SENTIMENTOS ANTAGÔNICOS

 

"Os sentimentos verdadeiros se manifestam

mais por atos que por palavras."

Shakespeare

 

Capítulo 33

Luzes; anúncios luminosos que piscam; vitrines iluminadas; burburinho; agitação; incessante movimento... tudo isso faz tolher os pensamentos de Dana Scully, enquanto caminha pelas ruas agitadas nesta noite.

Cansada, tem o desejo de voltar para casa, sair das ruas; descansar; deixar a agitação desse lugar.

O grande relógio luminoso lá no alto da longa torre atrai seu olhar. Não sabe qual a hora marcada nele. Somente vê que aquele relógio está ali, como que atraindo-a, chamando-a, encaminhando-a a um destino que ela não entende qual seja.

Sente-se agora amedrontada. Aquelas ruas a fazem sentir medo. Lugar inóspito, frio, insensível, onde o vai-e-vem das pessoas a andar, a incomodam. Porque não a vêem. Não a ajudam. Ninguém enxerga, nem quer saber de ninguém. Somente de si próprio. Como autômatos.

E ela sente o medo aumentar. O desejo de deixar aquelas ruas supera todos os seus sentidos.

Uma multidão está à sua volta. Mas ela sente-se só. Sem ninguém. Morta. Vazia. Triste.

Grita por ajuda. Fingem não ouvi-la. Todos não param, sequer, para olhá-la em sua aflição.

- Deus! O que há, afinal, com todos? Ninguém me vê! Por que?

E ela chora. As lágrimas deslizam, lentamente, pela face sofrida. Está triste. Sofre. Quer ajuda. Alguém que a guie, a leve embora dali. Para sua casa, seu abrigo.

Porem ele ali não está entre aqueles que passam apressados, ávidos por encontrar seu destino. Para onde vão? Por que todos andam tão ansiosamente rápidos? O relógio luminoso está lá, como que apontando um caminho para que ela o siga. Mas onde está o caminho? Aquele emaranhado de avenidas, ruas e vielas a confundem. É como um labirinto, não sabe qual deles deve seguir.

E continua sem resposta, porque ele não está lá.

E Dana vai caminhando apressada. A iluminação feérica da cidade à noite, refletindo em seus olhos azuis rasos d'água, os faz parecerem pequeninos espelhos.

Onde está a lua? As estrelas? Não pode vê-los.

Aqui só os arranha-céus. De concreto, o cimento armado; frios como tumbas, recortados sob o céu escuro.

E ela continua caminhando, apressada. Quer chegar. Mas onde?

Um correr de portas está agora diante de seus olhos.

Sente que tem que abri-las, uma por uma, porque sabe, sente instintivamente, que alguém a está esperando ali, por detrás de uma delas.

Quem ela espera encontrar tem que estar ali.

Corre a abrir a primeira das portas estreitas que haviam surgido diante dela. Ele não está.

Abre a segunda porta. E ali também ele não se encontra.

Tenta a terceira, a quarta. Os soluços de desespero a dominam e ela já não tem forças.

Dana Scully, a valorosa e destemida Agente Federal do FBI sente-se derrotada, destruida, não sente mais forças para lutar, para buscar a sua felicidade.

Porque é isso que tanto procura!

É Mulder quem a chama.

Um lampejo de felicidade brilha nos olhos lacrimosos de Scully.

Soluçando, ainda, volta a correr na direção de onde ouve a voz amada.

Ela ouve novamente.

Já consegue, agora, avistar o vulto amado de Mulder entre um estranho e denso nevoeiro.

Corre na direção em que ele se encontra.

Ele está com os braços estendidos à sua espera. Tem no rosto um semblante sofrido de dor e saudade.

Scully mal pode esperar chegar até aqueles braços quentes, nos quais sempre deseja estar.

Logo, logo, em alguns segundos apenas, poderá sentir a boca sensual do homem amado em busca da sua, as mãos desejosas que vasculham seu corpo, o calor das suas carnes entumescidas pelo amor e o desejo.

