SÓ RESTA A SAUDADE*

"A saudade é o sumo gostoso

e amargo do fruto da vida."

Humberto de Campos

 

Capítulo 47

Dana sentira-se um tanto assustada.

Um fato por demais diferente havia ocorrido nesta noite.

Ela sente um estranho medo e ao mesmo tempo um supliciante vazio dentro de si.

Havia certamente sonhado acordada, com aqueles pensamentos tão reais com Mulder.

A sua imaginação correra solta, na verdade.

Grande frustração, porem, abala-a neste momento. Aproxima-se da alta planta no vaso, dentro da sala. Acaricia-lhe as folhas, mansamente, pensativa.

Tudo o que pode fazer, agora, a respeito de Mulder é pensar nele, a toda hora, a todo instante.

Então deixa livre sua memória para, a qualquer momento que desejar, pensar nele, imaginá-lo ao seu lado. Sentir seu toque. Sua ternura. Ouvir seus sussurros.

Scully volta ao banheiro. No momento em que saira de lá, dirigindo-se a todos os cantos da casa, havia se sentido por demais perturbada.

Toma o frasco de perfume virado sobre a bancada do lavatório. Lentamente recoloca nele a tampinha para fechá-lo.

"Eu sei, ele esteve aqui em pensamento. Nós unimos nossos pensamentos naquele instante, como se eu tivesse uma força especial para transporta-lo de onde se encontra."

Recoloca o vidro de perfume no mármore, novamente.

Dirige-se, em seguida, ao quarto de dormir.

Lembra-se de que, meses atrás, nos momentos em que não se encontrava no Bureau, se não estivesse com Mulder ali, junto dela, no mínimo estariam conversando pelo telefone. E agora...

Um lindo bibelô sobre a cômoda atrai o seu olhar.

Fá-la recordar-se de algo, aquele cacho de vermelhas cerejas em fina porcelana.

Dana toma-o em sua mão, com seu olhar fixo, atentamente, nas pequenas frutas .

Isso a faz voltar há três anos atrás.

***

Dana dirigira-se para o apartamento de Mulder naquela noite de Natal. Um noite de muita neve e frio.

Sentia-se tão só! Ela e Mulder haviam presenciado fatos muito estranhos naquela antiga e abandonada mansão, onde ele teimara em penetrar. O seu incorrigivel e impetuoso parceiro a fizera presenciar fatos incriveis... ou fôra somente a imaginação?

Aquele casal de fantasmas, que os havia abordado dentro daquela enorme e estranha moradia, os havia feito ser testemunhas de fatos absolutamente irreais.

E tudo por causa da extrema curiosidade de Mulder!

E eles chegaram a ter até lições de vida com aquele casal fantasmagórico!

Mesmo necessitando física e psicologicamente de sossego naquela noite depois de tudo aquilo passado, ela não se sentira bem sozinha ali em seu apartamento. Resolvera não mais ir para a casa de seus parentes. Mas algo lhe faltava. Nem tratava-se de algo e sim, alguém. Mulder.

Decidira então ir até o apartamento dele.

Mulder parecera suspreender-se com sua chegada.

E naquela noite, então, haviam conversado, trocado idéias... até o momento do beijo.

***

De seu peito magoado um suspiro dobrado é liberto, lembrando aquele momento tão especial.

Passa a recordar, saudosa, palavra por palavra do diálogo que tiveram naquela memorável ocasião.

***

Estavam sentados no sofá do apartamento de Mulder, sentindo toda a emoção do amor tocando suas vidas.

***

Dana senta-se, agora.

Coloca o cotovelo sobre o braço da poltrona, apoiando o queixo no dorso da mão.

Como o desenrolar de um filme, ela vai assistindo, mentalmente, cena a cena do caso romântico passado.

***

Ele pareceu despertar de sua meditação.

Dentro de seu íntimo ele imaginava:

"Dana Scully, a minha parceira, amiga, e... o meu amor, está aqui à minha frente, atingível, palpável...!"

Mulder completou seu pensamento, olhando para o copo que tinha na mão.

Scully levantou-se, segurando o copo que tinha à mão. Bebericou um pouco do seu conteúdo. Sentia uma espécie de frustração.

Só sabia que, na verdade , tinha medo de ouvir, humilhada, alguma inflamada declaração dele por alguma outra mulher.

Mas não aconteceu nada disso. Ao contrário, Mulder a repreendera com doçura, quando ela mencionou que teria que ir embora logo.

***

Dana continua a rememorar; dobra as pernas sobre o sofá para manter-se mais aquecida e também um pouco mais confortável.

