NO SOSSEGO DO LAR
"O lar é onde o coração
do homem cria raizes."
Ibsen
Capítulo 62
Os olhos arregalados dela o estão deixando assustado neste instante.
- Meu Deus! - ela levanta-se rápido da cama, com Mulder acompanhando-lhe os gestos.
- Pode me falar o que houve? - pergunta, seguindo os passos apressados de Dana.
Mas ela já dirige-se agitadamente à cozinha.
- O leite!
- O que tem o leite?
Já chegados à cozinha consegue observar a bandeja do fogão inteiramente branca pelo leite que havia drrramado durante a fervura.
- Ah, lindinha...! - e solícito corre a ajudá-la na limpeza.
* * *
Dana vasculha com mãos agitadas os utensílios na gaveta do armário.
Pega os talheres que está precisando.
Coloca-os na bandeja ao lado do prato já ali arrumado.
No seu íntimo sente imensa satisfação em preparar a refeição para o seu amado.
Toma a bandeja, encaminhando-se para o quarto.
Mulder está recostado sobre os travesseiros. Olhos fechados.
- Ooooi! - ela sussurra com voz doce, pousando a bandeja sobre a mesinha.
Ele abre os olhos.
- Scully, por que trouxe até aqui? Não precisava! - fita-a com olhar maroto - Ah...já sei... isso é para que eu não veja a bagunça da cozinha.
Dana cruza os braços, contrafeita:
- Já vi que você já está se recuperando bem rápido. Já falando gracinhas...!
- E você agora, lindinha... - faz sinal com os dedos para ela aproximar-se - ...não tem mais trabalho porque tem um apoio legal para os seus braços...
Dana olha para seus próprios braços cruzados, que encontram apoio no seu ventre volumoso. Começa a rir e aproxima-se de Mulder. Entrega-se ao abraço quente dele.
- Ah, meu Deus! Quanta falta eu senti disso! - ela exclama.
- Scully... a saudade quase me mata mais do que meu próprio sofrimento. Saudade dessa coisa boa que é ter você nos meus braços, assim... sentir a sua boca, o perfume dos seus cabelos... Scully...
Ela afasta-se, usando de imensa ternura:
- Vamos, Mulder, tome logo sua refeição.
- E você, lindinha? - fala, enquanto pega um garfo.
- Já belisquei tanta coisa que não sinto mais vontade de comer.
- Ah, não! Isso não pode ser! Você tem uma grande responsabilidade! - agarra-a com amor.
- Eu sei, Mulder, eu sei!
- Pois então?
Mulder toma em mãos a bandeja de sobre a mesinha, levanta-se da cama com rapidez e, enquanto Dana o olha estupefata vendo-o sair do seu repouso, ele, com uma das mãos segura a bandeja e com a outra enlaça-a pela cintura.
- Scully, acho que tenho que ter um braço biônico.
Ela ri, divertida.
- Que quer dizer com isso, Mulder?
- Que só com um daqueles, consigo abarcar sua cintura... porque estica... como o do herói de uma série de TV.
- Ah, tá. - ela diz - Só não esqueça é que você foi quem me fez ficar assim.
- Porque você queria um filhinho...!
- E você não?
Ele toma entre as duas mãos o rosto dela:
- E você, com isso, completou a minha felicidade, Scully. Esteja certa disso.
- Eu acredito em você... como sempre.
- Assim como as mulheres, todo homem sente desejo de ter um filho... sei lá... saber que passa a ter uma descendência... saber que pode gerar um novo ser... é isso! - puxa-a para a mesa - Venha, Scully, vamos sentar aqui.
Encaminha-a para a mesa e puxa uma cadeira, enquanto ajuda-a a sentar-se.
- Está tão cavalheiro comigo, Mulder! - fala, com um sorriso maroto.
- É... você precisa, Scully, de minhas gentilezas, pois vocês aí são dois...
Ele adianta-se para pegar uma colher no momento preciso em que ela vai também pegá-la.
- O que é isso? - ela espanta-se.
