CORRENTE DE PENSAMENTOS

 

"Os prazeres do pensamento são

remédios contra as feridas do coração."

Mme. De Stael

Capítulo 49

Dana caminha apressadamente pelos corredores do FBI.

Precisa sair dali, ir para casa, enfim!

Bendita seja a hora de retornar ao seu ambiente de sossego!

Está cansada, agitada, triste, nervosa... tantas coisas sente agora, que sabe nem teria como descreve-las.

Durante todo o decorrer do dia cumprira fielmente suas obrigações como uma eficiente e competente agente federal.

Os colegas de trabalho passam por ela a todo instante dentro do prédio.

Dana sente, lá no interior do seu coração, um certo receio. Parece-lhe que as pessoas já observam o abaulado das linhas do seu ventre. Mas não! Não pode ser. Ainda não há tempo suficiente para alguém poder notar sua gravidez.

Nem mesmo o Agente Dogget, com quem passa várias horas trabalhando.

Dana enfim alcança a porta de saida.

Seu coração fica aliviado.

Ela dirige-se para o carro. Entra nele. Gira a chave na ignição.

"Acho que os seus pezinhos nunca conseguem alcançar os pedais." - vem à sua mente estas palavras.

É a frase que Mulder lhe havia falado um dia, e naquela ocasião ficara tão zangada...!

Por que aborrecia-se com ele à toa?

Por que não lhe dera toda a atenção possivel, que, por vezes, ele tanto necessitava?

Por que não deixara-se cair sob o poder sedutor dele quando ele lhe declarara abertamente seu amor?

Por que? Por que?

Tudo poderia ter sido diferente. Já se teriam amado durante todos esses anos.

Será que os caminhos teriam sido iguais?

Será que o destino escreveria exatamente que estariam tão separados agora?

Será que suas vidas, após uma declaração de amor, estariam, até agora, sentindo esse amor intenso que lhes toma a alma?

Será? Será?

Dana coloca os dois braços dobrados sobre o volante e neles apoia a cabeça.

Continua a deixar fluir livremente seus pensamentos.

* * *

Mulder segurava-lhe o braço, ajudando-a a caminhar, como sempre fazia. Amigo. Atencioso.

- Scully, o que você acha deste seu colega aqui?

Scully havia rido com a frase.

Dana sorriu. Parou para encarar Mulder.

O seu olhar de indagação no semblante maroto queria a resposta.

Mulder observava-a no seu olhar esquadrinhador.

Dana desviou o olhar, perturbada.

- "O ruido de um beijo não é tão retumbante como o de um canhão, porem seu eco dura muito mais."

Ela perguntou, ainda sem fita-lo:

Ainda caminhando em passadas iguais, aproximaram-se de um muro coberto de verde e viçosa hera.

Dana achegou-se para tocar com as pontas dos dedos as tenras e pequeninas folhas coladas nas pedras acinzentadas do alto muro.

Mulder parou para aplaudi-la.

Dana continuava sorrindo.

Os olhares foram trocados com ardor naquele instante. Isso sempre acontecia entre eles. Era uma coisa que, de repente, os fazia parar, reparar um no outro, sentirem-se no olhar, como se estivesse se tocando, mutuamente.

Começara a cair neve em flocos tão diminutos e leves, quase irreais.

Segurou a mão de Dana, ajudando-a a correr nos seus saltos altos.

Haviam corrido e ficado esbaforidos por alguns minutos até o local onde se encontrava estacionado o veículo.

Arfante, Dana aguardava Mulder a abrir a porta do carro para entrar.

Ele, inusitadamente, agindo como um perfeito cavalheiro, abrindo-lhe a porta do carro do lado do carona para ajuda-la a entrar, encostara-se demasiadamente em Scully.

Ela sentiu um arrebatamento de prazer percorrer seu corpo nesse toque.

E teve certeza de que ele também o havia sentido.

Por segundos haviam parado seus gestos, estáticos, sem saber qual o próximo a fazer.

