A FORMOSA MULHER

 

"Uma mulher formosa sem

graça é uma rosa sem perfume."

Beccaria

 

CAPÍTULO  345      

 

A formosa mulher olha para o garoto, intrigada.

"Por que esse menino insiste em falar esse tipo de coisa? — pensa — Logo que encontrarmos a família dele vou sugerir que o levem a um psicanalista ou coisa

parecida... ou quem sabe os pais dele são também tão psicóticos que fazem o filho se desenvolver dessa maneira...? Muito triste isso."

O garoto interage com os outros meninos; em sua face aparece a descontração.

Ela se afasta das crianças.

Está agora saindo do banho; o homem, jogado sobre a cama, relaxa os pensamentos e vê sua companheira vestida num roupão:

— E aí, Gilly? Como vai ficar a situação desse menino? Pode ser até prejudicial pra gente se o encontrarem aqui.

— Mas não pense nisso, Dave! Se nós estamos é querendo ajudá-lo a encontrar sua família, ora!

— E a Polícia faz questão de saber detalhes? Isso nos acarretaria matérias sem fim nos jornais e daí...

Ela escova os longos e louros cabelos:

— Não é bem assim; a gente vai resolver da melhor maneira possível.

Ele solta um suspiro em tom alto:

— As mães são sempre assim; não tem jeito!

Ela se aproxima, inclina-se e o beija nos lábios.

Rapidamente ele a agarra para jogá-la sobre ele.

 

 

* * *

 

Estou já cansado de ligar para diversas entidades que podem resolver o caso desse menino! De qualquer forma temos que resolver essa parada antes do anoitecer!

— Eu sei, Dave; você tem toda razão! Será que temos que falar mais sério com ele sobre como achar sua família?

— Esse assunto já está se tornando intolerável! — ele resmunga.

Ela fica com o olhar fixo no infinito; cabeça um tanto atordoada tentando pensar algo que possa resolver o caso de William.

As três crianças entram no ambiente:

— Mãe! — chama o menino maior — O William me disse que a mãe dele saber usar uma pistola!

Ela abre bem os olhos, levantando as sobrancelhas:

— Não se espante, senhora! — William se aproxima — É porque ela tem autorização para isso.

— Autorização...?!

— Sim. É uma Agente Federal, então pode usar armas, que é para defender a população das maldades causadas pelos bandidos.

Ahn... — pigarreia — ... sua mãe é uma defensora do povo... uma agente...

— ... do FBI! — completa William com entusiasmo.

Agora ela o segura pelo braço:

— Vem aqui, William. Precisamos conversar muito sério sobre um assunto.

— Sim, senhora.

A figura masculina do chefe da família se destaca, entrando na sala.

— E então, menino? Resolveu conversar direito com a gente?

— Calma, Dave; ele vai chegar lá — ela explica e continua falando com o garoto — Escuta, meu bem, logo vai anoitecer. Não quero deixá-lo passar a noite num

abrigo ou numa entidade qualquer protetora de menores ou mesmo na rua.

— Mas por que me fala isso?

— É claro que temos que levar você até sua família, William! Não temos condições de mantê-lo aqui com a gente. Procura entender! — o homem explica em tom austero.

— William, dê-me o número do telefone de sua casa. — ela pede.

— O celular do meu pai é  ...

O homem anota rapidamente num papel.

Logo exclama:

— Não é possível!

— O que há de errado, senhor Dave? — diz o menino.

O homem coça a cabeça para responder um tanto perturbado:

— Nada, rapaz; continue.

— Moro em Somerset, Virginia e meus pais já estiveram no Novo México, mas depois retornaram.

— Certo; continue.

— Minha mãe é médica e trabalha no FBI também como Agente Federal assim como meu pai que é psicólogo; quando eu nasci quase fui levado por alienígenas....

— ... e ...?! — o casal pergunta numa só voz.

— ... ela teve que me dar como doação a um casal que...

O homem e a mulher se entreolham.

A seguir os olhos apertados dele brilham de ira:

— Chega, garoto! Chega de historinha! Agora você vai nos dizer toda a verdade ou... — para de falar, aproximando-se  o máximo.

William se assusta com a atitude do homem:

— Por favor...! O que estou fazendo errado? — choraminga, com os olhos cheios d'água.

A mulher se sente condoída com a atitude de tristeza do menino.

— Oh, meu Deus, William, por que você continua nessa história? Por que não nos fala de sua família? E como pode sua mãe contar essas coisas tão... tão absurdas pra você?

— Bem, na verdade ela não me contou nada. Eu é que descobri.

— Como?

— É que eu posso fazer essas coisas. Tenho esse dom.

Novamente o casal se entreolha.

— William! — as vozes dos dois garotos se fazem ouvir entrando no lugar — Vamos agora jogar?

— Claro, amiguinhos! — sai de junto do casal que está completamente aturdido.

— Dave, eu não estou entendendo nada do que esse garoto nos conta!

Ele se joga numa poltrona:

— Eu já estou esgotado com a  história  desse garoto e vou partir para o que deve ser feito. — descansa os cotovelos sobre os joelhos — Você reparou nos detalhes do

que ele contou? Os números de celular são dos personagens que nós fazemos.

— Verdade...?! — se espanta ela.

— Tenho certeza porque está lá no script que temos que estudar para nosso trabalho!

— Como é que pode acontecer uma coisa dessas, Dave? Você continua achando que ele está falando apenas no que aprendeu vendo a série?

