ORGULHO A DOIS

"O orgulho é a última coisa

que morre dentro de nós."

Labouchère

 

 

Capítulo 56

Dana espera, quase impaciente, a chegada do elevador ao térreo.

Duas mulheres dirigem-se à frente da porta para tomar o elevador, também.

Uma delas, soturna, semblante fechado, é o perfeito oposto da outra, de extrema simpatia.

As duas cumprimentam Dana, que retribui sua saudação.

Imediatamente vem à lembrança de Scully fatos acontecidos quando havia começado seu relacionamento amoroso com Mulder.

***

Dana permaneceu calada.

Scully havia adiantado os passos à frente no seu caminhar, ao ver a insistência com que a colega se dirigia a Mulder.

Ficara a fingir observar qualquer ponto na rua, a fim de fazer Mulder imaginar que ela havia sido distraída por alguma coisa importante que lhe chamara a atenção.

Mulder aproximou-se de Dana, colocou a mão em seu ombro para direcioná-la a deixarem o local.

Mulder já dirigia-se com Scully para afastar-se da insistente colega, enquanto erguia a mão, num sinal de despedida.

Esse fato fôra um introito do que iria acontecer no dia seguinte.

* * *

Dana, com uns papeís na mão, havia saido da sala do Diretor Assistente Skinner.

Adiante, no corredor, avistara Mulder conversando com a mesma colega do dia anterior.

Pareciam entenderem-se muito bem naquele momento.

Mulder não a estava atendendo com impaciência; estava bem tranquilo e falava com suavidade ao responder às perguntas da mulher.

Estava dando a ela uma extrema atenção, notou Scully.

"Será sobre a história de ontem?" - Dana perguntou-se.

Dentro de sua mente já começava a remoer-se uma dúvida.

Dana aproximou-se dos dois conversando, os quais não se deram conta de sua presença.

Mulder deu uma risadinha forçada.

Os pensamentos de Dana a atormentavam naquele instante.

"Mulder a trata com um carinho todo especial."

Para fazer-se notar pigarreou e chegou bem perto dos dois.

A colega nada dissera para cumprimentá-la.

Muito menos Dana com relação a ela.

Estavam quietas. Caladas. Uma não gostava da cara da outra.

A moça permaneceu calada, estática, vendo Mulder e Scully afastarem-se de sua presença.

Mulder, caminhando rápido ao lado de Scully, que estava quase a correr, olhava-a, atentamente.

Ele levantou a mão espalmada em sua direção:

Desciam eles agora os degraus que davam acesso à sua sala no porão.

Dana nada mais pronunciara.

Sentia-se mal.

Mulder, enquanto ouve as irritadas palavras de Scully, destranca a porta para logo nela entrarem.

Aproximara-se dela, suavemente. Permaneceu parado, por alguns instantes, com um dedo sobre os lábios, meditativo, fixando Dana.

Ela fingia não enxergá-lo a seu lado. Havia se sentado e manuseava com mãos nervosas os relatórios à sua frente, enquanto a mente remoia-se a rebuscar frases, palavras pronunciadas por Mulder. As quais a haviam maltratado tão intensamente.

O telefone chamando interrompeu a frase de Mulder.

Ficou ouvindo por alguns instantes quem o estava chamando do outro lado da linha.

Dana levantou-se. Dirigiu-se ao arquivo. Puxou a gaveta. Retirou algumas pastas. Abriu uma delas. Notou que nada estava enxergando, nessas alturas.

Os olhos não continham lágrimas mas toldavam-lhe a visão real os pensamentos alucinantes do ciúme e da desconfiança.

Imediatamente recolocou as pastas no lugar devido e bateu com estrondo a gaveta do arquivo de aço, para fechá-la.

Mulder reparou o gesto dela naquele instante.

Colocou o telefone na base, lentamente, prestando atenção ao exagerado modo de Dana.

Ela não lhe respondeu. Voltou à cadeira e sentou-se.

Mulder aproximou-se. Tocou-lhe o ombro.

De súbito o coração de Dana deu um salto dentro do peito. Compreendera, naquele momento que estava falando coisas demais.

Sentiu-se morrer por dentro.

Mas e agora? Como voltar atrás?

E o seu orgulho? E o seu amor-próprio a permitiria retroceder, pedir desculpas e fazê-lo entender que o amava muito e que todo esse mal humor havia sido motivado por um rompante de ciúme? E sem fundamento?

Mas imagine se faria isso! Nunca voltaria atrás! Dana Katherine Scully deixar-se humilhar por um homem?! Jamais!

A frase que ela deixara no ar pronunciada há poucos instantes, havia tocado em Mulder, tornando-o extremamente cansado de falar "com jeitinho" àquela mulher ali, diante dele, que era o seu verdadeiro e único motivo de viver.

Mesmo condescendente com o mal-humor de Dana, teria que retrucar as duras palavras dela com sarcasmo.

E foi o que fez.

* * *

Dana sentira o quase desprezo no tom de voz de Mulder.

Sarcasticamente acusava-a de desconfiada e outras coisas havia ele dito que lhe caira como um punhal no fundo do coração.

desconfiança e nem sequer se toca de que nada devemos um ao outro!"

Essas haviam sido as terríveis palavras pronunciadas por Mulder para ofendê-la.

O choque que tivera com a frase dita por ele fôra tão grande, que ficara sem ação, sem palavras.

Retirara-se, imediatamente.

