ALEGRES E FELIZES

 

"Só teremos alegrias se as repartirmos;

a felicidade nasce gêmea."

Lord Byron

Capítulo 39

O entardecer traz aquele sentimento de nostalgia, que sempre povoa o coração de Dana.

Seu cérebro rebusca, através de pensamentos voltados para o passado, a fim de encontrar respostas para o que a perturba tanto.

Faz voltar a mente a épocas remotas e recordar que naquela fatídica ocasião em que fôra abduzida por alienígenas, tivera o desgosto de saber que, dali para a frente, jamais poderia conceber um filho.

Lembra o semblante contristado de Mulder, naquele 14 de dezembro de 1997, fazendo a declaração diante do Juiz Richard Maibum de que sabia que ela tivera seus óvulos extraidos e que Emily, viva ainda, na época, era realmente sua filha, pois fôra concebida de seus óvulos retirados e gerados em outra mulher, que criara a criança.

Seu organismo fôra vilmente violado por pessoas inescrupulosas, sem um mínimo sequer de respeito pelo seu próximo.

Sente-se enojada. Chateada. Revoltada.

Quisera poder voltar atrás e viver uma nova vida. Viver tudo de novo, mas podendo reorganizá-la, reestruturá-la. Refazê-la, enfim.

E tudo seria diferente, então.

O ruído das folhas de um jornal desperta-a de suas meditações.

Mulder lê atento as notícias no vespertino, com o corpo estendido na espreguiçadeira branca.

Dana continua em atitude de descanso na sua cadeira, vendo as ondas agitadas do azul profundo do mar, encrespando sobre a superfície brilhante das águas, refletindo o vermelho sol do poente.

Diante de Mulder e Scully um casal com uma criança, passa agora. Demonstra felicidade e paz.

O pai, com a criança ao colo, faz-lhe afagos, alegremente.

Mulder o observa, olhando por sobre o jornal aberto que está diante de seus olhos.

Seu olhar desvia-se, automaticamente, para Dana ao seu lado.

Ela fita as três pessoas à sua frente, que estão caminhando lentamente pelo convés do navio.

Os pensamentos que a assolavam minutos atrás, originaram-se a partir do momento em que havia avistado o feliz casal e a criança à distância.

Agora Dana acompanha de perto o movimento dessas pessoas.

A jovem ao lado do homem com a criança lhe sorri, amavelmente.

Dana retribui seu sorriso.

Interiormente sente-se tensa. Triste. Frustrada.

O casal continua a caminhar, afastando-se de sua presença.

Mulder, após observar o olhar de Dana sobre os três que haviam passado, sente-se incomodado, como sempre costuma acontecer.

Dana está agora com a cabeça reclinada sobre as costas da cadeira e suspira. Fecha os olhos. Entrega-se a seus devaneios.

Mulder estende a mão para segurar a dela, que está apoiada no braço da espreguiçadeira.

Ela a aperta, demonstrando carinho.

Rapazes e moças passeiam, agora, pelo convés.

Duas moças e um rapaz ocupam as cadeiras reclinadas próximas.

Um dos rapazes permanece recostado à amurada do convés, olhando para o lado de dentro, para quem passa próximo a Mulder e Scully.

Mulder levanta-se e afasta-se.

Scully volta à sua meditação. Fecha os olhos. A pouca claridade que ainda resta do pôr do sol, ainda penetra pelo convés a dentro.

Dana percebe que alguém está sentando-se ao seu lado.

Dana volta-se para ver quem a havia cumprimentado.

O homem pigarreia.

Dana reclina novamente a cabeça e fecha os olhos. Sente-se incomodada pelo importuno. Só interessa-lhe agora meditar, pensar nos últimos acontecimentos de sua vida...

Por alguns segundos ela sente-se perturbada com a pergunta. Embaraçada mesmo.

O que deveria responder, afinal?

Num relance olha sua mão esquerda para lembrar-se a seguir que nenhuma ligação mais séria tem com Mulder, a não ser o seu profundo amor. Nada mais.

O homem levanta a mão, demonstrando-lhe entender.

Aliviada, Dana já percebe a figura de Mulder aproximando-se . No seu andar característico, jogando os pés, corpo num discreto balançar, cabeça pendente para a frente.

Intimamente ela pede a Deus que faça aquele desconhecido retirar-se de sua presença.

O rapaz afasta-se.

Mulder senta-se na espreguiçadeira, entregando a garrafinha de refrigerante à Dana.

Levantam-se.

Imediatamente Scully toma a mão de Mulder. No seu íntimo esse gesto terno é para demonstrar àquele homem indiscreto e importuno que Mulder é o seu amor, o seu namorado, o seu amante, o seu homem.

E ela é inteiramente dele. Somente.

Caminham vagarosamente.

O céu já escurecera bastante e o navio corta as águas revoltas do mar com rapidez.

A lua já aparece no alto do céu, banhando de prata as ondas escuras do mar revolto.

Uma brisa leve e fria sopra, agitando os cabelos de Dana.

Param de caminhar. Encostam-se na amurada.

Mulder abraça-a, enquanto estão debruçados, apreciando a natureza amedrontante diante deles.

Somente céu e água. Nada mais.

Mulder aperta-a pelos ombros.

Scully contempla a face amada. Não cansa de admirá-la. Jamais.

O nariz agudo, os olhos pequenos perscrutantes, os lábios extremamente sensuais encobrindo os dentes levemente salientes.

Um conjunto maravilhosamente apaixonante a seus olhos.

Mulder bebe o conteúdo da pequena garrafa que tem em mãos. Joga-a nas águas.

Tem as mãos desocupadas agora e aperta Scully contra si, ardente.

Dana coloca diante de seus olhos a sua garrafa.

Ela responde negativamente, com um meneio de cabeça.

Mulder toma o refrigerante de sua mão, coloca-o numa das mesinhas ali expostas.

Volta-se para Dana. Toma-a em seus braços.

Ele a fita profundamente nos olhos.

Parece a Scully ver uma discreta lágrima nos olhos dele. Um nuvem de tristeza.

Ela agarra-se ao peito dele, fortemente. Neste exato momento sente-se amedrontada pelo futuro e o que ele pode trazer-lhes.

Separam-se. Voltam a caminhar vagarosamente pelo convés.

Abraçados, cada um tem em seu pensamento um misto de felicidade, paixão e receio lá dentro, bem no fundo do coração.

Mas nenhum dos dois irá citar isso ao outro.

Esse medo não pode sobrepujar os momentos de paz que estão desfrutando agora.

Descem as escadas para alcançar os corredores, onde localizam-se os camarotes.

* * * * * *

Mulder, refestelado sobre o leito, observa detalhadamente através da vigia, o movimento incessante das águas e o seu rumor.

Scully dá uma risada, divertida com a bobagem dita por ele.

Dana vai em sua direção e joga-se sobre ele, que continuava deitado, relaxadamente.

Dana dá pequenas mordidas no queixo de Mulder.

Sente-se, neste minuto, muito bem, tanto física, quanto psicológicamente.

Eles agarram-se, deitados.

Falam-se rostos quase unidos, sentindo mutuamente as respirações.

Ela agora distende a face num amplo sorriso em direção dele.

Ela murmura no ouvido dele:

Ela assente e pula rapidamente para fora dos braços dele.

Está alegre, sorridente, feliz, satisfeita. Ama e é amada.

"É mais fácil obter o que se deseja com

um sorriso, que à ponta de espada."

Shakespeare