O MILAGRE VEM DA CRENÇA
"Crença é a luz da razão,
quando esta já não pode iluminar."
Georg Wulft
Capítulo 78
Mulder observa, embevecido, seu bebê sugando com sua boquinha diminuta, calmamente o seio farto de Dana.
O seu olhar perscruta os dois seres humanos ali, à sua frente:
'Maravilhosos seres criados por Deus para deleite de quem os ama!" - pensa, com arrebatamento.
Ele coloca as pontas dos dedos no rostinho da criança, leva-os a seguir ao rosto de Dana, afagando-o, carinhosamente.
- Scully...?
- Ahn...?
- Estou pensando...
- Em que?
- Se após toda essa luta podemos ir para fora, por algum tempo.
- É provável, Mulder.
- Até quando você está de licença no trabalho?
- Três meses.
- De minha parte vou ver como ficam, daqui pra frente, certos planos que tenho em mente.
- Planos?
- Ahn, ahn.
- Posso saber?
- Por enquanto, não.
Pausa. Ambos olham a dádiva de Deus entre os braços de Dana.
- Mulder?
- O que?
- Estou com frio.
- Então vem cá... chega bem perto...
- ... me abraça.
- Eu sei que sou o seu agasalho.
Ela sorri e se entrega ao calor dos braços dele.
- É lindissimo, Scully. Maravilhoso!
- Nosso filhinho?
- Claro. Mais que isso é esse milagre de vida.
- Deus achou que merecíamos...
- Com certeza!
- Nós só temos que agradecer a Ele esse milagre.
- Estou certo disso.
Pausa. Olham enternecidos seu bebê.
- Ele parou, Scully?
- É. Está de barriguinha cheia... agora é facil, mas daqui a mais alguns dias vai dar trabalho.
- Por que?
- Porque, à medida que ele puxa o leite, mais vai aumentando de quantidade e o bebê passa a ter que mamar nos dois seios para aliviar também a mim.
- Scully...
- O que?
- De outra vez providenciaremos gêmeos.
- Está brincando... oooooiii!
- O que foi?
- Sente como está quente aqui.
Mulder coloca a mão onde Dana lhe indica.
- Realmente. Já sei. Acabou de fazer pipi e...
- Tenho que trocar a fralda.
- Deixa que eu pego.
Dana coloca o bebê na cama. Retira a fralda molhada e suja.
Mulder observa, atento.
- Scully... é bem grandinho...
- É sim! - ela ri - No início o saquinho é bem desproporcional mesmo em relação ao... - olha-o de soslaio, com um leve sorriso desenhado no semblante.
- Engraçado...!
- Vou preparar o banho dele, Mulder.
- Deixa que eu trago a banheira.
- Tá.
Mulder apanha a banheira fechada e abre-a perto da cama de casal. Coloca perto dela os objetos necessários ao banho do bebê.
Dana retorna ao quarto com a vasilha que contém a água tépida. Despeja na pequena banheira.
- O que vai fazer agora, Scully?
- Banhar o bebê.
- Isso eu sei.
- E então? Mulder... quero aquelas roupinhas ali. - aponta.
- Espera. - pega-as e traz - toma aqui.
- Deixa aí na cama pra mim.
Dana coloca, cuidadosamente, seu filhinho na água, amparando-o em seus pequenos ombros.
- Vamos, meu filhinho, vai ficar bem limpinho...! - fala, com a criança.
- Pra depois dormir... comer...
- ... e novamente dormir... comer... tomar banho!
- É... ô cara! Você tem boa vida, meu!
- Não me chama de boa-vida, meu papai! - fala Dana, imitando uma voz infantil.
- Ah, Scully... ei Scully?! - surpreende-se - Por que está fazendo isso?!
- Não se preocupe, Mulder.
- Mas pra que é isso? E não dói?
- É o dever de toda mamãe arregaçar a pelezinha do prepúcio, para que o bebê não sofra de fimose quando se tornar adulto.
- Scully...
- O que?
- Será que a minha mãe fez isso em mim?
- Se você não padece com esse problema, certamente ela foi cuidadosa.
