SOLIDÃO
"O mais eficaz remédio para um
cérebro convulsionado é a solidão."
Camilo Castelo Branco
Capítulo 50
A neve caindo em pequeninos flocos pousa sobre as árvores, os carros, a calçada.
Tudo se tornando branco... alvo.
Scully caminha a passos lentos.
Seus pensamentos continuam a vaguear, aflitos, enquanto dirige os passos sem destino certo, seguindo somente o rumo do seu coração.
Nunca mais ele ouviu os seus apelos.
Nunca mais ele a socorrera na ocasião em que dele precisa.
"O que será da minha vida sem ele? Conseguirei sobreviver bem, sem depressões nem ansiedades? Claro que não!
Minha vida mudou. E muito!"
A neve continua a cair alva e silenciosa.
Dana retira a luva de uma das mãos para senti-la. Alguns flocos depositam-se sobre o dorso de sua mão.
Ela sente-se hoje como alguém abandonado, alguém descartado, indesejado.
Os sentimentos que lhe atacam hoje a mente são extremamente negativos.
Não possui ninguém em quem possa confiar sua desdita. Está tão só!
A solidão, agora, é a sua permanente companheira.
Hoje, mais do que nunca, esse sentimento a arrasa.
Quer deixar-se dominar pela tristeza. Não reagir.
Deixar-se cair, jogada, num cantinho qualquer, sem reação... desolada... fria... inerte...
"- Scully, você tem que..."
Lembra as palavras que pareceu ter ouvido de Mulder falando-lhe. Porem foram irreais.
Fantasia. Quimera.
Mas se ele, realmente, tivesse lhe falado, seriam exatamente as palavras para faze-la não desistir, não desanimar. Nunca.
E a criança? O seu filho?
Tem que voltar seus pensamentos para isso. Obrigatoriamente.
Não está sozinha. Nem é dona da sua própria vida.
Um alarido chama-lhe a atenção.
Na praça onde se encontra agora, várias crianças divertem-se, atirando bolas de neve umas nas outras.
Dana pára, contemplando a cena.
A sua criança, mais tarde, poderá estar assim como aquelas, divertindo-se, brincando daquele jeito.
Mas sempre existirá aquela lacuna dentro do seu coraçãozinho infantil, no lugar onde deveria estar o amor por seu pai.
Seu pai... Mulder.
" Mulder!"
"Quanto tempo faz que você desapareceu da minha vida! Mulder, eu sinto tanta falta de você! O que será de mim e de você? O que estará acontecendo com você? O que lhe fizeram, Mulder? Meu Deus, o que lhe fizeram?"
Neste momento, Dana, assim pensando, desespera-se e teme.
Uma profunda dor apodera-se de sua alma. Sofre. Muito.
Acelera seus passos. Quer caminhr mais rápido.
Um casal passa próximo. Os dois estão abraçados. Aconchegados. Juntinhos. Felizes.
Vê-los até incomoda-lhe o coração, por causa da saudade e a falta do homem que ama.
Um banco da praça está desocupado e ela resolve sentar-se.
Tanta tristeza e solidão cansa-lhe o cérebro.
Mas tem que pensar somente nas coisas boas do passado.
***
Mulder segurava-lhe a mão, ajudando-a
Correram mais alguns metros para adiante.
A iluminação feérica e intermitente das milhares de pequeninas lâmpadas faiscava em seus olhos brilhantes de alegria.
Ele detivera-se à frente de uma linda vitrine enfeitada.
Várias peças e jóias estavam ali expostas, fascinantemente decoradas pelas luzes nelas refletidas.
Ele puxou-a pela mão para que ela o acompanhasse.
No balcão uma atenciosa vendedora os atendera.
Scully lançou-lhe um agradecido e terno olhar.
Voltou-se para a vendedora, mostrando-lhe um par de brincos que atraira sua atenção.
Mulder somente acompanhava com o olhar satisfeito e amoroso a escolha da amada.
