SENTIMENTOS EM REFLEXÃO
"Os raciocínios todos dos homens não
valem um sentimento de mulher."
Voltaire
CAPÍTULO 71
Scully desperta neste exato momento. Olha o relógio digital sobre a mesinha ao lado.
"Ora, graças a Deus!" - pensa.
Conseguira dormir quase duas horas numa posição proibida pelo seu filhinho: deitada.
E acordara precisamente porque neste exato momento o bebê está verdadeiramente irrequieto dentro da bolsa com líquido amniótico, onde se encontra abrigado.
Dana sorri pela inquietude da criança e, com uma pequena careta de dor e incômodo, mansamente ajeita-se para deixar o confortável e gostoso recosto no peito de Mulder.
Procurando mover-se suave e vagarosamente, ela senta-se na cama. Acomoda-se com o auxílio dos travesseiros, a fim de prosseguir o resto da noite recostada somente na cabeceira. É assim que tem que passar o restante das horas até o amanhecer.
Esboça um sorriso e pensa, colocando levemente a mão sobre o ventre:
"Ainda me deu uma colher de chá, me deixando dormir um pouquinho com seu pai, não é, filhinho?"
* * * * *
Mulder abre os olhos na escuridão do quarto.
O ambiente escuro e em paz , mais o conforto dos cobertores, o deixa entregue à languidez do sono novamente.
Mas olha a seu lado.
Dana está recostada no monte de travesseiros. A cabeça pendida para o lado. Dormindo um sono tranquilo. Mas incomodamente desconfortável.
"Poderia estar dormindo normalmente! - imagina repentinamente - Mas o bebê não deixa!"
Vêm-lhe ao pensamento uma frase:
"Ser mãe é padecer no Paraíso.."
Lembra que ouviu-a em algum lugar. Só consegue recordar que é de algum autor estrangeiro.
De olhos abertos permanece fitando o escuro do ambiente. As idéias voam na sua mente, levando-o a meditar ainda mais sobre os acontecimentos atuais.
"- Por que tive aqueles pensamentos outro dia? Há verdadeiramente uma dúvida dentro de mim; Scully é estéril. Jamais poderia gerar uma criança; no entanto ela engravidou! E como é isso possível? - passa a mão pela testa e vira-se para o lado oposto de onde está Dana - Naquele dia eu comecei a ter meus pensamentos voltados para o caso do bebê. Como é possível ter sido gerado, se naquela experiência de fertilidade com os próprios óvulos dela não deu certo? E como é possível isso agora? É ele, o bebê, realmente o produto de nossa união? Ou a mão de Deus? - fecha fortemente os olhos, relembrando as frases de outro dia, tentando tirar da mente os pensamentos - Como naquele dia, minha mente só consegue pensar: sobre o que eu posso contar a essa criança sobre o seu nascimento? O que eu posso dizer à Scully? O que posso dizer a mim mesmo? Mas enfim, por que a dúvida? Pois se nós dois nos unimos, e embora Scully totalmente estéril, os milagres de Deus não acontecem sempre a qualquer momento? E Deus acha que merecemos. Merecemos receber esse presente. O presente pelo nosso amor. E nós dois queremos e precisamos ser como todos os casais comuns do mundo... amar, ter uma descendência...!"
Neste momento Dana geme levemente, remexendo-se no seu lugar.
Mulder senta-se.
Ela esboça um fraco sorriso.
Ele acena positivamente com a cabeça, compreendendo.
E logo ele prepara uma trinca de almofadas que o ajudará a ficar recostado também à cabeceira da cama, fazendo companhia à Dana.
- Não, Mulder! - suplica, insistindo.
Como resposta ele apenas enlaça-a, acomodando-se os dois sobre as grades de madeira clara.
descansar!
Ele apenas volta a enlaça-la com doçura, sobraçando-lhe o ventre volumoso.
Dana sorri. Geme baixinho e coloca-se mais comodamente na posição que a favorece ter uma dormida melhor.
Segundos em silêncio.
Ele fala isso e puxa para ela os cobertores, abraçando-a com veemência, para faze-la sentir mais o seu calor.
Outros segundos passam-se.
E pegando a mão de Mulder, dirige-a para que ele possa afagar a pele de sua barriga.
Assim ficam por vários minutos.
Dana ensaia uma pequena e discreta risadinha, que lhe sacode um pouco o corpo pesado.
- Pára, Scully!! Vai acordá-lo!! - pede aflito, sussurrando.
Silêncio.
Alguns minutos mais desenrolam-se no tempo.
As pálpebras de Mulder desobedecem-lhe e ele não pode mais mante-las abertas.
O ressonar leve de Dana é o único ruído mais audível no recinto.
O trabalho incessante e arrastado do relógio digital também tem seu ruído discreto no quarto.
As cortinas cerradas da janela não deixam passar a claridade da lua lá fora e dão o devido conforto ao aconchegante ambiente.
Tudo é calmo, agora.
O casal já dorme na solidariedade do desconforto, e na melhor posição para um bom sono.
Mas o amor no coração os sustenta e os faz sentirem-se como se estivessem na mais completa comodidade, entre os aconchegantes e macios lençóis.
"O sono é a sombra em que a alma repousa.
É um mergulho na eternidade."
Coelho Neto