IMAGINAÇÃO

 

"Para lutar contra a realidade só

dispomos de uma arma: a imaginação."

Jules de Gaultier

 

Capítulo 46

"Mulder, diante de você eu... a inibição... ou o meu orgulho me impedem de lhe chamar de meu amor, minha vida, meu tudo... mas na verdade isso é o que você significa pra mim.

Eu trabalho, me alimento, cuido das coisas no dia-a-dia, vivo, existo, enfim... mas estou vazia, Mulder... pois se você não está comigo, essa sua ausência me torna uma mulher apenas interessada em lhe procurar, sair em busca de onde você está, Mulder! Agora eu sei... a minha vida se resume em você... nessa coisa boa que é sentir o seu carinho, a sua doçura comigo, o seu jeito especial de ser... eu te quero... te preciso."

Essas palavras pronunciadas apenas com o coração, são acompanhadas pelos dolorosos soluços que lhe escapam de dentro do peito.

"Mulder, mas eu tenho que resistir... não posso me deixar sucumbir pela dor da sua ausência... tenho uma importante missão a cumprir agora... cuidar para que o meu filho... nosso filho, venha ao mundo e encontre paz na vida desta mãe que tanto sofre!

Mulder... somente nos momentos a sós é que posso falar com você... através do meu coração.

Eu sinto tanto a sua falta...! Sinto falta das suas palavras murmurantes junto aos meus ouvidos... sua voz que me fascina... seus olhos perscrutantes, que vasculham até a minha alma, Mulder!

A sua boca de lábios sensuais me tocam, sentem, me provam... e as suas mãos que me fazem sentir a vibração pelo frenesi que causam no meu corpo o simples toque das pontas dos seus dedos longos e macios...

Como estou sentindo sua falta, Mulder! Até do som das suas pisadas fortes sobre o assoalho!

Até quando sofrerei essa sua ausência, essa dor que me está maltratando tanto?

Amanhã recomeçará tudo, novamente... a lida do dia... o trabalho... a rotina... tudo será igual.

Terei, a todo momento, obrigatoriamente, que me mostrar forte, impávida, despreocupada, serena... quando no íntimo... aqui dentro, bem no fundo do meu coração, somente sinto é a dor da sua ausência, a saudade que me consome a vida... a tristeza da minha infelicidade e solidão..."

Scully está agora sentada à mesa, olhando para o nada, perdida nas suas divagações.

Sua mente discorre situações vividas, fatos acontecidos no passado... tudo vem à sua lembrança.

Por vezes até sente a necessidade de disfarçar a tendência de pensar constantemente em Mulder, tentar fazer outras coisas, distrair os pensamentos, porem a falta dele a impede de em outros assuntos poder se concentrar.

E tudo retorna aos seus pensamentos.

Ela, pensativa, alisa e dobra, displiscentemente um pano de copa largado sobre a mesa.

Ao lado dele está um pequeno pacote com sementes; aberto, deixando seu conteúdo espalhar-se sobre a superfície da mesa. Girassol.

Dana toma uma pequena semente, coloca-a entre os dentes, quebra-lhe a casca, e, enquanto a mastiga e sente o seu gosto adocicado, recorda de como Mulder costumava carregar nos bolsos suas sementes preferidas. Sua mania. Seu vício.

Dana passa a imaginar por quanto tempo, ainda, estará só. Sem o seu amor. Sem Mulder.

Durante muitos anos vivera sua vida sozinha, em seu apartamento, sua morada, sua solidão.

Porem hoje sente que não dá mais para resistir a essa convivência vazia, com o nada!

Scully levanta-se e vai retirando a roupa, vagarosamente, pensativa, absorta.

Dirige-se ao banheiro. Deixa uma boa ducha morna cair sobre seu corpo, limpando e hidratando-lhe a pele.

"Quem dera a água pudesse levar também essa tristeza junto, esses pensamentos que me abatem...!" - pensa, com extremo desânimo no seu coração.

Após o banho, veste o roupão atoalhado, e coloca-se diante do espelho.

Observa sua fisionomia.