- Aaahn... será que fui um bebê bonito? - coloca os dedos sobre os lábios, num gesto que lhe é peculiar.
- Com certeza igualzinho a seu filhinho aqui.
- Huuum... tenho dúvida.
- Por que isso? - acha engraçada a frase duvidosa dele.
- Porque eu nasci por acaso... de um pecado.
- Mulder, pára com isso! Não diga bobagens! Me ajuda aqui, anda!
Ela retira o bebezinho da água e o envolve na toalha.
As divertidas risadas dos dois ecoam no quarto.
- Ei, garoto! Precisava fazer isso?
- Ai, Mulder,muito engraçado! Ele molhou a sua camisa pra valer!
- E que pontaria, meu!!! Parece até que fez mira bem no meu peito!
- Sai da frente, meu papai! Senão te dou outro esguicho com a minha mangueirinha! - brinca ela.
Enquanto Dana limpa com o creme apropriado as partes íntimas do seu bebê, Mulder retira a camisa molhada pela urina da criança.
- Scully...?
- O que?
- Já vi que nossa vida vai dar uma guinada de trezentos e sessenta graus, caramba! - vai para o armário pegar outra camisa - Estou me divertindo com isso... mas Scully... certo dia, antes do nosso filho nascer, você estava me explicando que os bebês começam a conhecer o mundo com a língua... é isso?
- É isso. No tato e no paladar é que eles aprendem as coisas e isso acarreta sempre grandes problemas.
- Não entendo o porquê. - está parado diante do berço, mãos seguras nas grades, observando a criancinha dormindo, tranquilamente.
- Eu lhe digo o porquê. No momento em que os bebês estão engatinhando, não estão arrastando as mãos pelo chão? Pois é daí que os milhões de bactérias vão-se acumulando ali nas palminhas de suas mãos e eles depois levam-nas à boca... ou então tomam um objeto do chão levam-no à boca... daí que...
- ... as amigdalas infeccionam-se por infectação, devido à sujeira das mãos da criança.
- Você já entendeu, Mulder. Já pode julgar-se um perfeito papai!
Dana aproxima-se de Mulder e nota o seu semblante embevecido, olhando para o filho.
Ela abraça-o por trás. Pousa o rosto sobre as largas costas dele.
- Huuuum, Mulder!
- O que foi? - ele volta-se para ela.
- Eu pensei que a felicidade não existisse.
- Sabe, Scully? A gente sempre precisa ter uma fé... acreditar... saber que muita coisa podemos realizar na vida sempre acreditando em Deus... no seu poder. O milagre é realizado tendo-se uma fé, uma crença Nele.
Dana penetra com seus olhos infinitamente azuis o esverdeado transparente do olhar de Mulder.
- Eu gosto de vê-lo falar assim, Mulder!
- Nós precisamos ser felizes, Scully! Se Deus nos deu o merecimento de até gerarmos um filho, então não estamos de jeito nenhum esquecidos por Ele.
Abraçam-se. Os lábios de Mulder procuram os de Dana. Ele envolve o corpo pequeno e frágil dela, apertando-o com ardor, balançando-a suavemente, como se a estivesse ninando.
- Scully... ah, Scully... e se tudo tivesse sido diferente? - ele fala em sua voz sussurrante.
- O que?
- O que você ouviu, Scully.
- Mas não entendi, Mulder! Às vezes você fala complicado e a gente não consegue entender bem as palavras.
- Como assim? - franze o cenho.
- É que você fala sem quase abrir a boca!
- Ah é? Engraçadinha!
Mulder aperta-a com força, enquanto ela ri.
Caminham abraçados até a janela.
Seus olhos divisam lá embaixo as folhas das árvores que baloiçam sob o vento frio que sopra. Aqui e ali, aos poucos, pequeninos e leves flocos brancos vão pousando sobre tudo, na rua.
Alguns poucos transeuntes caminham, mostrando as golas de seus agasalhos quase lhes cobrindo o rosto... mãos nos bolsos para aquecer... quem sabe, além das mãos, até seus próprios corações...?
"O coração tem, como o mar, as suas tempestades."
Zanella