Poderá ouvir de perto a sua voz, aquela voz diferente, doce, onde aparece toda a emoção que lhe vai na alma... poderá aprofundar seus olhos nos olhos verdes transparentes dele, atraindo-a com paixão.

Já estão tão próximos um do outro que quase podem ouvir as suas próprias agitadas respirações.

Ela ouve mais uma vez a voz amada, o chamado carinhoso e aflito na voz quente dele.

Ele continua com os braços estendidos, à espera...

Dana já pode até sentir as mãos dele a lhe tocar...

Aquela espécie de nevoeiro denso que está envolvendo o vulto de Mulder, não parece querer disssipar-se. Ao contrário; encobre-o ainda mais!

Ela já não o pode ver.

Ouve ainda o grito suplicante dele.

Os soluços voltam a despedaçar o peito de Dana, desesperadamente à procura de Mulder.

Ele desaparecera, então, totalmente de sua visão.

Dana prostra-se de joelhos.

Rosto quase encostado ao chão. Entrega-se à sua dor.

A mulher forte sucumbe ante o desespero da perda do seu amor.

Um toque macio e leve em sua face molhada de lágrimas ela sente.

Abre os olhos.

Um bebê a olha, sorrindo e levantando as mãozinhas para ela, tocando-a no rosto.

Ante o sorriso ingênuo e inocente da criança, ela parece reconfortar-se.

Os soluços diminuem de intensidade... do fundo do peito apenas os impulsos da infinda dor.

Um meigo e triste sorriso abre-se em sua face molhada.

Estende a mão para tocar o bebê e este movimenta mais os bracinhos ansiosamente, para que ela o segure em seu colo macio.

Dana decide pegá-lo, então.

A imagem do lindo bebê à sua frente transforma-se e vai diminuindo seu tamanho, vai regredindo em sua forma. Já não mais tem formado o corpinho rosado do bebê, mas progressivamente transforma-se numa massa informe... depois somente um pequeno coração pulsando... pulsando...

Dana ergue-se na cama. Arfante. Assustada. Horrorizada.

Ao seu lado a cama está vazia.

Imediatamente a isso vê, com felicidade, que voltara à realidade. Estende os braços.

Os braços protetores e fortes de Mulder a amparam, a afagam.

Ela agarra-se ao peito dele, novamente.

Dana esboça um sorriso.

É tão bom voltar à realidade! Sente-se quase feliz.

Mas... por que quase? Se Mulder, o homem que ama, está ali ao seu lado, o que ainda lhe pode abalar? Sente que algo estranho existe no seu pensamento, como um sentimento profundo de perda.

Perda?

Levanta-se.

Ela senta-se no leito.

Toma a seguir a escova de sobre a mesinha e a passa rapidamente nos cabelos.

Permanece pensativa.

Esse tipo de sonho ruim a tem perseguido, de vez em quando. Deseja arrancar da memória as cenas que desenrolavam-se nos sonhos dessa noite e em dias passados; mas não consegue.

Eles a atormentam com a maldade que se lhe afigura neles.

Não deve contar a Mulder as espécies de coisas ruins que lhe abalam os pensamentos.

Tem que se sentir feliz, agora! Tem que fazê-lo feliz. E ele precisa disso. Ela muito mais!

O que mais lhe destroi os pensamentos positivos é a sensação de perda que a perturba. E essa sensação permanece cada vez com mais força, à medida que esses sonhos maus vão acontecendo em sua vida.

* * * * * *

Já é noite.

Mulder entra no carro. Braço machucado, na testa um hematoma, roupas sujas e amarrotadas, cansado, fatigado, insatisfeito, irado.

Scully já está dentro do veículo, aguardando-o

Ele gira a chave na ignição. Não a olha. Está realmente revoltado com o trabalho que ambos tiveram no decorrer de todo esse dia. Muito desgaste mental e físico, repleto de situações perigosas.

Dana o observa em silêncio, olhando-o de soslaio.

