CRESCENTE SOFRIMENTO
"O sofrimento é tão inseparável do
amor como o espinho da rosa."
Carlos Malheiros Dias
Capítulo 37
Na sua desarrumada mesa de trabalho, Mulder vasculha impacientemente, procurando algo.
Suas mãos agem com rapidez e com a mesma rapidez, seu cérebro vai delineando cenas de sua vida agitada de um responsável Agente Federal.
E, enquanto está à procura do papel, vai retirando de um pequeno pacote as sementes de girassol para mastigá-las uma a uma.
Não sabe porque, sua mente hoje está voltada para casa; para Scully.
Sente que está quase sem concentração no que faz.
Há uma certa preocupação pairando no ar. Não sabe, realmente, por onde começar a rebuscar a mente para descobrir a origem de tantos pensamentos negativos que estão surgindo a cada dia.
Só sabe que há uma ligação entre seu cérebro e seu coração, trabalhando conjuntamente, arrastando-o, a cada dia, a meditar sobre sua vida profissional e principalmente sua vida sentimental.
Mas está todos os dias agora ao lado de Scully!
O que lhe faltaria para ser feliz? Nada! Ela é o seu tudo: o seu apoio, o seu descanso, o seu encanto, enfim, o resumo de toda sua vida!
Mas existe algo que o está fazendo sofrer. Algo que não sabe bem o que, mas que o está maltratando intensamente. Está consciente de que é o culpado involuntário pela infertilidade de Dana, pela morte de sua irmã... mas disso ela o havia perdoado há tempos! E então, por que esse sofrimento?
Sente-se tão abatido! Parece que lá no fundo, bem escondido, existe uma saudade.
Saudade?! Por que?
Mulder bufa de inquietação. Sente-se mais e mais tenso.
Continua sua busca pelo papel que perdera.
"Não é possível! Estava aqui em cima da mesa e eu acabei misturando-o à papelada que está aqui em cima. Tenho que achá-lo! É muito importante pra mim e ao mesmo tempo não convém deixá-lo misturado a essa montanha de documentos!" - assim ele pensa, atordoado.
Vira e revira pastas e documentos, sacudindo até alguns, na esperança de ver surgir o papel procurado. Um manuscrito.
Em um dado momento, após procurar o alvo de sua preocupação, após andar de um a outro lado da estante, suspira profundamente e resolve dar uma trégua em sua busca.
De pé, no meio da sala, mão sobre o rosto cansado, olhos fechados, sente-se como que perdido.
Perdido num mundo dificil, onde tudo é complicado. Num mundo sem aspirações, sem ideais.
Mas... por que? Por que sente-se assim?
Passa a mão pesadamente sobre os olhos, morde o lábio inferior, com desgosto.
Mas o pensamento retorna ao papel perdido. Onde deve estar? Talvez até o tenha deixado em casa, mas tem a nítida impressão de que o deixara sobre a mesa, entre os papéis. Pode ser isso.
Sabe que Scully chegaria mais tarde ao escritório por ter ido resolver casos particulares.
Toma o paletó do espaldar da cadeira e veste-o, dirigindo-se a seguir, para a porta.
* * * * * *
Scully chega ao escritório preocupada pelo atraso. Olha o relógio de pulso.
Observa que Mulder ali não se encontra.
Não sabe onde ele deve ter ido. Afinal, não lhe dissera.
Prepara-se para sentar-se diante do computador. Liga-o e aguarda por segundos.
Pega os relatórios que se encontram numa pasta sobre a mesa do micro. Ao levantar a pasta, vê um papel dobrado. Abre-o e lê:
"Dana Scully,
minha vida.
O que se passa dentro de mim é impossivel de explicar, mas desejo dizer-lhe algo que há muito, muito, eu deveria ter-lhe falado com minhas próprias palavras, mas infelizmente, como sou um "estranho" ser, não sinto-me muito à vontade para dizer certas coisas para você.
E entre essas "certas coisas" que devo dizer-lhe é que você é o amor da minha vida.
Eu nunca tive nada, realmente, Scully.
Não tive uma boa infância, nem ótima adolescência; apenas tive problemas, tristezas, desenganos, árduos trabalhos .
Mas surgiu você. A dona do mundo que eu construí. O meu mundo de decência, de honestidade, de pureza de alma, de caráter, de ternura, de amor, de felicidade.
E você é este meu mundo inteiro, completo, Scully!
Eu queria, Scully, poder tirar de minha mente os tormentosos pensamentos de quantas coisas lhe aconteceram por minha causa, e pelas quais me sinto derrubado por vezes, ao pensar em quanto tudo poderia ser diferente entre nós.
Poderia sim, ser diferente a nossa vida, completada com alguma coisa que nos alegraria a alma, a vida!
Você sabe bem a que me refiro, Scully, e assim nossa felicidade seria completa.
Quando então penso no que poderia ter sido, meus pensamentos atormentam-me e sinto-me culpado.
Mais uma vez peço: me perdoa, Scully!
Quero então dizer-lhe algo que me deixa a cada dia mais preocupado: há em meu interior, a nítida sensação de que logo eu não estarei com você, ou melhor, vão tirar-me de você ou vão tirar você de mim por algum tempo.
Quanto tempo? Para sempre? Não sei. Não o posso pressentir.
Scully, quando isso acontecer, saiba que todos os meus pensamentos serão para você; estarei lembrando-me dos seus olhos, da sua face, do seu sorriso lindo, Scully.
