UM PESO NA CONSCIÊNCIA

 

"A consciência não é mais que

uma palavra que empregam

os covardes para atemorizar

os valentes."

Shakespeare

Capítulo 41

O desconhecido continua estático diante de Scully, aguardando o seu próximo gesto. Não parece nem um pouco intimidado, porem.

Após alguns segundos mais, o homem retira-se, batendo violentamente a porta atrás de si.

Dana começa a entrar em pânico.

Sente um verdadeiro sentimento de terror dentro do seu ser. Está vulnerável, triste, chateada, infeliz.

Olha para a arma em sua mão, como se fosse a primeira vez que a visse. Com os olhos arregalados, tenta concatenar as idéias. Mas sente-se perdida. Sente-se subitamente num lugar inóspito.

Guarda a arma num bolso interno do grosso agasalho. Resolvera sair novamente à procura de Mulder.

"E ele que não volta!!" - pensa, perturbada.

Coloca a mão na maçaneta da porta para sair, porem fica parada por alguns instantes.

Não tem certeza do que quer fazer. Sente-se desnorteada. Sabe, porem, que, em grande parte, seu descontrole emocional é derivado das últimas ocasiões em que Mulder lhe falara bobagens sobre uma despedida. E isso ficara, realmente, implantado no seu coração.

* * * * * *

Andando pelos corredores, agitada, procura as escadas que levam ao andar superior do navio.

Corre, desabalada, sentindo afoguear sua respiração.

Pessoas passam por ela, que sequer olha para alguém.

Sobe, ainda correndo, as escadas.

Um grupo está conversando entre si, quando Dana passa por ele. Ela nota que comentam, agitadamente, sobre algo acontecido.

Aproxima-se do grupo.

Um homem vestindo um casaco de couro semelhante ao que Mulder usa habitualmente, balança a cabeça negativamente, fazendo um muxoxo, penalizado com o acontecimento.

Dana não mais detém-se junto ao grupo. Afasta-se a passos rápidos, em direção ao lugar mencionado.

Uma grande quantidade de pessoas está acumulada no local.

O ruído agudo dos cabos de aço dos escaleres sendo movimentados, penetra-lhe nos ouvidos.

Dana tenta aproximar-se o mais possivel das pessoas que ali estão paradas, formando quase uma compacta massa, sendo detidas em seus avanços pelos marujos atentos.

Scully vai pedindo passagem entre as pessoas, com dificuldade.

Scully puxa o braço que está seguro por alguém que a deseja impedir de prosseguir e que lhe dissera, rispidamente, esta frase.

Olha para quem está impedindo sua passagem.

Enquanto Scully coloca as mãos no rosto, atormentada, as pessoas à volta mantem-se indiferentes, somente com a atenção voltada para a tragédia acontecendo no mar revolto, neste momento.

Diana a olha fria e acusadoramente:

E um violento safanão é aplicado contra o braço de Scully, o qual avermelha-se-lhe a pele e lhe causa intensa dor. Horrorizada, tenta afastar-se daquela visão má.

Dana procura abrir caminho entre as pessoas ali acumuladas e vai tentando conseguir alcançar a amurada do convés do navio.

A luz intensa dos holofotes brilha sobre a superfície das ondas encapeladas do mar bravio.

Arfante, angustiada, ansiosa, Dana agarra-se à amurada para ver.

O capitão a segura pelos ombros.

Ela sai de junto do capitão do navio; novamente agarra-se à amurada do navio para olhar a cena lá em baixo.

Os marujos estão acabando de içar das águas o corpo do homem que fôra atirado ao mar.

Dana sente todo o seu ser entrar num profundo impacto de dor.

E a dor é tão profunda, tão arrasante, tão infinitamente cruel, que ela sente que está perdendo lentamente as forças.

Não tem a mínima energia, nem sequer para lançar um grito de angústia e desespero.

Seus olhos muito abertos, observam apenas, sem perder um só detalhe, o içamento do afogado. As mãos crispadas agarram-se à amurada.

O corpo sobe das águas lentamente. O escaler está no aguardo para o resgate. Os marujos fazem força e gritam orientações entre si, ordenando os seus atos e idéias.

Scully volta-se para gritar, desesperada:

Scully tapa os ouvidos, desesperada.

Porem Diana continua, falando-lhe friamente, olhando-a fixamente.

A mão de Scully joga-se contra a face impávida de sua rival.

Ouve o estalar de seus dedos na pele da outra.

A movimentação aumenta ao redor, onde as pessoas tentam amontoar-se ainda mais, sendo impedidas pelos marujos atentos.

Scully ouve essa voz, ordenando autoritária.

As pessoas empurram-na, pois os que estão ali acumulados, encostam-se bruscamente, uns contra os outros.

Ela olha mais uma vez para baixo.

As águas escuras e revoltas do mar bramindo contra o casco do navio a apavoram mais ainda.

O corpo do homem içado balança, assemelhando-se a um desengonçado boneco de pano, pendurado em algum lugar.

As lágrimas descem, rolando, pelas suas faces tristes.

Sente-se desolada. Não tem mais o que pensar, nem o que fazer. Sente-se no auge da desventura. Da dor. Da extrema angústia.

Dana fica a ouvir a voz de Diana junto a seus ouvidos, quase.

Vai deixá-la falar, até quando quiser.

O que importa? O que significa o mundo, as coisas nele existentes, afinal? Agora não é, realmente,

mais ninguém. Agora sómente o peso na consciência a atormentá-la, no seu sentimento de culpa, que lhe é atirada ao rosto, com tanta crueldade.

Perdera o homem que ama. A sua vida. Tudo.

Somente quer, agora, que Deus, na Sua infinita misericórida, digne-se a ter piedade dela. Que necessita Dele. Muito mesmo.

O corpo içado está, neste momento, já sendo trazido até o convés pelos marujos que o transportam.

Dana sente-se um trapo, um farrapo humano. Tanto quanto aquele corpo içado das profundas e revoltas águas do oceano.

E ela deseja estar no lugar daquele morto. Talvez pudesse estar mais feliz, livre desse peso na consciência, proveniente das acusações de Diana Fowley.

Scully sente-se tão horrivelmente atormentada, que todo seu corpo está a fremir de terror.

Deixa-se cair até o chão. Desolada. Cansada. Perdida. Entregue à sua aflição.

Fecha os olhos. Quer dormir. Para sempre.

Ouve chamar. Mas ela somente geme a dor do seu infortúnio.

Novamente a voz ela ouve.

Como uma diáfana cortina, tudo vai desaparecendo de diante de seus olhos.

As pessoas. O capitão. Diana Fowley. O corpo içado do mar. Até a sua dor...

Ela somente sofre e chora, agora.

"Sofrer e chorar significa viver."

Dostoiewski