Ao tomar o celular e as chaves do carro, estas haviam caído de sua mão, tamanha fôra a rispidez com que as havia tirado da mesa.

Ao som daqueles metais no assoalho, Mulder parecia haver despertado.

Porém Dana já havia deixado o escritório.

Mulder correu até a porta para chamá-la, mas o orgulho de homem ferido, o fizera estacar.

Não se permitiria deixar levar pelos maus sentimentos de Scully. Nunca deixaria que mulher alguma o passasse para trás na sua posíção de ser superior em relação à mulher, esse ser humano tão complicado, criado por Deus para servir de companhia ao homem. Tudo tão complicado desde os tempos de Adão!

Ficara parado no mesmo lugar, por vários segundos.

* * *

Dana chegara ao apartamento esgotada. Física e psicológicamente.

Dirigira seu carro extremamente mal.

Sentiu-se nervosa até em pensar no que teria acontecido se aquele caminhão que cortara o seu carro na pista, tivesse causado uma batida. Sabe que teria sido bem violenta. Talvez até pudesse ter causado...

Decidiu parar de pensar .

Respirou fundo.

Sentiu-se ansiosa. Frustrada.

Naquela noite Mulder deveria ir para seu apartamento, conforme haviam combinado, mas depois de toda aquela discussão, seria impossível imaginar que ele fizesse isso.

Ela retirou o casaco.

Jogou os sapatos para o lado.

Colocou as chaves na mesa.

Retirou o celular do bolso. Ia colocá-lo sobre a mesa, quando sentiu o desejo de chamar Mulder.

"Chamá-lo? Para que? Ele deve estar muito irritado comigo... e eu com ele! Mas eu o quero tanto!"

As lágrimas vieram soltas, rolando livres por sua face triste.

* * *

As horas haviam se passado lentas e desgastantes.

Desde o momento em que se havia deitado horas atrás, não conseguira nem cochilar.

A mente trabalhando sem cessar. Tristeza. Saudade. Arrependimento. Decepção.

Uma salada de sentimentos misturava-se-lhe no cérebro cansado.

Depois, após cansativas meditações, sentiu que seu corpo tinha a sensação de desfalecimento e as palpebras lhes pesavam sobre o olhos. Adormecera por algum tempo.

* * *

Dana abriu os olhos, repentinamente. Acordara do seu sono um tanto custoso de conseguir.

Olhou para o relógio na mesinha ao lado da cama: 01:25.

A garganta seca a perturbava; necessitava tomar um pouco d'água. Senti-la descer gelada e refrescante por suas entranhas.

De súbito notou que na beira da cama estava um casaco.

Sentou-se para ver. Tinha certeza de que não era o seu e mesmo que o fosse, não o teria largado ali.

"O casaco de Mulder! - percebeu - Mas isso não estava aqui! Só se ele..."

Ela andou até a sala, em dúvida do que estava imaginando.

No sofá, Mulder acomodara-se o melhor que pôde, para caber dentro dele.

"Ele veio!" - pensou Dana.

Parou por instantes.

Devia chamá-lo para a cama ou deixá-lo ali no sofá?

Dúvida cruel!

Mas o sentimento maior falou mais alto.

Aproximou-se, tocando-lhe num braço.

Ele olhou-a, extremunhado.

Dana fez um pequeno esforço com seu pequeno corpo, para levantá-lo do sofá.

Ele atendeu-lhe o apelo. Dirigiu-se para o quarto. Deitou-se.

Scully permaneceu na sala.

No escuro. De pé. Olhando para o nada.

Após meditar, resolveu ir para o quarto.

Sentou-se na cama. Deitou-se inteiramente voltada para o lado oposto de onde estava Mulder.

Ele aguardou alguns segundos.

Mulder dirigiu a mão levemente em sua direção e tocou-a nos cabelos.

Dana fechou os olhos, sentindo prazer naquele toque.

Ele alisava-lhe a cabeleira ruiva, suavemente.

Porém ela continuava, ainda, de costas para ele.

Dana não respondeu de pronto. Um longo suspiro libertou-se de seu peito.

Ele suspirou. Precisava esperar. Endireitou-se no seu lugar na cama.

Assim era a sua Dana. E ainda o chamava de imprevisível!

Então Mulder acomodou-se. Fechou os olhos. Quem sabe no dia seguinte ela estaria de melhor humor?

Em poucos segundos, sentiu ele os pequenos dedos de Dana a deslizarem sobre seu rosto.

Continuou impassível.

Ele apenas ouviu, sem responder.

Ela o fitou, compreendendo o que ele queria dizer.

Mulder tocou-lhe a face com brandura.

Os olhares se encontraram. O verde confundindo-se com o azul, formando um só todo de paixão e ternura.

Mulder deslizou a mão espalmada ternamente, do alto da testa de Dana até seu queixo.

Dana deixava um sorriso surgir em seus lábios, com o gesto terno, mas engraçado dele.

Mulder continuava com a campina verde e úmida do orvalho das lágrimas do seu olhar, esquadrinhando o azul do sereno e transparente, mas transbordante de água, do lago dos olhos de Scully.

Mulder puxou-a totalmente para si.

Abraçou-a com calor. Respeito. Ternura. Compreensão. Amor.

E no calor daquele abraço permaneceram calados.

Nenhum dos dois iria atrever-se a quebrar o silêncio que traduzia o desgosto por terem-se magoado reciprocamente.

"Algumas vezes é virtude

calar a verdade."

Metastásio