ELE FITA SUA COMPANHEIRA
"Nenhum
bem se desfruta sem companhia."
Sêneca
Capítulo 344
Ela o
acompanha, ajudando-o a colocar o menino no banco traseiro.
— Eu vou
aqui atrás com ele, tá?
— Certo.
Vamos logo para um hospital.
Ele acelera
o veículo, entrando aos poucos na pista para prosseguir a viagem o mais rápido
possível.
O menino
continua imóvel. Desacordado.
— O
interessante é que este menino não está pálido. Está com a cor normal do rosto.
— ela nota.
— Tem
certeza?
— Absoluta!
Ela acaricia
o rosto da criança; fala para o seu companheiro no banco dianteiro dirigindo o
carro:
— Acho que
esse garoto se perdeu da família... será isso...?
— É bem possível porque dá pra notar que é uma
criança que não passa necessidade como os moradores de rua.
De repente
ela se surpreende:
— Ele está
abrindo os olhos!
O homem olha
para trás e vê o que a mulher está falando.
O garoto
abre completamente os olhos após piscar várias vezes:
— Ai... —
geme baixinho.
— Ei...! — a
mulher ao seu lado começa — Me diga o que você está sentindo.
O menino
abre, enfim, inteiramente, os olhos:
— Mãe... —
balbucia o garoto.
— Pergunta o
nome dele. — fala o homem atento à pista.
Passando a
mão nos cabelos do garoto ela pergunta:
— Como se
chama, querido?
— Ahn...? — o menino fala rápido — Por que me pergunta isso,
mãe?
Agora,
voltando o rosto para o banco traseiro, o motorista do carro fita sua
companheira. Seus olhos se encontram.
— Ele pode
estar sofrendo um certo tipo de amnésia; temos que chegar logo ao hospital. — o
homem fala.
—
Hospital...?! Pai! Vai me levar lá pra quê?
A mulher
sorri:
— Você não
está bem; sofreu algum acidente.
— Eu...?!
Acidente...?! — neste instante senta no banco .
— Oh, meu
Deus! Então você está se sentindo bem? — ela se surpreende.
— Por que me
pergunta isso, mãe?
Novamente o
casal se entreolha:
— Me diga o
seu nome; senão será difícil levá-lo para sua casa.
— Mas mãe...
pai... o que está acontecendo com vocês? Eu sou William, seu filho!
— Tá, tá,
William — ela fala — e onde você mora?
— Gente, que
loucura! Meus próprios pais não sabem onde eu moro!
O casal está
um tanto assustado pelo estado do garoto.
Logo o
menino sacode o braço da mulher:
— Mãe, vamos
pra casa! Chega de conversa doida! Vamos pra casa! Não estou gostando dessa
brincadeira. Eu só estava indo
pra casa da
minha avó!
— Sim... ahn... e como se chama sua avó?
O menino
arregala os olhos sem acreditar no que está ouvindo:
— Maggie. —
responde num murmúrio.
— Tá ok;
agora só falta me dizer o endereço de sua avó.
William
permanece estático. Não está conseguindo assimilar o que está se passando.
— M... mi...
nha avó mora perto da nossa casa.
— Certo; mas
nos diga o lugar certo para que o levemos lá.
— Vocês não
sabem? — as feições do menino são de estupefação absoluta.
O casal se
entreolha, preocupado.
— A gente
mora em Monterrey... — tenta o menino
explicar.
Os olhares
do casal demonstram enorme preocupação:
— Meu Deus!
Tão longe daqui!
— Por que
vocês estão falando assim? — pergunta o garoto em tom de súplica.
— Porque
aqui é Los Angeles, William. — explica o homem.
— Então... vocês...
não são os meus pais?! — indaga demonstrando medo pela resposta do casal ao seu
lado.
— Não... —
responde a mulher loura titubeante, com um leve sorriso nos lábios.
Agora
William dá um pulo de onde está:
— Não! Não é
possível! Isso aqui é... — interrompe, olhando para os lados — ... estou numa
outra ... — balbucia apenas — dimensão...!!
O homem se
abaixa para segurar o garoto, olhando-o nos olhos.
— Vamos
levá-lo a um médico, ok? Logo você ficará bem.
O menino nem
os ouve; continua:
— Aqui é Los Angeles... vocês... vocês não são os meus pais...
O casal confirma
em silêncio.
— ... vocês
são dois atores...
