TOLICES
"Ninguém está livre de dizer tolices;
o imperdoável é dize-lo solenemente."
Michael de Montaigne
Capítulo 57
Dana estava pegando as xícaras, pires e talheres pra arrumar a mesa do café da manhã.
Inopinadamente um pires havia soltado-se de suas mãos e esfacelado-se no chão.
- Scully! Algum terremoto por aí? - berrou Mulder, do interior do apartamento.
- Sim! - respondeu Dana.
Ele apareceu, colocando somente o rosto na porta.
- Que foi, lindinha?
- Aah! - explodiu Dana - É o terremoto das minhas emoções!
Mulder riu.
- Está grotesca sua figura, Mulder, com essa cara toda cheia de creme de barbear!
- É... está com raiva mesmo! - murmurou ele entre dentes.
- Duvida?
- De jeito nenhum! - afirmou, aproximando-se dela e fitando-a insistentemente com os olhos perscrutantes.
Scully, enquanto segurava o recipiente fumegante da caféteira, parou para perguntar:
- O que foi, Mulder? Não posso quebrar um pires?
Ele continuava fitando-a, insistentemente.
- O que você quer? - ela abrandou a voz.
- Quero somente te olhar.
Dana colocou a jarra da cafeteira sobre a mesa.
Mulder permaneceu fitando-a, insistentemente.
- Por que você não vai terminar de barbear-se, hein?
- Quero ver você zangadinha. Me diverte.
- Ah, Mulder! - ela chegou até o suporte do papel toalha e arrancou uma folha.
Rapidamente, partiu em direção dele, empunhando o papel.
- Que é, Scully?
- Tira esse sabão aí.
- Por que?
- Tira...! - fez voz manhosa e espremida - Deixa...! - aproximou a folha de papel da face dele.
- Mas pra que isso?
- Hoje é sábado, Mulder!
- E o que tem isso?
- Não precisa fazer essa barba...
- Não?!
- Eu gosto dela assim... posso? - aproxima o papel novamente.
- Se me convencer de que devo deixar... - ele já a havia enlaçado junto a si.
- Ah... Mulder... é gostoso sentir sua barba por fazer roçando na minha pele...!
- Haan, haaaan!! Então você tem suas taras! - segurou-lhe a mão, direcionando-a para seu próprio rosto - Sirva-se `a vontade.
- Você deixa mesmo, Mulder? - ela abriu um belo sorriso, começando a "operação limpeza".
- E não demore! - Mulder fechou os olhos, aguardando que ela terminasse o que estava fazendo - Scully...?
- O que é? - cuidadosamente retirava da face dele a alva espuma.
- Há muito tempo atrás...
- Sim? - ela prosseguia no que fazia.
- ... uma mulher fêz a minha barba.
- Precisamente há quarenta anos. - ela rebateu.
- Que é isso, Scully? Que idade é essa que quer me dar?
- Teena Mulder fez sua barba há quarenta anos atrás... porém a dita cuja apareceu somente uns dezesseis anos depois.
- Engraçadinha! Estou dizendo que uma mulher barbeou-me! É isso!
- Está brincando! - ela parou o que estava fazendo.
- Não. - ele sorriu.
- Mulder! O que aconteceu depois?
- Fiquei barbeado, ora!
- Ah, vá, Mulder! - ficou séria - E daí... o que mais?
- O que mais o que, Scully?
- Aaaah, que rolou alguma coisa... ah, rolou... conheço você!!
- Bobagem, Scully, não diga tolices! - ele sorria, fitando-a; segurou-a entre os braços.
- Quero saber, Mulder!
- O que, Scully?
- O resultado desse barbear que a fulana fez em você.
- Ah, pára Scully! - segurou-a fortemente e levantou o rosto para o alto - Bem feito, Fox Mulder! Quem manda abrir a boca!
- Deixa pra lá. - ela soltou-se dos braços dele num ímpeto - Nos falamos depois. Tenho mais o que fazer do que ficar investigando sua vida.
- Deixe de tolice, Scully!!
Ele saiu, rapidamente, dirigindo-se ao banheiro.
Scully apertava os lábios, enraivecida.
O ciúme da desconhecida a fazia sentir-se mal. Imaginava a mulher entre os braços de Mulder, sentindo-lhe aquele cheiro bom, aquele calor sensual que emanava de seu peito forte, de sua boca sequiosa, sedenta, apaixonada, ardendo do desejo de experimentar os botões de carne dos seus seios...
- Mulder!! - gritou, exasperada.
- Que houve, lindinha? - respondeu ele de onde estava.
- Vem cá!
- Você disse que não tinha que ficar investigando...
- Vem cá! - pediu alto, mas sua voz já estava quebrando-se na emoção.
