INGRATAS RECORDAÇÕES

 

"A recordação é um veneno que se

forma em nossa alma e vai aniquilando

a sensibilidade do coração."

Leclerc

CAPÍTULO 69

Enquanto Mulder continua à frente dos seus superiores no FBI, Dana, em casa, recorda os dias terríveis de sua própria abdução em 1994, quando havia sofrido várias agressões químicas em seu organismo; e seu corpo servira para testes daqueles seres alienígenas, que a haviam levada da Terra por algum tempo.

* * *

E como se houvesse um entrelaçamento da mente de ambos, também Mulder passa a ter em cenas rápidas na sua mente as lembranças ao rememorar o seu desespero naquela época passada, em atormentada busca por Scully desaparecida, tentando, por todos os meios tê-la de volta.

E o sofrimento por sentir-se o responsável por terem os alienígenas abduzido Dana, a sua companheira de trabalho, prejudicada pelas suas incessantes teorias de que os alienígenas pretendem invadir nosso Planeta, e que ela fôra mais uma das mulheres abduzidas para testes e tivera seu corpo violado, tendo sido extirpados dela seus óvulos, tornando-a estéril. E tudo numa conspiração acatada pelo Governo, cujos membros prejudiciais para a Terra, pertencentes ao Sindicato das Sombras, liderados por um forte grupo maligno, principalmente o C.G.B. Spender, o Canceroso e com o apoio de militares, haviam sido e eram ainda os causadores de tantos males a centenas de milhares de seres humanos.

E Mulder também recorda que, tempos depois, encontrara o esconderijo secreto usado pelo Sindicato, e que naquela ocasião ele conseguira obter os tubos de laboratório que continham os óvulos que haviam sido retirados de Scully.

E Dana, ciente desse acontecimento tempos depois, quase o odiara por ele ter escondido dela o fato de haver encontrado seus óvulos e nada lhe ter falado. Porem, embora ela o tivesse recriminado, Mulder só havia tentado ajudá-la, fazendo-a não sofrer mais com aquela apavorante descoberta.

* * *

E Dana, em casa, por seu lado, está rememorando a aparição de Emily em sua vida. Emily. A sua filha genéticamente criada fora de seu útero e que obtivera durante cinco anos os carinhos de outra mulher que havia sido a gestante dos seus próprios óvulos, os quais haviam sido retirados de seu corpo.

Esse fato a chocara tanto, que quase a desnorteara em seu trabalho no FBI, como em sua vida particular.

Dana havia, involuntariamente, se tornado uma mulher estéril e no entanto havia encontrado a sua própria filha, reproduzida artificialmente com seus óvulos retirados pelos alienígenas.

Mas Emily falecera. E junto com ela levara os sonhos de Dana tornar-se mãe. Mãe de uma filha que não havia nascido de si mesma.

Coloca as mãos sobre o ventre que mostra os movimentos do seu bebê irrequieto.

Com um meigo sorriso acaricia-o, através de sua pele.

"Mas agora...agora depois de toda aquela desesperança em ter um filho... eu estou grávida...! Vou ser mãe! Meu Deus, estou feliz! Mulder está vivo! E está comigo! E vamos ter um filho!"

Dana sorri, erguendo e jogando para trás a cabeça, prazerosa.

De súbito, cai na triste realidade. Toma um pequeno susto. Leva a mão à boca.

"Mulder está lá... entre aquelas feras que o querem devorar!"- pensa, apreensiva.

Levanta-se e toma o celular sobre a mesa. Segura-o, hesitante, entre as mãos.

Deseja digitar o número de Mulder. Mas não o faz. Receia não ser a hora propícia para falar com ele. Porém sente que tem que telefonar. Precisa ouvi-lo. Tem extrema necessidade de ouvir a voz suave de Mulder. Sensual e cheia de convicção.

Coloca, no entanto, o aparelho sobre um móvel.

Dirige-se ao banheiro.

* * *

Mulder havia se retirado da sala de Kersh.

Haviam-no dispensado, mas permanecera quase toda a Diretoria ainda reunida no local.

O Agente caminha com passadas decididas e pesadas nos corredores do FBI.

Dispensaram-no da reunião, sem, na verdade, explicarem-lhe o resultado de tal entrevista. E a sua real finalidade.

Uma idéia, porém, faz-se nítida na mente dele: deixar o FBI, deixar para trás o trabalho que havia sido por longos anos o seu ideal, todo o seu sonho de homem à procura da justiça. Sempre.

Mas no momento, tudo o mais pode esperar.

Seus pensamentos e carências dirigem-se para Dana.

* * *

Mulder gira a chave na fechadura. Seu coração sente-se aliviado por estar de volta. De volta à sua casa. À sua Scully. À razão de sua existência.

Imediatamente seus olhos espertos de agente observam que Dana não se encontra.

Ele resolve jogar sobre a cadeira o paletó e atirar-se sobre o sofá.

Braços cruzados sob a nuca. Fecha os olhos e pensa.

"Deixar o meu trabalho de tantos anos? Será que terei como agüentar manter-me na lerdeza de constantes dias sem agitação, buscas, perigos e, por vezes, desagradáveis surpresas? Será que poderei levar minha vida longe da rigidez autoritária dos superiores do FBI? A procura por Samantha, minha irmã desaparecida aos oito anos de idade, obrigou-me a ter durante a minha juventude os anos mais intensos de minha vida. E só agora... somente agora... quase oito anos depois, pude constatar que ela já estava morta... - seus olhos enchem-se de lágrimas - ... morta há muito tempo... abandonada numa cova... ela e muitas outras crianças... naquele campo frio... - seus pensamentos vagueiam ininterruptos - ... meu pai... errado e desumano, maltratando minha mãe... minha mãe que também errou, tendo um caso com aquele homem... aquele homem... e ele ... ele... era o meu pai? O meu pai...?! Eu fui o fruto de um pecado? E o meu pai que me criou? - aperta a cabeça entre as mãos - Tudo me vem à lembrança neste momento. O sofrimento de minha mãe maltratada e... doente... muito doente, sem cura... morta por suas próprias mãos... - ele engole em seco, descobre o rosto angustiado - ...minha mãe foi uma suicida... quanta dor, quanta tristeza... eu me sentia cada vez mais só... - abre os olhos, vendo o teto - ... mas Scully era o meu amparo, a minha doce companhia na morte de minha mãe. A minha Scully, minha companheira... e eu quero dar-lhe tudo de mim... o meu amparo, segurança... para sempre... eu quero... desejo que seja minha mulher... para sempre! Eu quero dar-lhe um nome e poder assumir o meu filho. Formaremos a nossa família..."

Um ruído de chaves na porta o desperta de seus pensamentos.

Dana penetra na sala onde se encontra Mulder, colocando alguns pacotes na mesa.

Ele não responde. Estende a mão para recebe-la com uma carícia.

Dana aproxima-se.

Mulder levanta-se e ajuda-a a achegar-se até ele.

Os dois sentam-se no sofá.

 

"A moral ensina a moderar as paixões,

a cultivar as virtudes e a reprimir os vícios."

Lamennais