NOSSOS
PENSAMENTOS
"Nosso
maior prazer neste mundo
sãos
os pensamentos agradáveis."
Michel
de Montaigne
Capítulo 335
Dana entra no quarto, senta na beira da
cama, suspirando profundamente.
— Está cansada? — ele pergunta,
acarinhando-lhe o braço.
— Bastante, Mulder.
— As crianças já dormiram, não é?
— Sim, não sem antes de conversarem um
tempão comigo! — ela sorri.
— Naturalmente que Vivien
sentiu muita falta de nós, enquanto William passou todos aqueles maus pedaços
ao nosso lado.
— Foi tudo incrível!
— Também acho, Scully. — ele, por sua
vez suspira e vira para um lado.
Dana se levanta e vai até a janela.
Contempla a beleza da noite estrelada.
— Mulder...?
— O que é?
— Os nossos pensamentos nos fazem trazer
à realidade tudo o que sentimos no coração e na alma.
— Como assim?
— Sabe que você é o primeiro e
verdadeiro amor da minha vida? Embora tenha conhecido outros não sentia o que
sinto agora.
— O
primeiro amor é um pouco de loucura e muita curiosidade, dizia Bernard
Shaw. — ele cita.
— Ah, tá bem, mas também sei de uma
frase que nos fala ao coração: No fundo
de cada alma há tesouros escondidos que somente o amor permite descobrir.
— Pois é, minha amada, Me
parece fácil viver sem ódio, coisa que nunca senti, mas viver sem amor acho
impossível.
— Com certeza! — De quem é essa frase?
— De
Jorge Luis Borges.
Ele dá uma risada:
— Scully, o que está acontecendo com a
gente hoje? Estamos só citando pensamentos!
— E está muito bom; vamos continuar? —
ela retorna da janela — Mulder, quando passamos aqueles dias separados quase
morri de paixão.
— As
paixões cegam. O verdadeiro amor nos deixa lúcidos.
— É verdade! É verdade! Gostei demais! E
posso lhe falar, Mulder, que Amores vêm e
vão, mas o verdadeiro amor nunca sai
do coração, foi o que citou Bocage.
— E eu te amo de verdade, Lindinha,
porque Amar é admirar com o coração;
admirar é amar com o cérebro, falou Gautier.
Dana se chega mais a Mulder, que
continua deitado.
— Huuum...,
gostei desse também. Vou citar outro então:
O amor é como o fogo: para que dure é preciso alimentá-lo.
— Sem dúvida nenhuma! Sabe de quem é
esse?
— La Rochefoucauld.
— Eu sabia disso. Ok. Continuamos?
— Sim. — ela se deita ao lado dele.
— Olha esse: O amor é uma luz que não deixa escurecer a vida e quem disse isso
foi Camilo Castelo Branco.
— Lindo, Mulder! Escuta esse mais: Viver sem ter sentido o verdadeiro amor é
ter deixado passar a vida sem viver. Lindo, não?
Mulder deita de bruços, olhando para
ela:
— Não vou mais dizer os nomes de quem criou os pensamentos; apenas
vou citá-los, ok? Nem sempre lembro de todos.
— Certo. Combinado.
— Lá vai mais: O amor é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na
cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe no breve
espaço
de beijar.
— Fabuloso, Mulder! — ela o fita com
carinho — A linguagem do amor está nos
olhos.
Ele apenas lhe lança um olhar
apaixonado, mas nada diz.
— Que tal minha frase?
— Boa também, mas ouça esta: Quando o coração bater acelerado e a
garganta secar, saiba que você encontrou o amor de sua vida.
— Mulder...
— O que?
— Bem que aconteceu comigo.
— Quando, Lindinha?
— Acho que quando o procurei no porão
pela primeira vez.
— Ah, sai pra lá, Scully! Você sempre
demonstrava ceticismo pelas coisas que eu falava!
— Disse bem; pelas coisas que você
falava, mas dentro de mim...
— Verdade?
— Verdade pura e simples. Ai...ai...! —
suspira — A distância entre a amizade e o
amor pode ser a distância de um beijo. — ela repousa a cabeça sobre
o peito dele — E tudo começou com uma
simples amizade...!
— Escuta, Scully. O amor é um mestre admirável que
nos ensina a ser o que nunca fomos; e muitas vezes, com suas lições, muda
completamente, num instante,
os
nossos costumes.