Não vai falar nada. Nem deseja perturbá-lo. Ela também sente-se bastante fatigada.

O mal-estar que a anda rondando de vez em quando aparecera novamente.

Dana meneia a cabeça, concordando.

No entanto, acha intimamente, que seria importante que hoje pudessem ficar juntos. Ela sente uma tremenda carência pela presença dele ao seu lado. E gostaria muito de poder tê-lo ao seu lado o máximo de horas possíveis. E também gostaria de poder tê-lo compartilhando do seu cansaço, sua preocupação.

Mas fazer o que? Mulder havia arriscado, mais uma vez, a vida nessa investigação difícil e cruel. Supõe, por isso, que ele esteja precisando do seu apoio.

Dana suspira profundamente. Não quer mais argumentar nada.

Hoje ele quer ficar sozinho.

E ela, nesta noite deseja tanto tê-lo ao seu lado! Sente-se frágil, carente...!

São sentimentos antagônicos, dos quais nenhum dos dois quer abrir mão.

Às vezes passa-lhe pela mente uma necessidade de ter realmente um lar, uma família... um marido.

Mas, na verdade, ambos não desejam atar-se a um compromisso mais sério do que a vida que levam. Amam-se. É só isso. Nada mais importa.

 

 

* * * * * *

Scully já havia sido deixada em seu apartamento e Mulder agora está entrando no seu.

Joga as chaves e o celular, displicentemente, na mesa.

Vai retirando toda a roupa, rapidamente, como se quisesse livrar-se delas o quanto antes, como se as mesmas estivessem pesando-lhe sobre o corpo enfastiado.

Rememora os acontecimentos.

O bandido com o qual tivera que entrar em força bruta, o deixara irado.

Sente-se de mal-humor. Suas mandíbulas pulsam sob a pele da face. Sente que precisa estar só, sem falar com ninguém, até mesmo com... Scully!

Esses momentos de pura meditação e solidão sempre fizeram parte de sua vida.

"Scully não necessita ter a minha companhia quando estou muito aborrecido com alguma coisa que me tenha estragado o dia. É melhor que me mantenha esta noite afastado dela, deixá-la livre para também descansar. Sei que também ela está com os nervos em frangalhos. Eu a amo muito; não desejo que sofra nenhuma espécie de impacto emocional por minha causa e eu nem seria uma boa companhia para ela, hoje!" - assim divagam os pensamentos de Mulder.

* * *

Scully já havia tomado um relaxante banho.

Enxuga-se vagarosamente, enquanto olha-se no espelho.

De repente, deslizando as mãos pelo corpo toca no abdomem e mais abaixo parece-lhe sentir endurecida a região onde fica seu útero.

"Estranho!" - pensa.

Não havia, ainda, reparado que aquela parte de seu corpo está rígida assim.

"Isso é um sintoma mais comum às mulheres quando estão..." - corta, rapidamente, esse pensamento perturbador.

Olhando no espelho, parece-lhe ver os seios um pouco mais avolumados do que o normal.

"Ou pode ser alguma coisa como uma endometriose ou... qualquer coisa que..." - queda-se, pensativa.

... ou aquele meu tratamento que faço, secretamente, para infert...

Não! Meu Deus, estou pensando coisas demais!

Eu preciso ir a um médico. Afinal necessito cuidar sempre da minha saúde, justamente por tantas coisas pelas quais já passei. Nunca tenho tempo para cuidar de mim mesma! Não pode ser assim!"

Volta a pensar em Mulder.

"E hoje, então, mais do que nunca, necessito da presença de Mulder. Não quero estar só.

Ah, se ele soubesse a falta que me faz! De uns tempos para cá, quando entro sozinha neste apartamento, sinto-me sem um pedaço de mim, se ele está distante. Esses sonhos que têm me afligido, esse mal-estar que me acompanha, tudo isso me faz precisar dele, do seu carinho, sua atenção..."

Os olhos azuis fixos em um ponto distante enchem-se de lágrimas.

"As lágrimas são a palavra da

alma, a voz do sentimento."

Pananti