PALAVRAS E LÁGRIMAS
"Há palavras que choram
e lágrimas que falam."
Cowley
Capítulo 55
Dana guarda a última pasta que tem às mãos, dentro do arquivo de aço.
Sente-se cansada, cada dia mais.
A essas alturas, no final do expediente e após um dia atribulado de afazeres e problemas, deseja por fim, chegar ao seu apartamento e sentir a paz que dele emana e lhe faz bem.
- Até amanhã, Scully!
- Até amanhã, Dogget!
O colega de trabalho vai saindo.
Dana conclui a última arrumação em seus relatórios.
Suspira. Olha à volta do ambiente.
Tudo ainda lembra Mulder.
Como ainda lhe chega à lembrança o caminhar dele em passadas largas, decididas, jogando os pés, no seu modo muito especial de andar...!
Como ainda lhe chega à lembrança o toque de suas mãos de dedos longos e macios, em princípio titubeantes, porém mais tarde tão ardorosos e audaciosos...!
Como ainda lhe chega à lembrança o seu olhar, incrivelmente esquadrinhador, que parecia desejar penetrar no mais íntimo dos seus pensamentos ...!
Como ainda lhe chega à lembrança a sua voz, inconfundível, lenta, suave, porém excessivamente sedutora, apesar das palavras quase inaudíveis ...!
Embora as pessoas até comentem que ela está muito bem, que acostumou-se facilmente à parceria no seu trabalho com o Agente Dogget e que também já se pode ver novas feições em seu semblante antes tão abatido e sofrido... isso tudo não significa alegria no coração e sim a convicção pura e simples de que nem tudo está perdido.
Ela tem seu filho. Já o pode sentir até.
Lentamente senta-se numa cadeira para uma breve meditação. Fecha os olhos.
Começa a falar baixinho, colocando as duas mãos sobre seu ventre, onde sente um leve pulsar. O coração de seu bebê.
- Filhinho meu, meu nenêzinho, pedacinho do meu coração, hoje eu posso lhe sentir dentro de mim, porque percebo em minhas entranhas o leve tremor que demonstra que você, por vezes, abre e fecha as mãozinhas de dedinhos diminutos... meu queridinho... minha vida... você é que me tem dado alento para viver, continuar, teimar em correr atrás da sobrevivência... até da felicidade... ainda, mesmo sem o homem que amo... o seu papai... oh, filhinho, hoje você está maiorzinho, sua mamãe se pudesse vê-lo, já o podia até segurar... tão pequenininho o meu nenêzinho, mas já pode abrir as suas pequeninas pálpebras, agora. Será que você me veria? Isso a ciência ainda não pode explicar... mas ainda não teria consciência de nada... e o seu peso? O seu peso dentro de mim ainda é tão pouquinho... ah, meu benzinho, você tem menor peso que um saquinho de açúcar... é... sua mamãezinha sabe, viu? Mas você é ainda muito pequenino, filho meu... e ainda tem que ficar guardadinho, meu amor... sua mamãe lhe vai proteger até o dia em que você vir a conhecer este mundo aqui fora... este mundo terrível, de coisas ruins, de maldades, de perversidades e sofrimentos, de angústias... filhinho... a sua mamãe sofre tanto, meu amor... sua mamãe é tão só... sem a proteção do seu papai, o carinho dele, a ternura, a compreensão... eu preciso muito de você logo aqui comigo pra me dar forças... amor meu... vida minha... você tornou-se toda a minha determinação para viver nesta vida de amarguras, sofrimento e dor. O que estaria fazendo eu neste mundo se não tivesse você comigo, filhinho? Eu estaria só... abandonada... mais infeliz ainda... ah, eu lhe quero tanto, meu filho... eu lhe dei a vida... e no entanto eu é que devo a você a minha própria vida que deverá seguir um novo rumo daqui pra frente, um rumo de esperanças num