EMOÇÃO E RAZÃO

 

"Deus colocou a cabeça mais alta que o

coração para que a razão pudesse

suplantar os pensamentos."

 

Capítulo 4

Mulder e Scully saem do bar dançante à beira-mar.

- Ufa! - despeja Mulder um desabafo - Eu já não agüentava mais tanta conversa

fiada...!

Scully não responde.

Lá no alto do céu estrelado a lua continua a resplandecer seu brilho tênue e azulado sobre

todas as coisas, dando um toque prateado nas folhagens e pedras que tornam-se visível no

local.

Eles caminham vagarosamente por sobre a calçada de pedra.

O rugido manso do mar quebrando suas ondas é só o que podem ouvir de onde estão.

Havia ficado para trás o bar, a música, o burburinho...

- Mulder...?

- O que, Scully?

- Você me deve algo; lembra-se? - abre um sorriso nos lábios.

- Claro que sei. - mete a mão no bolso - Tome seu relógio.

Dana faz um gesto para pegá-lo das mãos de Mulder, porem este a impede:

- Eu o tirei de seu pulso; eu mesmo tenho que recolocá-lo.

Ela permite.

Os dedos ágeis e firmes dele recolocam o relógio no pulso de Dana; prende o fecho com

cuidado.

Dana acompanha seus movimentos com um leve sorriso; percebe que as pontas dos dedos

dele como que, propositadamente, acariciam sua pele.

E enquanto somente observa as mãos de Mulder, no íntimo, porem, lá no fundo, percebe

que o desejo mais premente no momento é o de olhar os cabelos dele, as linhas de seu

rosto, o verde transparente dos olhos, a boca sensual.

Ela sente que sua mente comanda:

"Como é, Dana? Tu o amas com toda a força do teu coração... tu o desejas mais que tudo,

desejas tê-lo junto de ti, para que ele sinta o calor que emana do teu corpo... para que te

deixe em êxtase... como uma flor que aguarda a gota de orvalho cair em seu âmago e

agradecer com o perfume que dela exala na mais profunda forma de amar...!"

Num repente Dana sente a garganta apertar-se-lhe como que se dela estivesse se

desprendendo o jato de um pranto prestes a sair.

Por dentro ela chora, porque deseja deixar que o instinto vença toda aquela indecisão

porem existe a racionalidade, a pura atividade especulativa do espírito, para conter os

seus impulsos.

- Pronto, Scully , já está com seu relógio. Mas é bom que não fique olhando as horas...

- Por que não, ora essa?

- Eu lhe digo: o relógio marca apenas 1:30 da madrugada.

- E daí?

- Você já quer ir embora?

- Mulder, não acha que já passeamos bastante por hoje?

Ele sorri levemente, fitando-a com os olhos perscrutadores:

- Estou brincando com você, Scully, vamos embora.

" Vamos embora?! - protesta dentro de seu peito o coração - Não! Eu quero ficar mais

ainda, Mulder! Quero cada vez mais a tua presença junto de mim... Mulder! Mulder! Eu

já não agüento mais! Eu me rendo! Eu me entrego! Sou tua, Mulder! Fica comigo!!"

Embora o coração estivesse gritando assim em forma de protesto, a razão a fazia caminhar

vagarosa e silenciosamente ao lado dele, olhando o mar desmanchando suas ondas na

areia, à distância.

" Quantas vezes já gritei teu nome, Mulder, nas horas de perigo, de dor, de medo... e

sempre me acodes, Mulder... e agora? Agora esse grito mudo que me vem do fundo da

alma e que não podes ouvir... " - continua ela absorta em seus pensamentos.

- Scully...?

Ela ouve chamá-la.

- Estava longe, Scully? Chamei-a duas vezes e você não ouviu...

- Não... não estava longe, Mulder, desculpe. - abaixa a voz num murmúrio para si -

Estava perto demais...

- O que?

- Eu não disse nada. - mente.

- Ah, pensei...

 

**************************

 

Scully entra no apartamento, joga as chaves sobre a mesa.

Mesmo ainda vestida, jogada em sua cama enquanto mantém os olhos abertos, pensativa,

está sem conseguir conciliar o sono.

Não sabe porque sente-se vazia, num desgaste mental, físico, sem objetivos na vida, sem

ideais...

