ADVERSIDADE

 

"A adversidade vem-nos de Deus,

como degrau por onde nos eleva."

Chateaubriand

Capítulo 40

O pianista faz soar os suaves e melodiosos acordes do instrumento no grande e luxuoso salão.

O casal faz a sua refeição calmamente, conversando baixinho, enquanto seus ouvidos sorvem avidamente a música que sai do piano.

Dana dá um meio sorriso:

Ambos sorriem. Olham-se nos olhos, profundamente apaixonados.

Mulder dá um discreto sorriso, ao ouvir as palavras quase formais que Dana sempre usa.

Logo em seguida a vê parar de fazer sua refeição.

Agora ele também coloca os talheres no prato.

Ela faz um trejeito no rosto como se dissesse:

"E o que posso eu fazer?"

Levantam-se.

No íntimo Dana imagina se, na realidade, estava saindo porque o enjôo a estava perturbando ou se eram os olhares um tanto insistentes do homem lá na mesa adiante, que a estava incomodando.

Esse homem já a havia abordado pela manhã e sente-se irritada com a insistência de seu olhar sobre ela.

Mulder e Scully descem os largos degraus da grande escadaria de madeira, com corrimão em arabescos.

Ele a faz parar. Coloca as mãos sobre os ombros dela:

Ela, pequena diante dele, levanta a cabeça para olhá-lo diretamente nos olhos.

Dana percebe no olhar dele algo mais profundo que uma simples preocupação.

Ele parece distante.

Mulder continua fitando-a, esquadrinhando com os olhos verdes acinzentados até o mais profundo do coração de sua amada.

"Scully, me ajuda..." - ele pensa, com a aflição a querer amargurar-lhe o peito.

Poucas pessoas estão a caminhar por aquele local, agora. Somente os que já haviam feito suas refeições.

Dana e Mulder andam, vagarosamente, sentindo a brisa que vem do mar a lhe tocar a pele, agradavelmente.

Mulder abraça Dana pela cintura para assim levá-la a caminhar através do longo convés do navio.

Param em certo momento e ficam encostados à amurada, quedando-se a contemplar a beleza amedrontante do que se descortina lá fora.

Voltam a caminhar, vagarosamente.

Os dois escutam o chamado.

Mulder volta-se para ver.

Scully havia também parado, a fim de olhar quem estava chamando Mulder.

O rosto do rapaz ilumina-se:

Mulder volta-se para Dana:

Mulder afasta-se, acompanhando o rapaz.

Dana não gosta de sentir o mal-estar que a perturba neste momento. Não é um mal-estar físico, mas algo que perturba e incomoda sua mente.

Dirige-se às escadarias, a fim de ir para o camarote.

Penetra pelo longo corredor. Chega à porta e gira a chave na fechadura. Entra e fecha a porta por dentro.

Ali mesmo, de pé, espreguiça-se, longamente.

Sente o corpo cansado, fatigado. Sem entender o porquê.

Toma uma valise e começa a arrumar nela roupas e objetos pessoais, para que no dia seguinte possam desembarcar, sem ter muita coisa, ainda, para guardar.

Durante quase uma hora preocupa-se somente nas necessárias arrumações.

Um leve torpor no seu corpo indica-lhe que precisa de descanso. Tem um pouco de sono, também.

Já havia notado por várias ocasiões que, ultimamente, anda muito sonolenta.

Deita-se.

* * * * * *

Bastante tempo se havia passado. Dana já começara a preocupar-se.

Já havia trocado de roupa, estava mais à vontade, pronta para dormir, mas diante do adiantado da hora e a ausência de Mulder, resolve vestir-se novamente e sair à procura dele.

Dirige-se à cabine do capitão do navio.

Bate à porta.

O homem aparece com seu uniforme.

Despede-se e sai dali.

Já sente-se completamente atormentada.

É como se algo a estivesse alertando de uma adversidade atingindo sua vida.

"Onde Mulder pode ter se metido, se há meia hora poderia já estar comigo? Coisa estranha!"

Sente uma palpitação extra no seu coração.

Volta a seu camarote.

Uma batida à porta faz-lhe desaparecer as rugas entre os olhos. Corre a abrir a porta, aliviada.

No seu semblante, porem, desvanece-se a alegria. Uma desagradavel surpresa a aguarda.

Diante dela está o rapaz que, com o olhar insistente a tinha incomodado, no salão de refeições.

Ele dá uma risada. Com um pontapé na porta, esta fecha-se atrás dele, permitindo-o ficar do lado de dentro do camarote.

Scully irrita-se com o intruso.

O desconhecido dá uma escarnecedora risada.

Só não esperava é que, num seu gesto distraido, Dana já pegara da valise sobre uma poltrona sua pistola, a qual agora aponta para o intruso.

Dirige-se para a porta.

Num gesto inesperado, porem, o homem retorna seus passos para ir em direção de Scully, tentando atacá-la.

Com extrema rapidez, ela puxa o gatilho e uma bala é disparada, penetrando numa das paredes de madeira do aposento.

Com o surpreendente gesto da Agente, o desconhecido pára, subitamente, ficando estático diante do iminente perigo para sua vida.

Os olhos azuis de Dana faiscam de ira sobre o ameaçador desconhecido.

"Irar-se é vingar as faltas

alheias em nós mesmos."

Alexander Pope