A mulher
levanta as sobrancelhas com um sorriso:
— Como
descobriu?
— ... vocês
são os atores que fazem os personagens...
— Sim...? —
o homem fala — Aposto que já nos viu na tv, não é
verdade?
O menino parece
um autômato e vai continuando a expor seus pensamentos:
— Vocês dois
é que representam as pessoas dos meus pais num seriado...
— Como...?!
— o casal exclama em uníssono.
* * *
Maggie
atende o telefone:
— Alô!
— Mãe, tudo
bem aí? — Dana pergunta.
— Tudo em
paz, filha.
— Só quero
saber se William está mesmo brincando com o primo.
—
William...? Ele não está aqui!
— Não está
aí?! Oh, meu Deus!
Mulder se
aproxima:
— Me dá o
telefone, Scully. — pede ele tomando o aparelho — Senhora Scully, tem certeza de
que meu filho não está aí?
— Acredite,
Fox! Ele não está aqui! — responde com voz nervosa. Por que pergunta? O que
houve?
— Não é
nada, senhora Scully; pode deixar. Depois ligaremos para a senhora. — desliga o
aparelho — Vou sair e procurá-lo, Scully.
— Se não
está em casa de minha mãe, para onde foi ele, Mulder? — os olhos nadando em
lágrimas de preocupação se abrem mais.
Mulder nada
mais fala e sai para entrar no carro.
* * *
O homem que
dirige o carro neste momento põe o pé no freio, se sentindo tremer; logo
percebe que não pode parar naquele local;
rapidamente
direciona
o veículo no
acostamento.
A mulher com
as sobrancelhas levantadas, dedos nos lábios, está estática.
O menino
mais atordoado ainda, a fita com insistência.
— Alguma
coisa está errada nessa história!— o homem que acabara de sair do carro, põe as
mãos na cintura; logo passa as mãos na
cabeça; abre
a porta
traseira do
veículo.
— Por favor,
saia.
Ela sai do
carro, agitada.
— E você,
garoto, saia também. — pede com suavidade na voz.
William sai;
seu semblante está completamente atordoado.
O homem se
agacha para segurar o menino pelos ombros:
— Me diga,
William. Com quem você aprendeu a inventar essa história de que é filho de
personagens de tv?
O garoto
apenas o fita, atônito.
— Nós precisamos
levá-lo para sua casa, sua família, entendeu?
— Estou
entendendo...
— E
então...? Por que não nos ajuda?
A mulher
também se curva para falar mais perto do menino:
— Olha
querido, conversa direitinho com a gente, sim?
William abre
a boca por segundos sem nada falar, mas em seguida a voz sai entrecortada pela
emoção:
— Eu estou
fora do meu mundo...
O casal se
entreolha, preocupado.
— ... não
sei como aconteceu, mas vim parar noutra dimensão.
— o menino
conclui.
Agora o homem faz um gesto de insatisfação com as
palavras do menino. Levanta e se aproxima da mulher para murmurar:
— Olha, não
sei como podemos ajudar esse garoto.
— É verdade.
Também não estou mais entendendo qual a intenção dele.
— Vamos
então levá-lo para onde?
— Acredito
que para uma instituição que cuide de menores, já que ele não quer ser levado
para a casa dos pais.
William está
ali, ainda, estático, cada vez mais tentando colocar em sua mente o que na
verdade está acontecendo.
— Vamos
William, — fala o homem — vamos levá-lo agora.
— Para
onde...?
— Para
alguém que vai poder ajudá-lo de alguma forma. — fita-o com atenção — Diga,
você tem família, não tem?
— Claro!
Tenho meu pai e minha mãe, que eu adoro! E minha irmã também.
— Certo,
William. E como se chamam seus pais?
— Dana Katherine Scully e Fox William Mulder.
A mulher o
interrompe com um sorriso:
— Tá bom, tá
bom, querido. A gente vai ver o que pode fazer.
— Eu quero
ir com vocês.
— Olha
rapaz, isso não é possível. — explica o homem com doçura na voz.
— Por
que...?
A mulher
acaricia-lhe os cabelos:
— Querido,
se o levarmos para nossa casa talvez sejamos acusados de...
— ...
sequestradores! — completa o garoto.
— Viu como
você pode entender? — fala o homem.