Ele reapareceu na cozinha. Ainda somente vestido num short.
Dana não voltou-se para vê-lo aproximar-se.
Mas sentiu sua presença.
- Que é, Scully? Eu ia tomar meu banho.
- E a barba?
- Não vou fazer hoje. Você pediu; certo? - beijou-lhe os cabelos.
- Mulder, a barba...?
- Sim, não vou tirar, Scully!
- O que aconteceu depois?
- Depois?!
- É... que a mulher barbeou você.
- Nada, Scully, eu já disse!
Dana largou com força uma xícara sobre a pia, a qual rolou, caindo dentro da cuba de aço.
Cruzou os braços enquanto o fitava.
- Mulder... o que aconteceu depois... entre vocês dois?
- Olha... não aconteceu nada. Só nos beijamos.
- Aaaah, só se beijaram! Você a beijou, Mulder?
- É, Scully. Eu e você não éramos nada mais que amigos, lembra?
- Não... éramos nada mais... que amigos...! - sua voz foi baixa ao repetir essa frase - Quando foi isso, Mulder?
- Mais ou menos em noventa e cinco.
- Noventa e cinco?! Eu e você não éramos mais que amigos...?!
- Deixe de tolice, Scully!
- Tolice... - voltou a repetir, fitando-o - Mulder, ela sentiu você, Mulder! Sentiu a sua boca ávida, sentiu seus braços quentes, sentiu... Mulder, você está me maltratando...!
- Scully, pára! Nem estou reconhecendo você com essas idéias!~ Você está nervosa! Por que deseja saber algo de um passado tão distante?
- De onde é essa mulher, Mulder?
- De onde era, Scully.
- Por que fala assim?
- Ela... morreu no dia seguinte.
- O que?
- Queimada dentro da própria casa.
Dana ficou parada por alguns segundos, sem saber o que pensar, o que falar.
Ela aninhou-se no peito forte e quente de Mulder.
- Eu me sinto péssima!
- Está doente? - levantou-lhe o rosto, erguendo-o pelo queixo, esquadrinhando-lhe os olhos azuis com o verde transparente dos seus.
- Não. Preciso de perdão.
- Perdoar de que, Scully? - apertou-a contra si - Esquece, porque eu já esqueci.
Ela aninhou-se mais, procurando o conforto do aconchego dos braços dele.
- A barba, Mulder...
- O que, Scully?! - ele surpreendera-se afastando-a de si - De novo?
- Quero senti-la na minha pele. - ela nem parecia ter notado o espanto dele.
Mulder deu um suave sorriso. Entendera.
Roçou-lhe então o rosto com a sua face.
Ela deixava-se deliciar os sentidos naquele roçar áspero, mas gostoso. Fechou os olhos. Aguardava mais carícias.
Mulder continuava tocando-lhe a pele no pescoço, suavemente, brandamente.
Descia mais, deslizando-a sobre o colo de Dana, que ele ia descobrindo ao abrir-lhe o robe e afastando-o de seu corpo.
Dana continuava à espera.
Era bom sentir aquela sensação. Causava-lhe um certo tremor de prazer em suas carnes.
Já com aquela face áspera, ele afagava-lhe os seios, enquanto a respiração tornava-se agitada, deixava-o quase tonto de desejo.
E ele ia dobrando os joelhos para prosseguir deslizando a face sobre a superfície branca e delgada daquele corpo pequeno de pé diante do seu, à mercê de sua boca ávida e de seu corpo sequioso à procura do dela.
O robe deslizou para o chão.
Mulder a tomou nos braços. Carregou-a para o quarto
- Mulder?
- Sim.
- Eu te amo muito, sabe?
- Sei.
- Não brinca. Falo sério.
Dana não permitiu, então, que ele continuasse ou quisesse dizer mais alguma coisa.
Apossou-se com sofreguidão daqueles lábios que a deixavam fascinada. Tentada mesmo!
Entregou-se totalmente àquele homem que era o seu amado. Sua vida.
Se alguma mulher já o possuira tempos atrás, isso então não tinha a menor importância.
Para que pensar nisso se era ela que o tinha naquele momento?
Se era ela que desfrutava da grandiosidade daquele amor?
* * *
- Daquele estonteante amor? - fala em voz alta, quase como num grito, saindo de seus pensamentos -E eu o perdi, agora! Eu o perdi... o perdi...!
O pranto que explode de seu peito a derrota neste momento, pensando no seu sofrimento.
Mas... tem que crêr num novo dia.
Com confiança! Pensar que até no impossível tem que acreditar!
E esperar pela volta de Mulder. Sempre. Sem nunca desistir.
"Aqueles que acreditam no
impossível são os mais felizes."
Eugenio de Guerin