UMA QUESTÃO DE TEMPO
"Não procures esconder nada;
o tempo vê, escuta e revela tudo."
Sófocles
Capítulo 38
Os pensamentos de Mulder o atormentam.
O silêncio de Scully o incomoda.
Os acontecimentos do passar dos dias o perturbam.
Sente sua vida como que dando uma guinada para trás, não para voltar aos tempos passados, mas para retornar aos revoltosos desejos de uma busca incessante, sem fim, mas a coisas ocultas no seu ser, tais como correr atrás dos seus maiores e mais reais sonhos, como a felicidade que deseja a todo custo conquistar.
Com Dana presa em seus braços tenta colocar as idéias em ordem.
- Mulder... - ela balbucia.
- Sim, Scully.
- Por favor, me fala...
- Han... han.
- Me fala, Mulder! - suplica, chorosa.
- Mas como, Scully? Eu não posso te explicar, porque eu também não sei... ao certo!
- Mulder, você diz que vai me deixar!
Ele aperta-a mais contra seu peito.
- Não, não! Eu não disse que vou te deixar! Não, Scully! É algo que não posso explicar! Eu só sinto que vão nos separar! É isso!
Ela soluça entre seus braços. Pequena. Frágil. Como um ser desamparado, necessitado do calor de um abrigo.
- Scully... - retira-lhe os cabelos da testa, carinhoso - ... olha, eu quero te falar uma coisa... - afasta de seu peito a face dela, para melhor observá-la, amoroso - ... não vou nunca mais tocar nesse assunto...! Eu prometo.
- Você está me fazendo sofrer, Mulder!
- Não... não... quero te falar uma outra coisa. - dá rápidos beijos na face dela, no queixo, na nuca, a fim de descontrai-la.
- Eu não queria que esse papel fosse parar nas suas mãos, Scully! É um pensamento, apenas! Sabe o que? Escrever aí, desabafar um pouco nas letras colocadas num papel é um bom modo de melhorar as coisas pra mim! Estou muito perturbado, Scully! O que eu não queria que acontecesse, infelizmente foi justamente o que eu não previa! E eu não queria que você lesse, Scully! Eu não queria que você encontrasse esse papel que contém o meu desabafo!
- Mas é como uma despedida, Mulder! - ela diz, num queixume.
- Não... nunca, nunca! Eu te amo, Scully! Você sabe disso.
- Isso você diz na carta...
- Sei, Scully, sei... olha, vamos esquecer esse assunto. Vamos?
- Esquecer? Simplesmente... assim? Mulder, você está me fazendo sofrer, Mulder!
Ele aperta-a ainda com mais força entre seus braços fortes, com um gemido.
Scully deixa-se abraçar, mas sente-se ferida, queixosa.
- Por que você não me diz o que, na realidade, tem no pensamento?
Ele afasta-a para mirá-la no mais profundo dos seus olhos molhados e azuis.
O olhar perscrutante dele penetra o âmago da alma de Scully, que sente-se mais ainda atormentada.
- Scully, eu não posso falar a você o que eu mesmo não... tenho certeza... eu não sei! Eu sinto-me perdido num mundo que me traga todos os meus sentidos, Scully! E você é a minha tábua de salvação. Me ajuda, Scully! Eu não quero mais pensar nisso, atormentar-me assim... ahn? Você me ajuda?
Dana toma o rosto dele entre suas mãos.
- Às vezes você é como um menino, Mulder! Eu sempre estive do seu lado, a qualquer momento, em qualquer situação, não é? Por que me pede isso, agora? E por que não tira de sua mente essa idéia tenebrosa? Nós precisamos agora viver, Mulder! Viver nossa vida, nosso amor! Somos um do outro, agora! Por que pensar em tristezas, amarguras, em coisas desgastantes pro nosso coração?
Beija-o entre os olhos, amorosamente.
O telefone desconcentra-os, tocando estridentemente.
Mulder dirige-se à mesa e pega o aparelho. Atende.
- Mulder.
- Agente Mulder? O senhor Skinner o chama na sala dele, urgente.
- Já estou indo. Obrigado.
Pega o paletó do espaldar da cadeira.
Dana permanece estática. Seus pensamentos estão longe. Está sofrida. Cansada. Sente seu coração com pulsações alteradas.
Leva a mão à testa, como que desejando retirar, assim, todos os pensamentos desagradáveis que a torturam.
- Scully... - ele aproxima-se - ... você está bem?
- Sim. - responde, com voz cansada.
- Você não disse que ia marcar os exames? Pensei até que os tivesse feito hoje.
- Não deu, Mulder.
Ele meneia a cabeça, imperceptivelmente, concordando com o que ela diz.
- Não pode deixar pra lá, Scully!
- Eu sei, Mulder, eu sei...!
Ele afasta-se rapidamente. Sai do escritório.
Scully permanece no mesmo lugar. O olhar acompanhando os passos de Mulder.
"Meu Deus, o que está acontecendo? O que Mulder está me escondendo? Sinto-me tão infeliz! Mas não tenho que deixar o desespero entrar dentro de mim. Tudo que precisamos é esperar e... é tudo uma questão de tempo!"
