RECORDANDO...
"As recordações são como
os ecos das paixões."
Chateaubriand
Capítulo 34
Quatro horas da manhã de uma madrugada morna. Silêncio no apartamento.
Dana consegue ouvir até o arrastado e sutil ruído do relógio digital próximo à sua cama.
Acordara até sentindo-se um pouco mais disposta. Mas se a parte física está bem, a psicológica está péssima. Já dá para perceber que a falta de Mulder em sua vida tornar-se-á uma estranha carência em todos os sentidos. Não dá mais para viver sem ele. É a essência da sua vida.
Dana desliza a mão sobre o lençol onde deveria estar o seu Mulder. De olhos fechados chega mesmo a sentir a presença dele. O odor gostoso e envolvente da sua loção de barbear. O seu toque de mãos desejosas. A sua impetuosidade. Mulder. Definitivamente a outra metade de sua própria vida.
Abre os olhos. Estranho! Parece-lhe ter ouvido algum ruído vindo do outro compartimento da casa. Senta-se na cama. Apura os olhos e ouvidos. Levanta-se e veste o quimono branco de cetim.
Tudo está muito escuro ao redor. Ela olha para o abajur por alguns segundos. Mas não quer acendê-lo. Sente, instintivamente, uma espécie de terror. Lembra-se da crueldade do bandido que quase a havia assassinado em sua própria casa: Donnie Pfaster. Um arrepio percorre-lhe o corpo.
Logo, porem, solta um suspiro de alívio: sua arma está onde a havia deixado; pega-a
Caminha vagarosamente, saindo do quarto, atenta. Acende rapidamente a luz da sala.
Uma grata surpresa lhe faz dar, além de um longo gemido de satisfação, um sorriso de puro amor, esboçado em sua face.
Coloca a arma sobre um móvel.
Ele está todo encolhido no sofá, rosto contra o assento.
À primeira visão, Dana o compara com uma dessas crianças órfãs e carentes, abandonadas à mercê dos perigos das ruas.
Na garganta um grande nó parece apertá-la para sufocar, tamanha é a emoção com o quadro que vê.
Chega até Mulder. Acarinha-o mansamente nos cabelos.
- Por que fez isso, Mulder?
Ele abre os olhos, atordoado, despertando.
- O que? - senta-se rapidamente.
- Por que fez isso, Mulder?
- Não queria te incomodar, Scully. Você estava dormindo tão gostosamente... - ele abraça com carinho sua cintura, fazendo-a sentar-se junto a ele.
- Não faça mais assim, Mulder! Por que ter que sofrer umas horas desse jeito, se não podemos nos aguentar separados um do outro?
- Egocentrismo meu, Scully. Só isso. Achei que deveria curtir o meu aborrecimento sozinho, quando na verdade percebi que, na sua companhia é que está o meu amparo, a solução para o desafogo das minhas tristezas. - olha-a com olhos lacrimosos. Desculpe, Scully.
Dana abraça-o fortemente. Levanta-se e puxa-o pela mão.
Dirigem-se para o quarto.
- Mulder... tem que existir, além de qualquer outro sentimento... ahn... acho que um dos mais fortes de todos eles, que é o companheirismo. A dedicação de uma pessoa pela outra. O sexo é uma parte de extrema importância para um casal, porém o compartilhar das coisas do dia-a-dia é que une mais ainda as pessoas entre si. E se nós sempre fomos assim antes... por que...?
Ele abaixa a cabeça, movimentando-a positivamente, permitindo assim que uma mecha de cabelos caia sobre sua testa.
- E eu é que fiz psicologia, Scully...!
Dana ri, agora. Carinhosamente ajuda-o a despir-se e deitar.
Ainda está muito escura a madrugada.
Deitam-se encostados um no outro.
Deixam correr alguns momentos de silêncio e reflexão.
- Scully... lembra-se do dia em que nos vimos pela primeira vez?
- E como! Você simplesmente me esnobou!
- É... éramos ainda bem jovens...
- Sim, Mulder... dá pra entristecer um pouco... a mulher, devido a sua estrutura mais frágil e uma carga emocional mais elevada, tende a amadurecer bem mais rapidamente que o homem e...
- Você está madurinha? - fala, em tom de brincadeira.
- Ainda não posso me considerar assim... há ainda muito chão pela frente...
- Claro, Scully.
Ele a acaricia. Ficam calados e quietos.
- Scully... - pensa um pouco - Você lembra dos casos que investigamos no começo de nossa parceria?
- Alguns sim, sem dúvida. - olha para ele - Olha, Mulder, talvez eu não lembre exatamente dos casos, mas certas passagens havidas entre nós, sim.
- Por exemplo...?
- Posso te falar agora, Mulder, quanta raiva eu tive naquela ocasião em que a... aquela Detetive da Scotland Yard te beijou...
- A Phoebe?
- Como senti uma pontada aguda de inveja por desejar estar no lugar dela; você estava ali, junto dela, tão próximo, enquanto que eu...
Ele aperta-a contra si, com calor.
- Scully... e no tempo daquela investigação do cara que comia fígados humanos...
Dana demonstra nojo em seu semblante.
- ... que tive que ficar vigiando dentro do carro...
- Sim, lembro... o que tem? Eu te levei um sanduiche.
- ... me contive pra não te beijar, te agarrar naquele momento.
- Só você, é?
- Você também percebeu o mesmo, lindinha?