Mulder não responde.Com a colher pega um pouco da sopa que está no prato, diante de Dana.
- Mas Mul... - tem que cessar o protesto.
Mulder já leva até sua boca a colher da cremosa e fumegante refeição.
- Assim... Scully... hum...? Você é a minha garotinha, tão pequena, mas que vai me dar uma outra garotinha... ou um garotinho? Sei lá... eu amo vocês dois... - vai falando, enquanto coloca a colher na boca de Scully, pouco a pouco.
Durante alguns minutos permanece esta cena carinhosa dos dois.
- Chega, Mulder! Não quero mais...!
- Tem que se alimentar bem, lindinha!
Ela afasta com a mão a dele, que lhe chega à boca segurando a colher com sopa.
- Não quero mais... por favor... sim?
- Ok, ok. Tudo bem. Como quiser.
Ela fita-o, espantada:
- Está zangado?
- Claro que não; por que?
- Lembrei de uma frase de tempos atrás. - ela ri, tapando a boca, lembrando-se do passado - Às vezes, Mulder... depois que você... quando ... ahn...
- Quando eu morri...
- É isso... faltou-me coragem para falar nisso... então eu me punha a pensar como poderia suportar os dias sem ver você... depois de assistir a tudo aquilo... - seus olhos marejam de lágrimas - ...Mulder... eu não estava aguentando... eu tinha que levar minha vida na rotina do dia, no trabalho... mas via você em toda parte... eu via você sentado à mesa, via-o junto aos arquivos... via-o aqui em casa... em toda parte... - e sua voz entrecortada pelo pranto deixa Mulder consternado.
- Scully... - afaga-a na face com os lábios - ... não relembre isso, porque agora estamos aqui... juntos....
- Sim, Mulder. - ela fala com o queixo apoiado no ombro dele, que havia abaixado-se para assim permiti-la fazer-se alcançar entre seus braços.
- Vem, Mulder.
- Espera lá no quarto. Vou fazer uma coisa.
Ela o aguarda ainda por segundos. Sai, então, dali.
Mulder vai , rapidamente, para a máquina de lavar pratos e coloca os pratos e demais vasilhames nela.
Precisa ajudar Dana. Em tudo.
* * *
- O que foi isso, Mulder?
- Esse barulho estranho?
- É...
- Será porque a máquina está meio balançante lá?
- Que quer dizer com balançante?
- Está fora de nivel.
Dana dirige-se para o lugar de onde vem o barulho. Chega até a cozinha.
- Jesus, Mulder! O que você fêz?!
Ele já encontra-se perto dela.
- Lavei a louça, claro!
- Mas, meu Deus, Mulder, não me diga que essa caixa de sabão aí foi pra alguma coisa?
- Lógico que foi pra lavar a louça!
- Ah, não!! - não contém o riso - com sabão de lavar roupas! Não acredito!
- E não é a mesmo coisa?
- Você está brincando! O sabão da lava-louças está aqui, Mulder! - retira uma caixa do armário.
Ele chega-se mais para ela, falando em tom baixo:
- Não me diga que não é a mesma coisa...
Dana encara-o Mãos à cintura, desafiadoramente sorridente:
- Não é a mesma coisa, homem! Já se viu isso? O sabão para roupas tem perfume!
- Ora, ora, Scully! Não faça tempestade num copo d'água!
Dana dobra-se de rir com a atitude impensada de seu amado.
Mulder encaminha-se para a sala.
Senta-se desanimado no sofá, semblante aborrecido.
Dana o segue em seus passos.
- E eu só queria te ajudar...! - lamenta-se.
Dana achega-se para ele, tomando-lhe as mãos, as quais leva junto à sua face, carinhosa.
- Oh, Mulder, queridinho... meu doce... eu não estou dizendo que você não ajudou, tá?
Ele não responde, ainda emburrado.
- Hum...? Não vai falar comigo?
Ele apenas a olha.
- Eu quero dar uma mordidinha nessa bolotinha ...
Já agora Mulder tem quebrada a sua expressão séria e fita-a, brincalhão:
- Qual das duas você quer? A do lado direito ou...
