SÓ POESIA

"Os poetas são como os pássaros;

a menor coisa os faz cantar."

Chateaubriand

 

Capítulo 44

Scully abre os olhos.

É madrugada, ainda.

Tudo em silêncio. Um silêncio angustiante. É como o pode sentir.

Sente que falta a voz de Mulder ali dentro. O seu odor. Os passos pesados batidos sobre o assoalho.

O ruído discreto do motorzinho do aquário é o único sinal de vida no apartamento.

Seus pensamentos retornam ao momento em que estava segurando o bebê de Teresa Nemmans. O olhar de Mulder, ela havia notado, demonstrava um misto de amor, dor, tristeza, ansiedade, desengano e parecia dizer:

"Scully, por que não podemos ter também o nosso bebê?"

E Mulder não pôde saber do seu filho que vai nascer!

O seu filho!!

Scully chora. As lágrimas descem, silenciosas, sobre sua face debilitada.

Sua mente divaga nas estrofes de um poema que cria na mente:

Mulder, estou sentindo tanto a falta tua!

Estou andando só, desorientada e aflita

e cada vez minha vida está mais frágil e nua

porque o meu coração cansado aqui dentro grita.

 

de desespero, dor e aflição

quem dera pudesse eu agora sentir, lindinho

sobre mim, ansiosamente, a tua mão

e receber de ti o teu mais doce carinho!

 

Mulder, vem! Minh' alma anseia

te ter novamente amado meu

me sinto tão só e fico eu cheia

de desejo de ter meu corpo preso num abraço teu.

 

Mulder, eu te quero, preciso e te adoro!

Por que todo esse tormento tão dorido

que me deixa triste assim? Eu te imploro!

Volta, retorna pra mim, pra nós dois, Mulder querido!

 

E quando de novo chegares,

minha alegria será então sem fim;

te seguirei por onde passares

e sei que também queres o mesmo de mim.

 

Tenho um presente, Mulder, que lindo!

Um filho teu, feito com amor de verdade!

Ele terá de nós um prazer infindo

e trará a ti alegrias e jamais a dor e a saudade.

 

Quanta falta, Mulder, que tristeza!

Vem, acaba com isso eu te peço logo

muda, enfim, de nós a vida e traz beleza

a beleza da paz, do amor, senão de dor eu me afogo!

 

Ah, Mulder, quantos anos tão intenso

foi o desejo de nos beijar e amar

só sentindo num abrasador desejo, imenso

de só querer, mas nunca realizar!

 

E, quando um belo dia, finalmente

do amor não pudemos mais escapar

vem a desdita, a dor somente

me acabar e, aos poucos, até me matar!

 

Oh, volta, Mulder, de onde estás

se é de algum lugar que desconheço

reverte esse estado que me traz

sofrimento, angústia, que nem sequer mereço.

 

Estás perto das estrelas nesse imenso espaço?

Qual é a tua morada agora meu amado?

Eu e teu filho estamos como num laço

de horror, sofrendo, vendo tudo acabado!

 

Teu filho, Mulder, que parecia nunca vir

agora está aqui dentro, crescendo em mim

eu quero tanto que estejas perto, sentir

ele em mim se gerando... seus movimentos, enfim.

 

E ele vai nascer, crescer, viver

e eu vou sempre ainda te esperar, cheia de calor

para que um dia chegues a ver

o fruto lindo que gerou o nosso amor.

 

E eu quero, anseio poder um dia

ouvir de ti palavras de carinho

para teu filho, eu bem sei como devia

ele dizer papai - com um gostoso sorrisinho.

 

Com uma carinha linda, de bebê

rosado, risonho, gordinho, feliz

um encanto de criança que logo se possa ver

que nos traga o maior bem que alguém já quis.

 

E que o meu bebê tenha iguais aos teus

olhos pequenos, verdes, esquadrinhadores,

que tenha os cabelos castanhos e os lábios teus,

e o teu sorriso de menino... oh... meus dois amores!

 

Eu amo com toda paixão a vocês dois

eu quero a vocês dar até minha vida

quero poder até o fim do caminhar, pois

estar com vocês, amores, até os últimos dias desta lida.

 

Scully, mantendo os olhos fechados, sorri levemente, pela idéia que tivera.

De seu cansado cérebro saira um poema dedicado aos seus dois amores.

Repentinamente, sente-se até um pouquinho feliz.

Parecera-lhe ter desabafado um pouco naquele pensamento, nas estrofes de um poema.

Continua deitada na cama, agarrada à camisa de Mulder.

Coloca-a sob a face, como se querendo sentir na sua pele o morno corpo do amado.

Não tem vontade nem de se mover, como se o fosse acordar. Como se ele estivesse ali. Ao seu lado.

E Dana fecha os olhos.

Sente-se de novo quase a adormecer.

Amanhã será um novo dia. De trabalho. Canseira. Busca incessante, sem fim.

Skinner a entende e compreende o seu desejo, que é encontrar Mulder, acima de qualquer outra necessidade que possa ter.

Mas, além de tudo isso, dessa dor pela perda do homem que ama, há a responsabilidade.

Tem que voltar ao trabalho. À busca pelo insano, pelo bizarro, pelas loucuras deste mundo difícil.

E sabe, está ciente de que necessita do fruto do seu trabalho. O seu salário. Agora mais do que nunca!

Para o seu sustento. Afinal não está mais sozinha...

Alguém precisa muito de seus cuidados, de seus carinhos, de sua responsabilidade como mãe.

Mãe! Parece uma fantasia. Ilusão.

Já havia tirado de sua mente toda e qualquer possibilidade de que isso pudesse acontecer.

E Mulder foi embora sem saber.

Sente que o sono voltará e não tardará.

O chôro convulsivo desprende-se do fundo de seu peito.

Aperta mais contra seu rosto a camisa de Mulder.

Encolhe-se, carente, sobre a cama.

"Se os olhos são o espelho da alma,

quando se chora é porque a alma

foi vítima de uma inundação."

Commerson