha no que está ao seu redor.

— Caramba! O que é isso? Estou dentro de um... desenho!! Tá tudo colorido como faço nos meus cadernos de desenho! Show de bola! Mas...

que lugar é este? Essas cores, parece pintura mas... — e ele põe a mão no solo — ... posso pegar a terra... — se volta para o outro lado — esse

mato eu posso arrancá-lo...!! — puxa com os dedos — Que máximo!!

Mas logo a emoção toma conta de seu coração e ele chora:

— Pai! Mãe! Ai, meu Deus! Onde estão vocês? Eu vim parar aonde? Eu quero ir para onde foram enviados meus pais! Não aqui!! Esse lugar esquisito,

diferente de tudo que já vi! — chora mais — Preciso ir onde estão meus pais!!

— Não chora, filhote. Ninguém tá lhe fazendo mal! Não é bonito isso aqui?

William olha ao seu redor, espantado. Nada vê, porém que o faça entender quem havia falado com ele.

— Ei! Quem é que tá aí? — pergunta, ansioso.

— Não finja que não tá me vendo, filhote.

O menino, com os punhos fechados e cenho cerrado, olha fixo para o chão. Lentamente seu olhar vai em direção à ave ali, próxima a ele.

— V... vo... ...?! Não... é... possivel!

— Por que acha isso?

Ele não responde; procura entender o que significa o que está acabando de ver ali, diante de si: uma ave falando com ele.

William balança a cabeça, incrédulo:

— Não... não é possivel... não é possivel! Você fala! E você é uma... águia!

— Sim, filhote. Por que estranha nossa terra?

William olha ao seu redor:

— Estou achando fantástico este lugar. Parece que estou dentro de um quadro, uma pintura...! Incrivel!

A águia movimenta suas grandes asas, mas não tira as garras do solo:

— Nós todos que nascemos aqui adoramos nossa terra.

— Qual o nome desta cidade?

— Reino Encantado.

— O quê...?! — o garoto se espanta — Tá falando sério?

— Sério...?! — a ave inclina a cabeça, com ar de dúvida.

— Sim! Está me dizendo a verdade?

Um rufar de asas mostra uma ave que se aproxima. Outra águia pousa rápida junto deles.

— E aí? Trouxe o que eu pedi? — pergunta a primeira águia.

— Claro! Você sabe que faço qualquer coisa pra trazer nossa comida.

— Certo. Olha, tá vendo esse filhote? — aponta com a asa para o menino.

— Deve ser filho daquele Príncipe ou da Rainha?

— Eu não, gente! — protesta William.

— Quem é...? — a ave quer saber virando a cabeça para os lados, procurando ver alguém por ali.

— Isso é um modo de falar lá na minha terra. Desculpe. — explica o garoto.

— E é filhote de quem?

— Estou procurando meus pais e acabei vindo para cá. Me ajudem a ir embora daqui, por favor! Como posso fazer?

Um rumor faz o menino logo prestar atenção ao movimento de animais que vê se aproximarem dali.

Vários macaquinhos e um esquilo seguem pelo solo e no alto o vôo de mais outra águia que se aproxima do local.

— Tá tudo certo? — pergunta a ave, que já estava junto de William.

— Tudo. Meus amigos aqui vão cuidar do filhote visitante.

Com alarido os macaquinhos se aproximam de William.

— Vamos lá, filhote! — fala um deles, querendo segurar a mão do garoto.

— Vamos lá o quê? O que vocês querem fazer comigo? — protesta William.

Sua vista corre pelo entorno. Ali se encontram no mais alto ponto de uma íngreme montanha.

— Como vou sair daqui? Como? — pergunta, ansioso.

— A gente dá um jeito, filhote. — explica outro macaquinho.

— Não dá! Não dá! — mais uma vez ele protesta.

A águia sobrevoa baixo até onde ele está.

— Você não tá a fim de ver seus pais? — fala um esquilo.

— O quê?! Como você sabe?! Você os conhece? Anda! Me fala!

— as lágrimas descem rápidas sobre sua face assustada.

O esquilo se aproxima mais e estende a patinha na direção do menino.

— Eu sou Veevo. Amigo de seu pai.

William, feliz pela surpresa, aperta a patinha do animal.

— Ah, meu Deus, você esteve com ele?

— Ah, filhote, todo mundo aqui já viu seu pai e sua mãe.

— E como eles estão? — pergunta, ansioso pela resposta.

— Bem, não sei se vai dar certo... só sei que seu pai quer tirar sua mãe lá da torre.

— Que torre?

— Do castelo da Rainha má.

— Rainha má?! Ele tem esse nome porque é malvada?

— É o que você verá, filhote.

— Nossa! Tenho que ir lá salvar minha mãe!

— E nós o ajudaremos. — completa Veevo.