- Pára, Mulder...! - sussurra - Eu me refiro somente à bolotinha do seu queixo com esse...
dá mordicadas - ...com esse buraquinho dentro...
- Eu também aprecio buraquinhos...
Em dado momento agarra-a e senta-a em seu colo.
- Mulder! Você já está com todas as suas energias!! - comenta excitada.
- Ou você pensa que minha fraqueza iria durar pra sempre, Scully?
- Não... nem tanto... mas também não imaginava é que...
Ele não a deixa falar.
Coloca seus lábios molhados suavemente sobre os dela.
Alisa-lhe os cabelos, retirando-lhe do rosto algumas mechas caídas sobre a face.
- Scully... eu não morri totalmente... eu ainda estou bem vivo... com todos os meus sentidos em forma...
- Eu sei.. - ela murmura-lhe aos ouvidos - ... eu sei... nunca duvidei disso...
Mulder pousa a mão espalmada sobre o ventre dela.
Um grande volume aparece em movimentos ondulantes.
Ambos riem-se, divertindo-se com a cena.
O ruído da campainha os faz parar seu divertimento.
- Quem será? - pergunta Scully, curiosa.
- Pela hora, talvez algum dos nossos colegas de trabalho.
Scully vai abrir a porta, enquanto Mulder saboreia um biscoito, tranquilamente, enquanto dirige-se ao interior do apartamento para vestir uma camisa.
Mulder ouve a exclamação de Scully, vindo da sala.
Dirige-se para lá, abotoando a camisa.
- Agente Mulder, como está?
- Como vê... ainda vivendo.
Enquanto a porta está aberta, outro visitante mostra seu rosto.
- Dogget!
- Como vai, Mulder? E você, Scully?
- Entrem, entrem! - convida-os ela a entrar.
- Dêem-me licença; é só um minuto! - pede Mulder, afastando-se.
Skinner e Dogget acomodam-se em poltronas. Ambos abrem um amplo sorriso para Dana, ao vê-la com a felicidade estampada no rosto.
- Eu peguei carona com o Dogget e ao passar perto, resolvemos subir até aqui.
- É muito bom revê-lo. - diz Dana.
Alguns minutos passam-se, enquanto conversam animadamente.
Num dado momento, Dana sente que deve chamar Mulder para a sala. Afinal ele precisa conversar com os amigos.
- Esperem só um pouquinho, por favor! - diz aos visitantes.
Dirige-se ao quarto. Mulder não está lá.
Vai para a cozinha.
Lá está Mulder: camisa inteiramente molhada numa mancha escura. A cafeteira com o café esparramado integralmente sobre o aço da pia.
Somente o aroma da bebida pode ser aproveitado.
Dana leva as mãos à boca:
- O que que é isso?!
- Eu só tentei fazer um cafezinho, Scully! Só isso!!
Dana sorri num jeito brando.
- Eu só queria servir um cafezinho com biscoitos de ... sementes de girassol...! - ele explica.
Dana sabe que nem deveria rir demais pelo acontecido. O seu riso franco poderia até fazer os visitantes entenderem que Mulder estava enrolado , na cozinha, quando na verdade, estava somente um pouco ... embaraçado .
Chegou próximo a ele, fazendo-o abaixar a cabeça até sua altura e segurando-a, beijou-o no pescoço, na face, nos olhos, no queixo.
- O meu Mulder bonzinho... lindinho... que só quer ajudar... obrigada. - acaricia-o
E, num gesto rápido, da-lhe uma boa palmada na nádega, enquanto o beija. E logo fala:
- Vá já, agora mesmo, trocar essa camisa e atender as visitas.
E enquanto Mulder afasta-se, sem protestar, ela com ternura, acompanha-o com o olhar repleto de amor, meditando como se sente uma mulher tão feliz, nessa simples união, como se fosse verdadeiramente um casamento com Mulder.
"Antes do casamento os olhos devem estar
bem abertos; depois do casamento, semi-cerrados."
Benjamin Franklin