Já não mais os olhos azuis brilhantes de antes. Há, agora, uma tênue nuvem de tristeza, pairando sobre suas pálpebras, fazendo-as pesar, entristecer seu olhar.

Sabe, com toda certeza, que no ambiente de trabalho, ao lidar com os seus colegas, ela não pode sentir-se a mesma. Até podem considerá-la em uma condição normal de trabalho. Podem até achar que ela está bem... que tudo está correndo normal à sua volta.

Até um novo agente colocaram como seu parceiro nas suas costumeiras investigações.

E ele, assim como os outros, ou seus próprios superiores, podem tratá-la gentilmente, pois ela não vai mudar o seu modo de ser, mas por dentro... lá no fundo do seu ser... tudo está diferente agora.

Sente que a vontade de viver já não conta tanto quanto antes... mas... ao mesmo tempo, percebe que tal pensamento é um sacrilégio! E o seu filho? A sua criança?

Afaga, suavemente, o ventre, pronunciando baixinho:

Dana fecha os olhos. Braços caídos ao longo do corpo. Deixa correr solta a imaginação. Permite que ela entre em devaneios. Quer sonhar...

Mulder, no seu modo displicente de ser, abre a porta do banheiro, coloca a cabeça para olhar:

Ele entra. Está vestido apenas com um short. A barba por fazer. O peito desnudo e quente.

Aperta-se contra as costas de Dana.

Ele a faz voltar-se para ele, vendo-a com lágrimas nos olhos.

Ele beija-lhe os olhos fechados, um de cada vez.

Ele aperta-a docemente contra seu peito.

O perscrutante olhar dele agora penetra-lhe o mais profundo da alma.

Dana está soluçando, agora.

Ultimamente é o que faz com mais frequência.

Pois não mais há a alegria em sua vida. Só a dor. A dor do amor ausente.

"Mas ele está aqui, agora!" - pensa, e um leve sorriso desenha-se-lhe nos lábios.

Sente a mão dele afagar-lhe suavemente os cabelos, como sempre o faz.

Mulder seca com os lábios as lágrimas que descem em sua face abatida e sofrida.

Ele toma de sobre a bancada de mármore, em meio a inúmeros objetos e frascos, um vidro de perfume.

Abre-lhe a pequena tampa. Aspira-o e sorri para Dana.

Aquele sorriso de menino, que a encanta e fascina.

Ele retira a tampa do pequeno frasco perfumado e encosta-a nas pontas das orelhas de Scully.

Ela lhe sorri, entre as lágrimas que não cessam de cair. Recebe o gesto dele como um afago.

Mulder agora, com a própria tampinha de vidro do frasco, perfuma os dois pulsos de Dana.

Ela deixa-se ficar quietinha, enquanto sente o contato frio do vidro em sua pele.

Mulder abraça-a, agora. Ardentemente.

Ela sente o peso do queixo dele, apoiado sobre seus ruivos cabelos.

Scully fecha os olhos, sentindo o contato morno da pele dele contra a sua.

O perfume recende dentro do ambiente.

Ela aspira com prazer, profundamente.

Por alguns segundos, permanece bem quieta. Vai deixar que o seu amor fique assim, abraçado a ela, embalando-a docemente, transmitindo-lhe a força de que necessita para continuar a viver.

Aguarda ele responder.

Mas ele não lhe responde.

Abre os olhos, aflita.

Somente vê sua própria imagem refletida no espelho.

Uma figura abatida. Sofrida. Só.

Seu olhar ansioso percorre o ambiente.

Tudo como antes. O infinito e teimoso pingo da torneira caindo, sem cessar.

A luz difusa trazendo um claridade suave e quase irreal.

O movimento leve e balançante da toalha de mão pendurada, tocada pela brisa que vem da janela do quarto contiguo.

Agora o olhar de Dana desvia-se para a bancada de mármore.

O vidro de perfume que Mulder havia apanhado, estava aberto, o seu conteúdo derramado sobre o mármore... a tampinha jogada, displicentemente para o lado.

"Recorramos às ilusões para nos

defendermos das verdades dolorosas."

Barão de Stassart