SONHOS

 

"O sonho e a esperança são dois calmantes

que a natureza concede ao homem."

Frederico, o Grande.

Capítulo 58

Scully move-se lentamente dentro do apartamento. Como sempre, seu dia fôra péssimo. Cheio de problemas e complicações.

Um tremor mais forte ela sente dentro de suas entranhas. Esboça um tênue sorriso.

Sabe que seu bebê deve estar abrindo e fechando as pequenas mãozinhas, neste instante.

Embora nesse estado tão delicado para uma mulher, ela acabara de convalescer de um abalo em seu organismo, com o estranho virus que invadira seu corpo e que a fizera sofer um forte trauma físico.

Mas a vida de seu filho Deus havia preservado.

E ela sente-se, mais uma vez, grata a Ele por isso.

Agora, sentindo-o dentro de si, acha interessante e fantástico, quando seu bebê resolve dar uma esticadinha nas pernas. Talvez espreguiçando-se.

Dana passa lentamente os dedos sobre a pele já bem distendida de seu ventre.

O tremor novamente faz-se sentir em sua carne.

Dana pára de falar e põe-se a meditar:

Dirige-se à janela.

Enquanto enxerga o movimento da rua lá fora, lembra do penúltimo dia em que teve o seu amado junto a si.

* * *

Ele havia comentado sobre o bebê de Thereza Hoese e dissera:

Eles ainda estavam deitados naquela cama do hotel em Bellefleur.

Naquele momento ambos sentiam-se tristes e infelizes. Pairava uma intensa suspeita no ar. Uma cruel dúvida: os alienígenas estariam querendo levar a quem? A ele ou a ela? Essa dúvida atroz os intrigava, pois não havia uma certeza total.

Mas não a comentavam entre si. E sofriam. Mas disfarçavam o sofrimento conversando a respeito de outro importante para os dois: o desejo frustrado de Scully de tornar-se mãe.

Ele esquadrinhou o fundo dos amados olhos azuis:

E Dana assentira. Balançara suavemente a cabeça, confirmando que acreditava nas palavras dele.

* * *

"Mulder sempre tivera certeza de coisas que eu julgava fantasiosas em sua mente. Hoje vejo que ele sempre teve razão. Sempre devemos ter uma fé, uma certeza, uma esperança. E com esse sentimento podemos nos fazer fortes, corajosos e convictos de que há uma resposta positiva sempre à espera de nossos ideais, nossos sonhos.

Mas e ele? Mulder? Não pôde ficar pra ver... pra ver seu filhinho que geramos juntos, com nosso amor...

Mulder!"

Os pensamentos de Dana a perturbam.

Um cansaço amortece-lhe o corpo, fazendo-lhe pesar os seus menbros como peças de chumbo.

Dirige-se para a mesa.

Debruça-se nela, colocando a cabeça sobre os braços dobrados.

"Ah, se pudesse falar com Mulder, vê-lo, senti-lo um pouquinho, alguns segundos que fosse!"

Ela ouve um leve ruído ao seu lado.

Ela levanta a cabeça.

Dana não sabe se ri ou se chora.

Ela levanta-se, ansiosa.

Ele a abraça, suavemente.

Ela o sente com as carnes frias; não como costuma ser, ardente, abrasador.

A voz dele soa chorosa e angustiada.

Dana está comovida.

Dana sente vir brotando do âmago do seu ser, dilacerando-lhe as forças, um soluço dolorido e profundo.

Ela percebe pelo tremor do corpo de Mulder, que nele também os soluços de dor e angústia estão saindo de seu peito alquebrado.

Estão abraçados e choram. Sentidos. Infelizes. Carentes.

Dana sente que seu peito parece que vai estourar, tamanho é o desespero em que se encontra.

Um explosão de dor em que seu corpo se despedaçaria em milhões de fragmentos sanguinolentos, que voariam pelo espaço.

Dá um grito.

* * *

Levanta, rapidamente, a cabeça de sobre os braços, angustiada.

Sabe, tem certeza, então, de que tudo fôra um sonho ao adormecer por alguns momentos.

Mas as palavras que ele lhe falara eram como um pedido de socorro.

Como poderia ajuda-lo? Como?

Pára, por instantes. Concentra os pensamentos.

Súbito, um tremor mais forte, novamente a faz voltar à realidade e voltar-se para seu filho.

"Meu filho sente-se abalado com as minhas emoções. E eu não posso deixá-lo sentir isso. Não devo."

Dirige-se ao quarto, agora.

Abre o guarda-roupa. Dele retira uma pilha de roupinhas de bebê.

Ajoelha-se ao lado da cama. Dispõe as peças espalhadas sobre a colcha, alisando uma a uma as delicadas roupinhas.

Deseja curtir o seu sonho. Do seu ideal há tanto almejado.

Sobre toda a cama está o enxoval do bebê que deverá chegar dentro de mais alguns meses.

Entre os dois extremos de seus sentimentos há um coração repleto de esperança.

Dois extremos indiscutivelmente contrastantes.

A felicidade de ter o sonho realizado: estar grávida e ser mãe.

A angustiante dor de saber o seu amado distante, perdido, morto... quem sabe?

Mas o desejo de tê-los ali, a seu lado, é o seu sonho mais forte. Mais dominante. Invencível.

"Aquilo que desejamos com ardor,

facilmente imaginamos em nossas mãos."

Edward Young