Enquanto a vendedora afastara-se para providenciar o pagamento e o embrulho da jóia, Mulder achegara-se à Dana, sussurrando-lhe aos ouvidos:
Minutos após, a vendedora aproximou-se do balcão.
Dana recebeu o embrulho e sairam da joalheria.
Mulder a acompanhava com o braço passado à volta de seus ombros.
A neve passara a cair mais esparsamente.
Entraram no carro estacionado próximo dali.
Enquanto colocava o cinto, Dana voltou-se para falar:
Ela tomou a caixinha da jóia, retirando-a de dentro do estojo de veludo azul.
- Coloca aqui. - e exibiu para ele a orelha.
Ele, com as desajeitadas pontas dos longos dedos, segurou o brinquinho de pérola e ouro para colocar no lugar que Scully lhe mostrava.
Ele chegou bem perto o rosto dos cabelos de Dana e aspirou-lhe a fragrância suave do perfume que deles exalava.
Mais alguns segundos e ele aspirava ainda o perfume, beijava a orelha de Dana, aproximou os lábios e vasculhava com a lingua as reentrâncias de seu ouvido, respirando fortemente, deixando-se endoidecer pela intensidade da emoção daquele momento, junto àquela que o deixava excitado. Sempre.
Dana nada mais argumentou para apressá-lo no ato de colocar o brinco. Queria mesmo sentir a doçura e a volúpia desse prazer em seus sentidos.
Abraçaram-se com ardor.
Ele continuou descobrindo com o tato da lingua os segredos dos ouvidos dela.
O corpo de Dana vibrava. Pedia amor. Pedia prazer.
Era como um ato de amor.
Davam-se ao prazer daquele contato macio, quente e voraz.
Ele lhe procurou os lábios, avidamente, parecendo querer retirar daquela boca toda a sua própria subsistência.
Sentiam que seus corpos deixavam liberar a volúpia do prazer daquele toque de paixão.
Permaneceram abraçados por muitos minutos, sem falar.
Após algum tempo, com a respiração mais normalizada, o coração batendo em ritmo quase natural, se desprenderam, voltando à realidade.
Mulder tentava, por todos os meios, com a mão enfiada entre os bancos, ter um contato com a peça caida ali. Não conseguiu nada, porém.
Enquanto ele movimentava o banco onde estivera sentado, Scully fazia o possível para ajudá-lo na procura da jóia perdida.
Dana também resolvera abrir a porta do carro e sair, para facilitar a procura. Nos bancos. Na junção com o encosto. Sob os tapetes. Entre os bancos, no chão. Nada.
- Ah, Mulder, que pena! - fala Dana em tom choroso.
Mulder voltou a sentar-se no banco, jogando todo o peso do corpo, como é seu hábito fazer.
Mulder, não satisfeito com a procura infrutífera já realizada, voltou a sair do carro e movimentou o banco, suspendendo as pontas do tapete de borracha.
Scully sorriu:
Fitaram-se. Olhos nos olhos.
Mulder colocou a cabeça entre as mãos, preocupado.
Dana achegou-se a ele, suavemente.
Ela afagava-o, amorosamente.
Naquele momento para ela, o seu amado era como se fosse um menininho que acabara de praticar uma atitude insensata e estava esperando uma reprimenda.
À aproximação dela junto a seu corpo, novamente Mulder deixou-se levar pelos prazeres dos sentidos.
Diante dele estava a boca de Dana ansiando por seu beijo, para entregar-se ao prazer de sentir-se amada por ele.
Abraçados, ardorosos, beijavam-se.
Uma sirene de ambulância passou, barulhenta, pelo local, naquele instante.
Eles separaram-se, surpreendidos pelo barulho ensurdecedor.
Ela assentiu e também colocou seu cinto de segurança.
Mulder pôs o carro em movimento.
"O amor é um prazer que nos atormenta,
mas esse tormento causa prazer."
Scribe
Continua...