O menino se  aproxima dos macaquinhos e os afaga nas pequenas e espertas cabeças:

— Muito obrigado mesmo. — volta para o lado do esquilo faz o mesmo com ele — No meu mundo os animais não são tão bons assim!

— Mas os nossos parentes são malvados?

— Não! Não! Não é isso que eu quero dizer. Lá somente os animais maltratados ou mal ensinados são ruins.

— E quem os deixa assim?

— Os humanos sem coração.

— É mesmo? E se eles não tem coração, podem ter vida como?

Agora o filho de Mulder e Scully dá uma gostosa risada:

— Olhem, o que eu quero dizer é que os "sem coração" são as pessoas insensíveis, malvadas!

Aaaaaah... entendi! — fala um dos macacos.

— Entendeu o quê...? — um outro pergunta.

O primeiro que havia falado dá um safanão no outro:

— Cala a boca! Você entendeu sim!

— Mas chega de conversa! Vocês vão ou não? — é a águia perguntando, batendo as asas, impaciente.

Um grupo de coelhos e mais outros macacos surge, repentinamente, arrastando enormes folhas de palmeiras.

— O que vão fazer com isso? — pergunta William.

— Ei, filhote! Você nem usa a cabeça pra pensar, hein? — grita a águia.

Ahn...? — ele continua sem entender.

— Vai, filhote, deita em cima dessas folhas!

— Deitar...? Pra quê? — não está entendendo o que está acontecendo.

— Sim, isso mesmo filhote. Vamos lá!

— Mas pra quê? — quer saber.

— Pra descer a montanha, ó garoto difícil! — grita a águia.

— Tá me chamando de burro, é? — protesta o menino.

— Deixa o meu amigo burro saber disso, que ele te dá um coice! — diz o esquilo, por sua vez.

O alarido entre os macacos e as águias foi total, irritados com o comentário de William.

— Ok, me desculpem; não quis ofender o amigo de vocês!

William se deita sobre duas enormes folhas de palmeira colocadas uma junto da outra. Embora um tanto temeroso com tal  situação, sente que

deve enfrentá-la para poder sair do cume da altíssima montanha onde se encontram. O bando enorme de pequenos macacos vai puxando as

folhas de palmeira, fazendo-as deslizar aos poucos pela íngreme descida.

Do alto as duas águias em vôo, vão acompanhando o trabalho dos animais seus amigos.

William se segura fortemente. Nem quer acreditar que é real tudo que está vivendo neste momento. Assustadíssimo, procura não deixar o medo

tomar conta de sua mente. Já está quase chegando ao fim a ação de deslizamento do improvisado surf terrestre.

Eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee!! — gritam os animais ao mesmo tempo — Taí, filhote! Você já tá salvo!

William se levanta, respirando fundo, mas o coração agitado.

— Ufa!! Que medo!!

— Ficou assustado? — ouviu nesse instante.

— Ah, muito mesmo! — responde com firmeza — Mas, por favor, me ajudem a ir embora daqui.

— O quê?! — a águia se espanta.

— Ei! Olha quem tá chegando! — grita um coelho.

— Ah, olá cara!

— Outro amigo de vocês, ? — o garoto dá um sorriso, vendo se aproximar dali outro esquilo.

— É esse aí que precisa de ajuda? — o esquilo recém chegado pergunta aos outros animais.

— Sim. — responde um dos macacos.

— Não me diga que vocês avisaram  a ele aí que preciso de ajuda. — fala William, com ar de dúvida.

— Avisaram sim, filhote. — responde o esquilo — E eu estou aqui pra isso.

— E por que o chamaram? Seus amigos mesmo não poderiam me ajudar?

O ar de duvida do menino incomoda todos os animais ali presentes, que demonstram isso com ruídos de protesto.

 

*   *   *

 

A Rainha  em seu castelo está tão incomodada que faz grosserias com todos que a cercam no momento.

— Vamos lá, seus estúpidos, segurem isso porque quero almoçar! — grita.

Dois macacos, ao ouvir a voz de sua dona, tentam caprichar no que estão fazendo. Cada um deles segura as pontas da tábua retangular que

forma uma mesa para que a Rainha se acomode confortavelmente. Ela pega as frutas num prato que está sobre a mesa e  vai comendo-as vagarosamente.

— Escravo!! — ela berra, de repente.

Em segundos um de seus escravos aparece no local.

— Sim, majestade.

— Quero que você sai a procurar Xucro. Diga a ele que quero a minha bola o quanto antes! Minha bola de cristal!!

— Sua bola... de cristal?

— Não ouviu? O que tem nos ouvidos?

— Nada, majestade; entendi a ordem de sua majestade.

— Então o que está esperando? Vai! Vai! — faz com a mão gestos para que ele sai o quanto antes do salão.

O escravo sai em passos rápidos.

 

"A estupidez é a primeira coisa

que amanhece no mundo."

Sales Barbadillo