TRAZENDO MELANCOLIA

 

"A melancolia é a felicidade

de estar triste."

Victor Hugo

 

Capítulo 369

 

Enquanto a música suavemente se expande no interior do automóvel, Dana fecha os olhos, murmurando levemente

as palavras que acompanham a melodia.

O brilho do sol já esmaecido nessa hora banha todo o local, lhe trazendo melancolia.

Só uma leve batida no vidro da janela faz Dana retornar à realidade.

— Oi! — fala um homem ali em pé.

Ela o olha.

— Pode falar comigo um instante?

— Pois não; o que deseja? — responde, sem abrir o vidro da janela.

— É que eu preciso de um favor.

— Pode falar.

— É que... você tem uma ferramenta que possa me emprestar? É que estou com um problema no meu carro.

Ela abre somente um pouco do vidro:

— Olha Senhor, eu não sei quais são as que tem neste carro. Qual o senhor deseja?

  Uma chave Phillips , por favor. Pode me emprestar por um momento?

— Desculpe, mas não posso abrir a mala, porque o meu marido é que está com a chave.

— Ah, não está sozinha?

Dana percebe um olhar esquisito, que vem do desconhecido.

— Com licença. — ela fecha o vidro da janela do carro.

O homem parece inquieto. Fita-a por alguns segundos e logo se afasta. Para a mais alguns metros dali e volta-se

para a direção do carro onde está a Agente.

Ela observa, sem tirar os olhos da direção do estranho.

Mulder sai da loja onde se encontrava, carregando sacolas. Entra no carro. Coloca as sacolas no banco traseiro.

— E aí, lindinha? Será que esqueci de trazer alguma coisa?

Ela olha para as sacolas lá atrás:

— Espero que esteja aí o que mais gosto sempre.

Huum... entendi, lindinha.

— Entendeu o quê? — sorri.

— Sei lá o que você está me cobrando!

Ahn... você me entende...! — sussurra, fitando-o ardorosamente.

Ele a aperta entre seus braços.

— Não, Mulder, vamos embora daqui logo.

— Tá, então. — continua agarrado a ela.

— Falo sério, Mulder! Quero sair logo daqui!

Agora ele afrouxa os braços que a seguram:

— Por que a pressa, Scully?

— É que tem um homem estranho por aqui.

Ele olha em todo o entorno de onde estão, dentro do carro:

— Quem, Scully? Onde está?

Ela também olha ao redor:

— Agora não o vejo. Veio até aqui pedindo emprestado uma ferramenta. — e conta o acontecido.

— Bom, vamos mesmo. Mas seria, no caso algum assaltante?

— Não sei...

— ... porque nesse caso vou dar uma olhada.

— Não, Mulder! — puxa-lhe o braço.

— Claro que sim! Vou deixar um cara suspeito ficar rodando por aí, Scully? Nem pensar!

Dana dá um suspiro:

— Ah, meu Deus! Pra que fui falar nisso?!

— Calma, Scully. — mexe na tranca da porta.

— Mulder... — sussurra com doçura — ... por favor, precisamos de sossego. Não vamos estragar nosso dia

procurando problemas para resolver... por favor! — ela o acaricia, com os dedos passando em seu pescoço.

Mulder a observa; um sorriso se desenha em seu rosto.

— Eu obedeço, Scully. Vamos embora, lindinha. — dá marcha no veículo.

Saem dali.

 

*   *   *

Com o veículo parado diante do mar, os dois olham às sua frente, contemplando com prazer a paisagem ao anoitecer

O sol se escondendo àquela hora traz sensação de tristeza.

— Ai, não gosto do por do sol! — ela comenta.

— E eu estou lembrando de algo.

— Do que, Mulder? — ela encosta a cabeça no ombro dele.

— É uma história. Um deus grego, Helios, ficava aborrecido com o amor exagerado de sua amada Clítia.

— Nossa! — será que você também fica aborrecido comigo, amor?

Ele dá uma risadinha:

— Para, Scully! Deixa eu terminar a história. — dá um beijinho nela — Então continuando... o deus

Hélios, cansado porque Clítia o adorava tanto, transformou-a numa flor: a girassol. Por isso os girassóis fitam

continuamente o sol. E é também por isso que o girassol simboliza a paixão cega.

— Sério? Em parte, meu bem, você está ligado a um tanto dessa história.

— Por que?

— Porque você vive o tempo todo saboreando as sementes de girassol.

Ele ri, levantando a cabeça, curtindo as palavras de Dana.

— Escuta só mais essa: Hugo van der Goes pintou a serpente que seduziu Adão e Eva como um réptil

amarelo-esverdeado, com cabeça humana. Os insetos, os menos apreciados dos seres vivos, não tem sangue

vermelho e sim amarelo. No nosso idioma yellow também significa covarde, certo? Na França e na Russia

"uma casa amarela" significa "maison jaune/zeltyi dom" - um manicômio.

Ela retira a cabeça do ombro dele:

— E o que significa tudo isso que você está me explicando?

— É que a cor amarela é a cor da inveja, do ciúme e todo tipo de hipocrisia.

— Como assim, Mulder?

— É o seguinte: a cor amarela com preto simboliza inveja. Com verde, preto e violeta simboliza o ciúme. Com

cinza, preto, marrom e verde é a avareza. Enfim, com preto, vermelho, violeta, simboliza o egoísmo.

Agora Dana dá uma risada com gosto:

— Boa essa! Agora quero saber sobre outras cores.

— Agora não. Vamos embora. Depois eu conto.

 

"As cores na pintura são como chamarizes que

 seduzem os olhos, como a beleza dos versos na poesia."

Nicolas Poussin