Os olhos novamente encontraram-se.

Havia a magia do amor fundindo seus olhares; parecia-lhes que suas bocas desejavam aproximarem-se e unirem-se em um beijo.

A mão de Mulder, girando a chave na fechadura da porta do carro, saiu do lugar para segurar o braço de Dana, que somente esperava, aflita, ansiosa e ao mesmo tempo permitindo que o receio, o temor, a indecisão, tomassem conta dos seus sentidos...

Ela encontrara forças para sair daquele transe romântico e sensual e deixar-se cair na realidade fria e cruel do medo de amar aquele homem que era e sempre será a outra metade de sua vida.

Agradecendo, então, rapidamente entrou no carro.

Coração disparado.

Respiração afogueada.

Sentindo-se esmagadoramente infeliz, por estar ainda presa à sua racionalidade de mulher experiente e determinada, mas voltada sempre para as frias atitudes; não queria que o romantismo fizesse parte de sua vida.

Mais uma vez Mulder fora tomado de surpresa pela frieza do procedimento da mulher que tanto amava.

Meio sem jeito, deu a volta no carro e entrou no seu lugar.

Mantiveram-se calados durante boa parte do trajeto a percorrer.

Dana necessitou quebrar o gelo da ocasião.

Dana o olhava de soslaio.

Ele não estava muito para a conversa, parecia-lhe.

Alguns minutos de silêncio.

Então ele voltou-se para a fitar diretamente nos olhos.

Dana deu uma gostosa risada.

O que fez Mulder olha-la, admirado. Era tão raro vê-la sorrir assim, espontaneamente...!

Scully juntou os lábios, levantou uma sobrancelha.

Ele apertou o lábio inferior, fixou com os olhos apertados o asfalto por onde deslizava o carro.

A essa última frase sobre a melancolia, Dana mantivera-se calada.

Com as mãos apertando-se uma contra a outra pousadas sobre o regaço, nervosa, não sentia-se bem quando Mulder lhe falava sobre amor.

Não sentia-se bem porque não conseguia ter a coragem necessária para retrucar e dizer-lhe todos os seus verdadeiros pensamentos sobre tão grandioso sentimento que já tomara conta do seu coração há muito tempo. Mas nunca havia tido a coragem suficiente para aceitá-lo.

* * *

Dana suspira longamente.

Quanta saudade!

Saudade dos momentos que haviam passado naquele tempo, mesmo sendo ainda um tempo em que somente suaves toques de mão eram os mais ardentes gestos do amor que existiam entre eles.

Dana dirige em alta velocidade.

Seu carro engole o asfalto com extrema rapidez.

O frio intenso da tarde enregela suas mãos sobre o volante. Elas estão crispadas, demonstrando a ansiedade de alma que Dana está vivendo.

Da janela aberta o vento fustiga-lhe os cabelos que cobrem-lhe , por vezes, até os olhos, atrapalhando-lhe a visão já embaçada pelas lágrimas.

Um sinal vermelho a faz parar. Espera. Pensamentos volteiam, novamente, sua mente cansada.

Novamente a antiga frase de Mulder em seu cérebro, fazendo-a lembrar-se dele.

Saudade.

"Saudade! Amorável e querida vingança dos que ficam!"

O sinal vermelho pisca para indicar que o verde se fixaria no semáforo.

" Se Mulder estivesse aqui, certamente me cumprimentaria por lembrar até o autor estrangeiro desse pensamento." - ela imagina.

O sinal verde no semáforo acende, por fim, liberando a passagem na pista.

Dana dá marcha no veículo.

Um longo suspiro sai de seu peito.

Súbito vem-lhe à mente o autor de sua esperança. Da sua perseverança em prosseguir, de sua certeza de que dias bons chegarão e não tardarão.

E esse é o seu bebê. O seu filho. Sangue do seu sangue. Carne de sua carne. O fruto do seu amor.

Do seu pecado.

"É mau o pecado, mas é

muito pior a hipocrisia."

Campoamor

 

CONTINUA...