— Já não sei... não sei.

Ela se aproxima; segura-lhe o queixo com carinho:

— O que você está pensando? Me diga.

Ele a afaga pela cintura:

— Escuta, Gilly e se ele estiver falando a verdade?

— Como é...? O que está querendo dizer? Não entendi!

Ele apenas sorri:

— Deixa pra lá.

 

*   *   *

 

Após as brincadeiras os dois garotos se entretém vendo televisão.

William observa as duas crianças e arrisca uma pergunta:

— Senhor Dave, posso ligar o seu computador?

— Sim, claro. Deixa que eu faço isso.

E após deixar William à frente do PC foi até sua mulher:

Gilly, repara só o que está acontecendo; o menino está tranquilo como se nada de extraordinário estivesse acontecendo.

— Já notei, Dave. Muito estranho.

— Entrei em contato com o setor de menores desaparecidos e estou aguardando a resposta.

— O pior é que nem sabemos o nome real dele!

— Mas fiz a descrição de como ele é; cabelos louros arruivados, olhos azuis... — esboça um sorriso — exatamente da cor dos seus.

Ela dá uma sonora risada pela comparação.

 — Senhor Dave! Senhor Dave!!

O casal vê William entrando agitado no aposento:

— O que aconteceu?

 — Senhor Dave, venha ver uma coisa!

Ambos acompanham o menino.

— Eu acessei a Internet — explica ele — e li a respeito de sermos levados a outra dimensão e...

 — O quê...??!! Que coisa mais idiota é essa?

  ... e conta a história de um cara que teve a mesma sensação do que aconteceu comigo!

Gilly se aproxima do garoto:

— Meu menino lindo, você está com sua cabecinha cheia de minhocas, gracinha! Para com isso que não estamos mais achando graça nas suas histórias, tá?

— O que você estava vendo? Me diga! — pede Dave.

— Veja aqui! — Isso aconteceu num país da América do Sul!

E mostra na tela do computador:

 

Quando eu era adolescente, saí da minha cidade no interior e fui estudar numa outra cidade próxima.

De vez em quando voltava para casa a fim de visitar minha família e nessas ocasiões eu ia e voltava numa lotação que era mais confortável que o ônibus e me deixava na porta de casa.

Nessas viagens a lotação saía sempre de madrugada, por volta das duas da manhã e o percurso era sempre feito à noite. Chegávamos à outra cidade com o dia amanhecendo. Eu aproveitava

para conversar com o motorista que era amigo da família e com os outros três ou quatro passageiros.

Os assuntos eram os mais variados. Num desses dias a conversa recaiu sobre coisas estranhas que acontecem no mundo e o motorista nos contou uma história que eu nunca esqueci.

Ele disse que antes de ter a lotação trabalhava como motorista numa empresa de ônibus fazendo viagens intermunicipais. Numa dessas viagens, também de madrugada, aconteceu um fenômeno

incrível.

Era por volta de 1 e meia da manhã e tudo estava correndo normalmente quando, de repente, sem que ele tenha percebido como, tudo ficou claro como o dia. Era uma luminosidade como a

do sol, só que parecia estranha, sem que se pudesse explicar como. Não havia nenhum objeto voador por perto, como um ovni ou coisa parecida. Apenas a luz como se fosse dia claro. O mais

estranho é que não houve pânico entre os passageiros que estavam acordados apenas em silêncio profundo. Alguns tentaram chegar junto ao motorista para ver melhor o que estava acontecendo,

mas não disseram uma palavra. E os que estavam dormindo não acordaram.

A estrada estava como sempre, com alguns sítios ao longe. Mas de repente o motorista se viu passando com o ônibus numa localidade desconhecida com ruas vazias, casas fechadas e ninguém à vista.

Uma pequena vila com luzes estranhas e sinistras. Depois que passaram naquele local de repente voltou a ser noite com o céu escuro e estrelado e a rodovia bem conhecida de todos. Mas mesmo depois

de tudo voltar ao normal ninguém comentou o assunto.

Ao chegar ao seu destino o motorista foi para o alojamento  da empresa, onde ficaria 24 horas até o próximo turno. Ele se sentia estranho e não conseguia parar de pensar no que acontecera. Meio

sem graça resolveu comentar com um colega de trabalho que também acabava de chegar.

O colega caiu no choro ao ouvir a história, pois tinha acabado de passar pelo mesmo trecho da estrada e vivenciado a mesma experiência, mas vinha sozinho e não tinha outra testemunha do que

havia acontecido.

 


— Sei; estou reparando na história. E daí, garoto?

— Comigo aconteceu isso, senhor Dave! — os olhos ficam úmidos pela emoção — Foi assim mesmo! Só que eu...

— Você o quê...?

— Eu permaneci aqui ... nesta outra dimensão!

Gilly se afasta da tela, enquanto Dave continua ao lado do garoto.

— Por que você está me dizendo isso, William? Por que continua com essa tola idéia na sua cabeça? Não acha que já é hora de falar seriamente sobre sua vida? O que está

acontecendo com você? Está doente ou o quê? Por que nos conta essas coisas tão... tão...

— Porque é a pura verdade, senhor Dave! Acredite! Não estou mentindo!

 

A verdade  é irrespondível. O pânico pode

temê-la; a ignorância pode desvia-la; a

malícia pode deformá-la, mas ninguém

pode destrui-la.

Winston Churchill