futuro melhor... meu filho... meu tesouro... pedacinho de mim... acho que nunca havia tido uma conversa tão longa com você... mas aqui estou eu... sua mamãe, conversando com você, filhinho... filhinho...? Ou será filhinha? Sua mamãe não sabe, ainda... só sei que é o meu bebê amado... só sei que é o meu bebê amado... - ela faz uma pausa e suspira profundamente - ... nós somos sozinhos querido... cadê o seu papai? Nós dois precisamos dele... precisamos ... muito... e ele não está aqui com a gente... que sofrimento meu querido! Quanta dor me desgasta o coração...! Às vezes sinto-me morrer por dentro... sinto desejos de chorar até esgotarem-se todas as lágrimas de dentro de mim... como agora... desejo chorar... até minhas lágrimas inundarem todo o espaço em que me encontro e me afogarem num mar de dor...! Só você, filhinho, me dá um novo alento pra viver... porque... sem ninguém pra conversar mais intimamente, trocar idéias, acarinhar... as noites tornam-se longas e vazias meu bebezinho... arrastam-se... e quando, finalmente, chegam as manhãs, estas também são solitárias... só tenho você... bem aqui... juntinho de mim, bem dentro... guardadinho, meu bebê. Espero ansiosa ver esse seu rostinho. Serão verdes os seus olhinhos, meu amor? Como os do seu papai? Ai, filhinho, eu morro de saudades dele... me ajuda... me dá forças pra aguentar essa tristeza tão grande... essa desesperança quer se abater sobre mim... e eu não quero deixar... nunca...!
Dana abre os olhos.
O ambiente à sua volta somente lhe traz as recordações do homem amado.
Tudo continua do mesmo jeito no lugar. A única diferença mais terrível é a ausência dele.
E Dana, rapidamente, como se querendo exigir da sua mente uma limpeza completa nos pensamentos, dirige-se à porta para sair.
Caminha a passos rápidos, subindo os degraus que levam aos corredores para tomar o elevador.
Na porta principal do prédio, pára um pouco.
Percebe que diminutas gotas de chuva lhe tocam o rosto.
- Dana! - ouve chamar.
- Dana!
Novamente ouve alguém a chamá-la.
Pára e volta-se para olhar.
- Dana! Não é possível! É você mesma!? - a mulher aproxima-se, sorridente.
- Barbara! - olha-a, surpresa - Não acredito!
Abraçam-se, calorosamente.
- Onde tem estado você, Barbara?
- Eu é que faço essa pergunta, Dana. E você?
- Como vê, no QG do FBI.
Ambas riem.
Saem caminhando juntas.
- Dana, convido-a a jantar. Que tal?
- Hum, hum. - confirma.
- Mas me conta como está sua vida!
- Não antes de me contar a sua. - retruca Dana.
- Bem, amiga, minha vida deu uma reviravolta. - ela ri - Lembra-se de quando estávamos na Universidade?
- Sim, claro! Como poderia esquecer?
- Eu gostava de um dos nossos colegas, lembra disso?
- Sim... o... não consigo lembrar o nome. O que tem ele?
- Vince é o nome dele.
- Isso mesmo! Lembro-me agora, Barbara! Mas e aí?
- Vince é o pai dos meus dois filhos.
- Como é? - Dana levanta as sobrancelhas - Não acredito! Você já tem dois filhos?
- Os meus amores!
- Mas que felicidade, Barbara!
- É verdade. Eu e o Vince nos amamos muito! Olha... e foi um amor bem complicado... dificil de ser realizado...!
- Por que? Houve algum empecilho?
- O tempo foi um empecilho. A indecisão, a timidez também... não tínhamos coragem de nos declarar apaixonados um pelo outro... era uma loucura!
- Huumm, Barbara... eu me sinto revivendo a minha própria vida, ouvindo isso de você.
A amiga sorri para olhá-la.
- Você já viveu esse tipo de vida?
Dana não a responde.
Entram no carro de Barbara.
- Vamos, vamos jantar num bom restaurante.