Dana agarra-o com força, mantendo a cabeça sobre o peito quente dele.
- Você estava muito atraente e sensual com toda aquele ingênua simplicidade... - continua ele.
Ela fecha os olhos, relembrando a cena.
- Scully, sinto até aflição lembrar do tempo em que você foi abduzida.
- É. Não gosto também de pensar nisso.
- E às vezes vêm-me pensamentos de que algo ruim ainda pode acontecer nesse sentido.
- Não, Mulder! Não lembra isso, por favor! - beija o peito dele com ardor.
- Eu quase morri, Scully.
- Eu sei, Mulder, acredito. - olha-o profundamente, calada, por segundos - Mas deixa eu lembrar a você sobre aquelas mulheres que me causavam ciúme...
- Quem?
- Ahn... houve uma mulher com quem eu vi você na cama num hotel que estivemos...
- É? Onde?
- Ah, Mulder, bem se vê que os homens esquecem tudo rapidinho... mas eu lembro perfeitamente!
- Quem era essa, Scully?
- Não sei bem... parece que era... ah, já sei! - lembra agora - Naquela cidade das duas garotas amigas que sofreram uma mudança de comportamento devido a planetas que entram em conjunção a cada oitenta e quatro anos... e que naquele ano estava acontecendo e... sei lá mais o que, Mulder!
- Lembrei, Scully.
Ele ri, a ponto de seu riso lhe fazer balançar o tórax e o abdome e Scully acha gostoso sentir-se assim, como que embalada no ritmo gostoso de sua divertida risada.
- Você ri...! - ela comenta, amuada.
- E você nunca acreditou que ela é que atirou-me na cama, não é isso?
- Nem nunca vou acreditar.
- Problema seu.
Ao ouvir esse tipo de comentário, Dana repentinamente deixa o encosto morno do peito dele e afasta-se.
Mulder inclina-se, apoiando um dos cotovelos no colchão.
- Que foi?
- Nada.
- Scully...! Eu conheço você! - continua fitando-a - Bom... sei que não gostou do modo como eu falei... - espera mais um pouco - S-cu-lly? - diz, cantarolando e rindo junto do rosto dela - Scully, aquela mulher não tinha esse... esse corpo que eu amo, - passa a mão nos cabelos dela - esses cabelos que eu adoro... - afaga sua face - esse rosto que eu quero... essa boca... que eu desejo...
Dana sorri levemente, agora.
Desfecha na direção dele os raios fulgurantemente apaixonados dos seus olhos intensamente azuis.
Mulder fala com sua voz de tom aconchegante, terno, quente:
- Ainda está zangada, lindinha?
- Não estou zangada.
- Hum... não sei não...
- Não estou! - sorri.
- Que devo fazer pra ter certeza?
- Ser meu.
- Sou todo teu.
- Me beija.
- Eu te beijo quando disser que não está zangada de verdade.
- Não estou... de verdade.
- Não. Não serve. Olha, - vira-se para o lado e deita-se - inclusive eu também posso dizer sobre os ciúmes que senti de você.
- É mesmo? Não sei porque!
- Ah, Scully, aquele cara que tomou a minha personalidade e quase transou com você naquela noite... o Eddie... Eddie qualquer coisa...
- Van Blundht. - ela termina o pensamento dele.
- Esse mesmo.
- E quem disse que eu quase transei com o cara?
- Claro! Você pensava que ele era eu!
- Mas que petulância, Mulder! E eu iria querer transar com você?
- Tenho certeza que sim.
- Mulder!! - ela fala alto - Você devia ter pensamentos mais plausíveis de aceitação!
Ele apenas ri.
- E tem mais!
- Tem mais o que?
- Aquele cara da Dream Land, lá naquela área federal proibida, o tal que pôs o colchão d'água no meu quarto.
- E daí?
- Daí que... se você não usasse um pouco a sua percepção, você também estaria tentada pelo cara!
- Tentada? Mas se eu até passei as algemas no sujeito!
- Sim, mas depois que teve certeza absoluta de que ele não era eu!
Dana vira-se para o outro lado, olhando para a parede do quarto.
- Mulder... você é mau! - fala com voz chorosa.
- E você me acusando de querer transar com aquelas mulheres!
- Mas você queria mesmo! - fala amuada.
Ele puxa-a para fazê-la voltar-se.
- S-cu-lly... - cantarola; deixa passar alguns segundos - Scully... - chama.
Ela não se volta para ele.
Mulder desliza a mão sobre seus ombros, descendo pela cintura, quadrís, coxas.
- Scully...
- O que é?
- Não vamos brigar, tá?
Imediatamente, ela volta-se para ele a sorrir divertida.
- Brigar? Mas nós só estamos temperando o momento para usufruir e saborear a iguaria gostosa do nosso amor, Mulder! Eu te amo tanto...!
Nada mais consegue dizer, pois ele já a toma nos braços, empolgado, feliz.
- Dana... Dana!
- Hum... - ela geme achando uma gostosura o aperto dos braços quentes e acariciantes dele.
Mulder pousa a boca sobre os olhos dela, levando-a deslizante até o nariz, provando-lhe os lábios.
Scully os entreabre, ansiosa para receber do amado a voluptuosa carícia do seu beijo, sentindo-se afogueada, a respiração opressa pelo desejo.
"Amar sem desejo é pior
do que comer sem fome."
J. Octavio Picón