Nesses dias todos passados tem sentido vários tipos de emoções: melancolia, solidão,

entusiasmo, e nessas últimas horas muitas distrações, no entanto agora abate-a o

sentimento do desamparo.

Nunca se havia sentido tão só, tão sem carinho, sem ninguém...

Um profundo e magoado suspiro desprende-se de seu dorido peito.

Por que?

- Nem eu mesma sei... ou melhor sei... porem nego a mim mesma meus sentimentos .

Fala, num sopro, para si.

Lágrimas inundam-lhe o olhar e ela deixa-lhes rolarem pelas faces, amigas inseparáveis da

sua solidão.

**************************

Mulder voltara do quarto e joga-se agora no sofá após ter passado várias horas sem

conseguir fechar os olhos para dormir.

Um vinco de preocupação sulcado na testa, um ar de amargura insinuando-se-lhe no

rosto, uma lágrima discreta toldando-lhe o olhar de homem maduro, inteligente, forte,

destemido, intelectual, mas tão infeliz, tão carente, tão solitário...

"Por que ela nunca me entende e nem me permite fazer-me entender?" - pergunta-se a si

mesmo em pensamento.

Coloca a cabeça entre as mãos, os cotovelos apoiados nos joelhos.

Sente-se mal, sente-se perdido como um menino desamparado.

A sua necessidade por uma companheira para todas as horas é uma coisa de extrema

importância na sua vida, agora. Sente isso.

Não dá mais para enganar-se a si mesmo. Necessita de chegar à sua casa e ter alguém à sua

espera. Aliás, - conserta os pensamentos - não é exatamente ter alguém à sua espera ao

chegar em casa. O caso é exatamente de que o Agente Especial Fox William Mulder

necessita é ter Dana Katherine Scully como companhia ao entrar em casa. Sempre.

Tê-la junto a si nos momentos de alegria, de tristeza ou dor, compartilhar das frustrações

ou das vitórias, enfim ter Dana ali ao seu lado, ter seu carinho, seu zelo, sua fortaleza,

suas convicções, seu corpo... sua vida... que é imprescindível para a sua própria.

Mulder tem os olhos cansados por não dormir. Sente que merece um pouco de descanso.

Seu olhar volta-se para o telefone celular no chão, descuidadamente colocado ao lado do

sofá.

Fita-o como se esperasse do frio objeto um auxílio, uma palavra de conforto.

No mesmo instante o tilintar do telefone o faz assustar-se e piscar várias vezes.

Estende a mão para pegar o telefone no chão.

Atende:

- Mulder.

- Mulder, sou eu.

- Scully...! - murmura - Scully... que bom!

- Mulder me perdoe por ligar a essa hora, mas é que precisava lembrá-lo de que o

Skinner avisou-me de que teríamos que fazer uma viagem depois de amanhã e eu...

idiota... esqueci de avisá-lo logo. Me perdoa?

- Claro, lindinha.... - faz uma pausa - Scully, eu não consegui dormir até agora,

acredita?

- Mulder, eu também. Acho que devido ao dia excitante que tivemos.

- Você tem razão, Scully... - pausa - ...eu preciso de você, de sua atenção, sua

ajuda, porque acredito que não tenho mais estrutura mental para agüentar... e nem

física!

- O que é isso, Mulder? Fraquejando?

- Não me refiro ao trabalho, Scully...

- O que, então?

- Scully... - suspiro - ... porque é tão difícil você me entender?

- Entender o que, Mulder? Fala!

- Falar?! Quando eu falo o que sinto você me contesta!

Ela nada responde.

Mulder sabe que é justamente porque entendeu sua queixa que ela permanece calada.

Há um silêncio de alguns segundos.

- Scully... dormiu na linha?

- Mulder...

- Sim, fale.

- Boa noite; só queria avisar sobre a viagem.

Um sentimento pesado de frustração toma-lhe a mente e o coração. Responde:

- Boa noite, Scully.

E ele sente-se fraco, impotente, infeliz e principalmente desprezado...

 

Pois,

" o desprezo é uma pílula amarga que se pode engolir,

mas que não se pode mastigar sem fazer caretas. "

Molière

CONTINUA...

31.03.2000