Agora o
semblante do menino se contrai demonstrando que está quase a chorar:
— Eu quero
ir com vocês! Por favor! Por favor! Posso ficar perdido aí na rua!
— Mas não
podemos fazer isso, William!
— Podem! —
está chorando — Nunca eu iria denunciar vocês! Nunca!
Então o
homem se impacienta:
— Olha, se
continuar assim vamos ter que deixá-lo aqui, avisar a uma patrulha que tem uma
criança perdida aqui e...
— Não!! Por
favor, não!!
— Diga
William, por que você se afastou assim de sua casa? — quer saber a mulher.
— Eu
estava... indo... para a casa... da minha avó! — murmura, com voz entrecortada
pelo choro.
— Mas você
falou que ela mora próximo de seus pais em Monterrey.
— Sim, é
isso! — soluça ainda.
A mulher,
com os olhos azuis cheios de lágrimas afaga a criança:
— Fala,
William, agora, sem mentiras, de onde você está vindo.
— De
Monterrey!!
— E o
deixaram entrar em um ônibus ou avião assim sem nenhuma identificação ou
autorização para essa viagem para cá, um
lugar tão
distante?
Por que não
nos confessa logo que fugiu de casa? — diz o homem.
— Não! —
responde aos soluços — Não fugi de casa! Eu amo meus pais!
— Não
parece. — o homem se afasta em direção do carro.
A mulher
nota e o segue:
— O que vai
fazer?
— Temos que
ir embora.
— Não! —
pede o menino em prantos — Não me deixem aqui, pelo amor de Deus!
O casal se
entreolha, preocupado.
Com um sinal
de cabeça o homem faz a mulher entender que direcione o menino para entrar no
carro.
Entram os
três.
* * *
Mulder,
completamente abatido retorna à casa.
Dana aguarda
sua chegada com aflição:
— Mulder,
oh, meu Deus o que terá acontecido?
— Eu não
consigo entender, Scully. Um vizinho nosso viu nosso filho caminhando pela rua.
— E não sabe
para onde ia?
— Não;
somente o viu. William nem notou sua presença; parecia apressado.
—
Apressado...?!
— Sim, me
falou isso o rapaz que o viu, pois William passou correndo por ele.
Dana coloca
as mãos no rosto, aflita.
— Fox, o que
vai fazer? — pergunta Maggie, chegando à sala, segurando Vivien
pela mão.
— Eu não
sei... eu não sei...! — exclama ele, sentando numa cadeira com as mãos no rosto
— Scully, por favor me dá um pouco de
água; vou
sair novamente.
Ela sai
apressada para atender o pedido dele.
* * *
O carro
penetra na pista que leva à grande casa de dois andares.
William olha
tudo com surpresa e um certo ar de satisfação.
A mulher,
sentada no banco dianteiro do carro se volta para falar com ele:
— William,
logo que entrarmos em casa faremos uma pesquisa em busca de sua família, ok?
— Ok. —
murmura, ainda, observando interessadamente tudo à sua volta.
Chegam à
garage. Saem do veículo.
Um ruído de
passos chega aos ouvidos dos três recém-chegados.
— São as
crianças. — o homem avisa.
— Já viram
nossa chegada. — ela fala.
— Vocês tem
filhos? — o menino quer saber.
— Sim.
— Mãe! Pai!
— as crianças descendo as escadas gritam à chegada dos pais; se aproximam do
carro e olham surpresos.
— Seus
filhos são pequenos ainda. — fala William.
— Sim, como
está vendo; mas temos também uma filha adolescente. — a mulher explica.
Ao sair do
carro William é curiosamente observado pelos garotinhos.
— Como é o
seu nome? — ele pergunta à criança maior.
— Phillip —
responde o menino.
— E o dele?
— aponta o menorzinho.
— Orson.
William
sorri. Logo, porém se aproxima da mãe dos garotos:
— Sabe que
vocês merecem ter toda a felicidade do mundo?
A mulher
mostra seu belo sorriso e os olhos azuis carregados de suavidade e amor:
— Por que
fala assim, querido? É tão jovenzinho para compreender as coisas deste
mundo...!
O garoto
distende os lábios num sorriso; logo os aperta e olhando-a fixamente fala em
voz doce, calma, porém plena de certeza:
— Porque se
não fossem vocês, meus pais não existiriam.
"No
mundo em que não te consentem
na
busca prefere o silêncio do grito
no
escuro. "
Francisco
Carvalho