* * * * * *
- Scully, lembra daquele dia em que não quis pipoca com manteiga? - traz às mãos uma tijela.
- O que tem?
- Pois obedeci, e essa aqui está sem nada.
- Muito bem... - ela o olha, atenta - ...Mulder...
- Que é?
- Você não fica zangado?
- Por que?
- Eu hoje não quero comer pipoca.
- Não?! Por que?
- Ai, Mulder! Não posso nem sentir o cheiro...!
- Ah, Scully... outra vez o enjôo?
- É... - levanta a cabeça, procurando respirar melhor.
- Você deve estar sofrendo do estômago.
- É ... deve ser, Mulder.
- Amanhã eu mesmo vou marcar uns exames pra você.
- N... não, Mulder! Deixa! Eu posso fazer isso. Deixa que sei como devo fazer, tá?
- Promete?
- Prometo.
Ele deita-se, colocando a cabeça em seu colo.
Ela afaga-lhe os cabelos castanhos, lentamente, pensativa.
- Mulder... às vezes eu fico pensando...
- No que?
- Em coisas que não devo...
- Como possuir um iate e fazer um cruzeiro por aí?
Dana ri, divertida. Curva-se e beija-o levemente nos lábios.
Continua afagando-lhe os cabelos.
Mulder fecha os olhos, recebendo com extremo prazer o gostoso afago.
- Scully, você sabe que o Skinner vai nos dar um fim de semana prolongado?
- Ele disse isso?
- Disse; hoje pela manhã.
- É claro que eu só acredito vendo.
Mulder sorri.
- Lindinha, você é terrivel! - faz uma pausa, olhando-a, com ar divertido.
Levanta-se do colo dela.
Scully passa a escovar os cabelos, sentada no sofá.
- Mulder?
- O que?
- Você outro dia falou-me que queria passear num veleiro...
- Quer, Scully?
- Sim. - pára de escovar os cabelos para olhá-lo.
- Vem cá. - ele a chama para si.
Ela atende.
Abraçam-se com calor.
- Scully, eu preciso muito de você, sempre.
Ela o fita com os olhos rasos d'água.
Algo os faz sensibilizarem-se neste momento e sentirem-se fragilizados.
- Preciso muito de você. - ele repete.
- Tanto quanto eu de você.
- Mais, muito mais!
- Mulder? - acarinha-o como a um menino - Nós vamos passear mesmo?
- Duvida?
- De jeito nenhum.
- Scully...
- Sim?
Aperta-a com força contra seu peito.
- Eu só dependo de você. Eu só tenho você, Scully... não tenho mais ninguém.
- Eu sei...!
- Há momentos em que me sinto tão solitário, Scully!
- Não, Mulder... não está! Eu estou sempre com você!
- Sempre! - ele repete, com um profundo suspiro.
- Sempre, sim! Não duvide disso!
- Não duvido.
- Mulder...
- Que é?
- Já é bem tarde. Vamos dormir?
- Estou sem sono...
- Depois de um dia cheio, está sem sono?
- É, sim.
- Precisa dormir, hum?
- Preciso... muito! Mas por enquanto...
- O que?
- Vamos conversar mais um pouco?
- Ok.
Ele afaga-a, mansamente.
- Eu te amo, Scully. Nunca se esqueça disso!
- Mulder!? - ela retira a cabeça dele de seu peito para fitá-lo, com ar aborrecido.
- Não, Scully, não é para falar de coisas ruins, apenas para você lembrar! - ri, divertido.
- Me leva pra cama.. - ela pede, sem sorrir.
Ele a pega, como a uma boneca. Deita-a Ajoelhado sobre o colchão, fica assim por uns segundos; acomoda-se ao lado dela. Estira-se com um longo gemido.
Scully o cobre, cuidadosamente com o cobertor.
- Huuuumm... gostoso! - ele diz - Dormir com alguém é diferente! Quando eu vivia só, Scully, eu sofria.
- Mas agora não sofre mais. Eu estou aqui.
- Você está aqui. - repete.
- Sempre. - afaga-o como a um menino.
- Scully...?
- Que é?
- Eu não estou com sono...
- Vai dormir, sim.
- Não posso.
- Pode, sim.
- Vou tentar.
- Claro. E vai conseguir logo!
Ele introduz, com sutileza, a mão no decote da camisola de Dana, para sentir a maciez de sua carne.
- Scully...?
- Sim?
- Nós vamos realizar nosso sonho.
- Qual deles?
- O veleiro, Scully!
- Sei... mas já dizia Ernesto Psichiari o seu sábio pensamento...
- Qual?
- "Mais vale ter coragem de dizer adeus aos nossos sonhos, do que teimar em correr atrás deles"
- Nada disso, Scully! Eu vou continuar correndo atrás dos meus, pode ter certeza!
Ela suspira, profundamente.
Mulder olha-a de soslaio para concluir:
- E vou conseguir realizar todos eles! É só...
- O que?
- ... uma questão de tempo!
"Tem muito tempo
aquele que não o perde."
Fontenelle