— Bom e verdadeiro! Mas conheço um que
é, certamente, um dos mais perfeitos.
— Diga.
— Ninguém
pode fugir nem ao amor e nem à morte.
Mulder sorri. Afaga os cabelos dela.
— Scully, na verdade É uma loucura amar, salvo quando a gente ama com loucura. E eu te
amo assim, Dana...
Ela o beija no queixo.
— E olha só que importante, Mulder: O amor não se obriga: rebenta espontâneo no
coração.
— Certíssimo, Lindinha. E saiba que: Amar é se consagrar a uma mulher sem esperar
recompensa; é viver sob um outro sol com o receio de alcançá-lo.
— Não gostei.
— Por que não?
— Amar uma mulher sem esperar
recompensa...?!
Ele se vira, tirando-a de seu peito e se
voltando sobre ela:
— Estamos somente falando
"pensamentos" de outros, deu pra entender?
Ela finge estar aborrecida.
Com sua voz sussurrante, fala nos
ouvidos dela:
Se
eu não te amasse tanto assim, talvez perdesse os sonhos dentro de mim e vivesse
na escuridão.
— Aaaaah, meu
amado...! Gostei.
— Acho que isso é uma canção...
— Pelo jeito, começa bem linda — estende
por sobre o colchão os longos cabelos.
— Scully...
— O que...? Mais uma? — pergunta e fica
aguardando, fixando o olhar voluptuoso dele.
—
E Eu sou o sol e você a lua, no eclipse do amor, minha boca beija a sua...
Os lábios se colam, num beijo
apaixonado.
Ele a afaga logo após, para falar: No anseio de te encontrar um dia, tropecei
em meus sentimentos... e depois disso nunca mais fui o mesmo.
— Isso que você está falando é de
você mesmo ou...
— Hamlet, Scully.
— Bem pensei que estivesse pondo para
fora suas emoções. Mas medite sobre este: O
amor não consiste em olhar longamente um para o outro, mas sim para
a
frente, juntos e na mesma direção.
— Nosso caso começou assim.
— Assim como?
— Nos olhando longamente, esqueceu?
— Como poderia, se até hoje fazemos
assim?
Ele a agarra, com amor.
— Amor
masculino é singular: feminino é plural.
— Ei! O que quer dizer com isso?
— Eu, não, Scully. Pergunte ao cara de
nome Aveline!
— É homem ou mulher?
— Sei lá...!
— Ah! Ah! Ah! — ela parece refletir sobre algo — Mulder...
— ... fala.
— Nessa aventura que tivemos que
passar...
— ... fomos como que obrigados a isso.
— Exato.
— Diga o que quer falar.
— Pois é, eu senti muito, mas muuuuuito ciúme!
— Ciúme...?!
— Sim, ora!
— Mas de quem... — ele pára a fim de fitá-la — ...ah... já imagino...!
— Ela mesmo.
— Ângela lhe causou alvoroço no coração?
— Completamente. — ela ri.
— Você acha que eu a trocaria por aquela
mulher?
— Sei lá... nunca esqueço aquela cena
que presenciei naquele quarto de hotel!
Ele se remexe no colchão, dando duas
voltas se virando para ela depois:
— Olha só, Dana...
— ...adoro quando você me chama assim.
— ...ouça: Com teu peito em meu peito, com tua boca em minha boca, nossos corpos
atados ao amor que nos queima, deixa que o vento passe sem que possa me levar.
— Adorei essa!
— Porém mais que o autor, que é Pablo
Neruda, faço minhas essas palavras.
— E eu te digo essas: O amor não se manifesta no desejo de deitar
com alguém, mas no desejo de dormir junto a alguém.
Um barulho na porta do quarto é ouvido.
— Mãaaae!!
O casal se senta na cama assustado:
— William não quer me deixar usar o lap-top! — diz Vivien.
— O que está acontecendo, Scully? Por
que ela não usa o dela?
Dana coça a cabeça:
— Num acidente ela o quebrou...
— Aaaaah...! —
faz um ar de intolerância.
Dana se levanta, indo em direção da sua
filha:
— Mulder... — o fita, enquanto ele, de
olhos fechados, escuta o que ela lhe quer falar — ... a
humana sabedoria consiste em saber tolerar. — ela conclui,
acompanhando a garota.
"As palavras são como moedas, que
uma
vale por muitas como muitas não valem
por uma."
Quevedo