Estarei lembrando seu jeito amuado quando contesta o que digo, do seu corpo à mercê dos meus carinhos, meus desejos, a sua submissão feminina e frágil sob o poder das minhas ânsias de homem apaixonado.
Scully... e eu me pergunto: e então? Como será? Como será o vazio da minha vida sem você?
Sem estar com você após esses longos sete anos de convivência, de harmonia... vendo-nos dia-a-dia, falando-nos, tocando-nos, amando-nos...?
Scully... e você, Scully? Sei, estou certo mesmo de que sofrerá, mas não podemos fazer nada contra esse desígnio.
E volto a me perguntar: seria possível uma reviravolta na vida e nada disso tivesse que acontecer?
E mais uma vez vem-me um pensamento: e se nada do que estou imaginando acontecer, eu serei muito feliz, Scully! Muito feliz em estar com você, muito feliz em ter você em meus braços a hora em que eu desejar, porque você é a paixão que eu tenho, o amor. Você é o presente, foi o meu passado e será o meu futuro, Scully!
E se nada desse presságio acontecer, jogarei fora esta carta, jogarei fora essas palavras de despedida que coloquei aqui e tudo voltará a ser normal novamente e poderemos ser felizes, sem empecilhos.
Scully, eu te amo!
Teu Mulder "
Após ler a última palavra, uma lágrima cai sobre o nome de Mulder, escrito no final da missiva.
Dana sente-se terrivelmente infeliz. Chora.
"Por que Mulder fica sempre com esse trágico pressentimento? O que está acontecendo, que o faz sentir essa sensação de perda e sofrimento? E se acontecesse, realmente, uma coisa tão triste como essa, como resistiria eu?
"Dana levanta-se, dobra a carta, cuidadosamente e a coloca dentro de seu soutien.
As lágrimas continuam descendo lentamente, enquanto guarda a carta.
Seus olhos estão fixos num ponto do espaço e deixam liberar através das lágrimas que escorrem, o sufocamento, a angústia e o sentimento de infelicidade que a abate.
"Eu tenho medo, meu Deus, de ficar sem ele... ficar só, não tê-lo mais junto a mim...!"
Os soluços quebram-lhe o peito dorido.
O incômodo enjôo estava tomando conta de seu estômago, agora.
A náusea, a tonteira, a sensação de desfalecimento, tudo havia se instalado dentro dela.
A porta sendo aberta neste instante, a faz voltar-se e sair de seus pensamentos.
Retira o paletó. Coloca-o sobre o espaldar de uma cadeira. Respira fundo. Olha para Dana.
Esta fita-o, ininterruptamente, com os olhos rasos d'água.
Enquanto está ocupado em, com movimentos rápidos, afrouxar mais ainda o colarinho da camisa, deixando a descoberto uma pequena parte de seu peito, não repara que Dana não retira o olhar de sobre ele.
E já está pronto a jogar-se na cadeira, segurando nos dois braços dela, quando, por fim, nota o olhar desconsolado de Scully em sua direção.
Antes de sentar-se, então, vai desistindo do gesto que está prestes a fazer e lentamente e olhando para Dana, reergue-se.
Fita-a de onde se encontra.
Ela, ainda levada pelos sentimentos angustiantes que a carta havia lhe deixado, e com os olhos lacrimosos e indagadores, continua com o olhar fixo em Mulder.
Aproxima-se. Abraça-a, carinhoso.
Vem à mente de Scully os momentos em que apenas acarinhavam-se, numa ternura sem fim, mas nem por instante seus gestos os levavam a uma carícia mais avançada do que um terno beijo na face ou na testa.
Scully mantém-se entre os braços de Mulder quieta, os olhos cheios de lágrimas, coração irrequieto, mente célere em busca de respostas.
Mulder afaga-lhe os cabelos, beija-os mansamente.
Parece até querer somente tocá-la muito sutilmente, como se desejasse não despertá-la para uma realidade que ele não sabe ao certo prever.
Por alguns minutos permanecem assim.
Ela sente o calor do corpo dele junto ao seu, a respiração tranquila, mas uma grande, infinita tristeza parecia estar crescendo dentro dele.
Ela percebe isso. Sente. A sua intuição denuncia.
Mulder continua abraçando-a com calor, porem Dana apenas recebe seu abraço, agora. Não corresponde aos seus afagos.
Ela não fala. Apenas sente o corpo dele aquecendo o seu. A respiração dele encontrando a sua.
Ela solta-se de seus braços, agora.
Retira de dentro de seu soutien o papel dobrado e mostra-o a Mulder.
Imediatamente os olhos dele enxergam o papel que levara a manhã inteira procurando, entre os dedos trêmulos de Dana.
Seu rosto se contrai de dor e angústia.
Ele abraça-a, novamente.
Ambos choram.
Os pensamentos de ambos são definitivamente iguais.
"Por que tanto sofrimento? Já não basta o isolamento sentimental em que ambos vivemos por tantos anos? Quando descobrimos, agora, que podemos viver em paz, essa infelicidade nos abate e nos derrota!"
Ele aperta-a mais contra si. Fala, ainda entre seus cabelos.
Dana afasta-se novamente dele.
Dirige-se para outro lugar da sala.
Uma grande leveza em sua cabeça a faz tombar e está prestes a cair, quando ele a segura, fortemente.
Ele continua segurando-a, preocupado.
O silêncio foi a resposta.
Ela tem em sua mente toda a dúvida pela qual tem passado esses dias.
E agora a tristeza e a preocupação dos fatos que a envolve é angustiante.
"As pequenas tristezas falam;
as grandes são mudas."
Godwin