MUITA POESIA

 

"A poesia não tem presente;

  ou é esperança ou saudade."

  Camilo Castelo Branco

 

CAPÍTULO 365

 

Ele abre os olhos; pisca várias vezes.

Olha a luz vinda da janela, entre as brechas da persiana.

Olha, então, para o lado.  Na parte esquerda da cama vê a amada ainda adormecida.

Ele chega o rosto próximo ao dela.

Sentindo a respiração dele junto a seu rosto, ela vai despertando aos poucos, com um gemido.

— Oi! — ele murmura.

Ela abre os olhos aos poucos, fitando o amado.

— Vou me jogar nesse mar... nadar... nadar... — ele fala.

— ... o quê? — ela não entende.

— ... nessas águas azuis que teus olhos espelham!

Ela dá uma risadinha e se achega a ele.

— Dormiu bem?

— Sim... — ela sussurra aos ouvidos dele — ... dormi e sonhei que estava nessa floresta aqui ...

— ... floresta...? — Ih, ih! Acho que você ainda está sonhando!

— ... nessa floresta, sim!

  Nessa qual...? Não entendi! Onde...?

— Aí, amor, nesse verde de teus olhos, que me fascinam a cada dia e me deixam...

Ela não pôde continuar.

Ele cola os lábios sobre os dela, num beijo avassalador.

Se afastam um do outro.

— Muita poesia...! — ele exclama.

— É... o amor faz isso com a gente. — ela suspira —  Mas, oh, meu Deus, já estou me sentindo cansada.

— De quê?

— Só de pensar que tenho que viajar novamente.

— Temos que nos conformar com nossa vida, ?

— Nosso ganha-pão; não tem outro jeito.

— Quando você viaja?

— Amanhã; não te falei?

— Ah, sim. Verdade; eu havia esquecido.

Ele a agarra nesse momento.

— Não vou deixar!

Ela dá uma risada; está agarrada ao peito quente dele:

— Sabe que, às vezes, fico sem entender o que acontece entre nós?

— Do que você está falando?

— De que, por mais que desejamos estar juntos, há sempre algo que nos separa!

— Mas é pelo trabalho que temos!

— Sei; falo não somente sobre o trabalho, mas sim em todas as ocasiões da vida, algo nos separa. — ela fala, enquanto seus olhos lacrimejam.

Ele a beija nos olhos.

— Para com essa conversa! Não é nada disso! Nada mais nos poderá separar! Nada!

Ela solta um imenso suspiro:

— Sabe, quando estou no trabalho, naturalmente que cuido de gravar na mente os textos, presto atenção no personagem que tenho que seguir

nos meus papéis, tudo certinho, mas...

— ... mas...

Ela se aconchega, com um sorriso.

— ... meu pensamento está sempre aqui.

— Aqui? Neste lugar?

Ela dá uma risada, deixando que os cabelos lhes desçam sobre o rosto. Põe a mão sobre o peito dele:

— Aqui! Aqui, amor. Meu pensamento está sempre em você, nesse seu corpo que me atrai, me deixa louca... — murmura .

Ele a cobre de beijos carinhosos; afaga-lhe os longos e louros cabelos:

— Você pensa que comigo é diferente, amor? Às vezes o meu humor fica bloqueado. Tenho vontade de largar tudo e vir ao seu encontro.

— E o pior é que nunca estamos num só lugar! — ela reclama, chorosa — Você vai para uma cidade; eu vou pra outra...! Ai, me dá uma vontade

de largar tudo! Chega! — agora ela chora.

Ele a prende em seus braços quentes. Também em seus olhos as lágrimas brotam discretamente:

— Te quero, te amo tanto! Como será daqui pra frente? Será que conseguiremos nos unir para sempre? Será...? — beija-a nos olhos — A vida, o

destino, o trabalho, a lida do dia-a-dia nos obriga a esse afastamento querida; como aguentaremos? Como?

Ela, continuando seu pranto, se deixa acariciar. Logo se prende com força ao peito dele, beijando a pele quente que seus lábios tocam.

— Preciso de você... preciso de você... — murmura — e há uma esperança dentro de mim.

— Verdade? Esperança de quê?

— Esperança de que nosso amor se realizará, nos deixando ficar unidos para sempre.

— Sim, sim! Eu creio nisso. Vamos dar tempo ao tempo!

 

*   *   *

 

Dana dá um longo e ruidoso suspiro.

Mulder se volta para fitá-la com carinho.

— Acordou agora, parecendo sentir alguma coisa...!

Ahan... sim, Mulder.

Ele a acaricia, preocupado.

— Eu estava sonhando...! — suspira — Um sonho tão triste, que me incomodou bastante.

— Então não foi um sonho e sim um pesadelo.

— Não! Era um casal cheio de amor. — ela sorri.

Ele a abraça:

— Assim como nós, Lindinha!

 

"Estar triste é quase sempre

   pensar em si mesmo."

   Anatole France