***

O telefone havia tocado e tinha sido uma chamada da Diana Fowley, procurando por ele.

Scully recorda que seu coração dera pulinhos extras de emoção, quando notou que Mulder não queria, de verdade, atender aos apelos de Diana, que desejava tê-lo para si àquela noite.

A-pós isso, haviam saido e comprado várias gulosleimas, felizes por estarem à vontade e com os corações transbordando de felicidade e paz.

***

Dana relembra uma frase importante que tocara seu coração, quando avistaram um grande trenó brilhante, com falsas renas que não se moviam, arrastando-se pela avenida e carregando um alegre Papai Noel.

***

Ele havia pronunciado tão simples e repentinamente a frase, que Dana não teve tempo para captar nos seus sentidos o que acabara de ouvir.

Ela manteve-se, então, estática, fitando o seu amigo. Não sabia o que responder.

Mulder notou sua reação. Novamente expressou sua emoção:

A única reação que Scully teve foi balançar a cabeça, concordando. Sussurrou, então:

Aquela frase havia sido um impacto no seu coração, pois naquela ocasião ele não estava dopado com alguma química, nem doente mentalmente, o que poderia ter ocasionado qualquer dúvida, que pudesse considerada uma palavra lançada ao vento.

Haviam-se abraçado por muitos minutos, sob a neve que caía, serena. E eles nem a sentiram.

Nas suas compras haviam levado para casa uma quantidade de cerejas e outras guloseimas para saborear, enquanto estivessem conversando ou assistindo a TV.

***

Agora Dana fecha os olhos.

Gosta de relembrar essa cena de sua vida que ficara bem guardada na mente e no coração, quando ainda não se havia entregue àquele homem que amava há tanto tempo... mas que não queria de nenhuma maneira admitir facilmente o seu amor por ele.

***

Estavam ambos sentados no sofá. A TV estava ligada.

Ele sentou-se junto a ela, para obter um melhor ângulo para ver a telinha diante deles.

Dana tomou uma das frutinhas e levou-a em direção à boca de Mulder.

Colocou-a entre seus lábios. Ele mastigou com prazer a fruta.

Fitavam-se embevecidos. Sempre havia sido assim. Sentiam-se, dialogavam, entendiam-se sómente com o olhar.

Então, depois, Mulder colocara uma doce tâmara na boca de Scully.

Seus atos eram como um jogo amoroso.

Scully segurou a frutinha entre os dentes.

Ele olhou-a, divertido.

Ela deu uma risada:

Ambos riram-se, divertidos e prazerosos.

Dana retitou a semente e comeu a polpa da fruta.

Logo Mulder tomou uma cereja vermelha e macia. Colocou-a entre os lábios de Scully.

Naquele momento seus olhos estavam fixos um no outro, mais ainda. Entendiam-se. Falavam-se. Numa linguagem muda.

Fôra um momento de tensão para os dois.

Mulder aproximou os lábios dos dela, que ainda seguravam a vermelha e brilhante frutinha.

Ele falou tão de perto, que ela chegou a sentir o seu hálito quente.

Mulder mordia a fruta e Dana sentia o toque dos lábios dele sobre os dela.

Primeiro tateantes, como que experimentando sua maciez e, em seguida, mais inflamados, mais quentes, mais penetrantes.

Dana sentia com voluptuosidade o sabor do homem que há já tanto tempo amava e que, naquela ocasião, conseguira conhecer.

A cereja foi amassada, esmagada, virou nada entre aquelas duas bocas ávidas de se conhecerem uma a outra.

Um longo, infindo beijo fôra trocado, então.

***

Scully encolhe-se ainda mais no sofá, relembrando a cena.

Um sorriso delineia-se em seus lábios.

Quanta emoção naquela noite de Natal! Relembra com saudade.

Porem não fôra ainda a ocasião escolhida para entregar-se àquele que seria o seu amor. O amor de sua vida. Para sempre.

Para sempre?!

Mas... e agora? Aquele doce sonho havia sido cortado pelos terríveis acontecimentos que haviam surgido em sua vida.

Agora só resta a saudade, a recordação triste e suave do amor distante, o desejo de tornar a vê-lo. A nostalgia.

Agora não mais pode sentir alegria, quando só a tristeza impera dentro do seu coração.

 

"A tristeza ocupa sempre o

interior das alegrias do homem."

Chateaubriand

 

*O tema usado para este conto, pode ser lido na íntegra na fanfic Um Natal em êXtase, escrito em 22.12.99.