Colocam os cintos de segurança.
Scully continua em sua mudez.
- Sabe, Dana, a minha vida... bem eu não posso me queixar. Os problemas em Quântico não chegam a atrapalhar minha vida pessoal e nem a vida particular atrapalha a minha carreira.
E Barbara discorre, sem parar, sobre toda a sua vida, sua carreira, seus ideais.
* * *
Chegando até onde haviam planejado, a amiga de Dana estaciona o carro.
- Puxa! Acho que falo demais, até! Por enquanto nem sei como está sua vida, Dana! Não me contou nada! - coloca a mão em seu braço - Também não dei nenhuma oportunidade, não é? Falo tanto...! Me desculpe...
Scully limita-se a um leve sorriso para a amiga.
Entram no restaurante para jantar.
O garçom aproxima-se.
Resolvem as duas amigas a pedir o prato de sua preferência.
Barbara olha a amiga mais calada do que nunca diante de si, fitando o cardápio que está sobre a mesa, mas com um claro vazio no entristecido olhar.
- Dana...? - procura chamar-lhe a atenção.
- Desculpe, Barbara... acho que estou distraida...
- Posso lhe dizer algo, Dana?
- Sim, claro. O que?
- Apesar de que há tempos não conversávamos, acho que posso usar... falar com você mais intimamente... posso?
- Sobre o que? - olha para a amiga.
- Eu a estou achando um pouco taciturna...
- Palavra mais que formal! - Dana esforça-se para sorrir.
- Triste, Dana... muito triste... quer me dizer o que houve?
- O que houve?! - repete, tentando sorrir, mas sua boca contrai-se numa atitude de choro.
- Dana... você está sofrendo? Foi alguma coisa que aconteceu?
Há muito tempo Scully não tinha ao seu lado alguém amigo que lhe falasse tão carinhosamente e interessada no seu real sofrer.
As lágrimas surgem-lhe nos olhos azuis, rapidamente inundando-os.
Ela fixa a amiga Barbara com o semblante triste e pesaroso, por muitos minutos e mais ainda continua fixando detidamente o olhar sobre a outra diante de si, tentando engolir com dificuldade o pranto, e como se naquele seu olhar estivesse a pedir um amparo.
A cada segundo mais e mais lágrimas toldam-lhe o olhar angustiado. Logo elas passam a deslizar lentamente sobre sua face.
- Dana...? Meu Deus, o que aconteceu, Dana? - a outra insiste.
Scully nada consegue explicar. Nem uma só palavra consegue pronunciar.
Como poderia? Com a garganta completamente fechada, sufocando-a, pela tristeza do que está passando? Com o coração tão amargurado, pesado dentro do seu peito?
Permanece calada, enquanto a amiga, desistindo de fazer as insistentes perguntas, toma entre as suas as mãos de Scully.
- Ah, meu Deus! Eu não sabia que você estava sofrendo, Dana! Por favor, me perdoe se eu fiquei insistindo pra você falar...!
Scully sacode a cabeça, afirmando entender.
Aceita o aperto das mãos da amiga como um consolo para o seu coração.
- Dana, eu gostaria muito de poder ajudá-la... se possível...
Neste momento, ela meneia a cabeça, negativamente.
- Eu entendo... não posso... compreendo a sua dor, sim. E você vai me contar quando puder. - fala Barbara, suavemente.
Scully, por mais alguns minutos, continua a fitar a amiga que lhe fala, limitando-se apenas a fazer sinal com a cabeça de que ela não se está se sentindo incomodada com suas palavras.
Aquele choro para ela é mais que um desabafo.
Mesmo sem palavras.
Vai fazer o possível para deixar passar aquele emocionante momento de desalento diante de Barbara, sua amiga de há muito tempo, para então, diante dela desfiar seu rosário de lagrimas e palavras.
"Amigo é aquele que nos ajuda a tomar
uma pílula amarga, envolvendo-a em açúcar."
Sophie Loeb