"O único meio de sair ganhando
em uma discussão é evitá-la."
Dale Carnegie
Capítulo 79
Ainda parados junto à janela, continuam a contemplar a rua com ar embevecido, como se estivesse apreciando um cenário de seus próprios corações, sua própria alma repleta de apaixonantes sentimentos.
- Mulder...?
- Fala. - desliza as mãos sobre as costas dela, acariciando-a
- Preciso falar uma coisa a você...
- ... o que?
- Espera, deixa eu falar... é que... sabe... eu sou uma cientista... gosto de me aprofundar nos fatos, especialmente aqueles que me dizem respeito.
- Sim? - perscruta-a com seu olhar, esquadrinhando-lhe o fundo da alma - Sobre o que quer me falar?
- Han... bem... é que... olha... você sabe que eu tenho um chip colocado em minha nuca...
- ... sei...
- ... e você sabe que eles... os que me colocaram isso podem comandar a minha vida através disso.
- Não a sua vida! - protesta.
- Claro, exagerei! Quero dizer... o meu corpo... certos órgãos...
- Scully, pra que você quer tocar nesse assunto?
- Porque é a realidade, Mulder! - fecha os olhos, um tanto angustiada e engole em seco.
- Mas por que este assunto agora?
- Por causa das circunstâncias...
- Sei... - confirma, ainda perscrutando-lhe o olhar.
- Olha... eles... isto é, naquela ocasião em que o Canceroso levou-me a buscar aquele CD...
- O que tem?
- Aconteceu algo que não sei explicar.
Mulder arrasta-a para o meio do quarto.
- Scully, fala logo; o que você está querendo me contar?
- É que, naquela ocasião, eu fui adormecida por algum meio...
- ... e...?
- ... quando despertei não consegui saber o que havia acontecido comigo!
Ele espalma as mãos, nervosamente:
- Vamos, me explica melhor o que houve!
Dana dirige-se para a cama e senta-se nela. Fica por alguns segundos calada, pensativa.
- Scully, onde você estava quando adormeceu?
- No carro, Mulder! No carro! Eu estava viajando há horas e estava cansadíssima!
- Sei... mas você disse que foi adormecida por algum meio.
- É... talvez tenha sido imaginação minha, mas me pareceu algo assim como que forçado, um sono pesado...!
Dana cala-se.
Dana tem plena consciência de que não iria jamais citar que, ao despertar naquele quarto de hotel, encontrara-se sem o seu casaco, o qual havia sido retirado e o Canceroso pode tê-la despido para alguma finalidade... sente pânico igual como já passara naquela ocasião.
Ela desperta de seus aflitivos pensamentos.
- Mulder, eu acho que naquela ocasião reativaram o chip na minha nuca e...
- ...e...?
- ... assim dessa maneira é que eu pude conceber... gerar essa criança.
Mulder afasta-se dela. Retorna à janela, pensativo, apertando os lábios. Coloca as mãos à cintura. Olha para fora. Calado.
Há um pesado silêncio no recinto. O assunto desagradável faz pairar uma suspeita no ar.
Mulder volta-se para Dana, ainda sentada na cama.
- O que houve mais, Scully?
- O que houve mais?!
- Você estava simplesmente dentro do carro... adormeceu pesadamente e só suspeita disso?
Agora Dana levanta-se, aturdida:
- E o que você pensa mais, Mulder? Fala!
- Que aquele miserável...
- Ah, por favor, não crie dramas! Eu não fiquei inconsciente, Mulder! Apenas adormeci!
- Você não sabe o que diz, Scully! Você nem tem idéia do tipo de adormecimento que teve; você pode nem suspeitar do que uma pessoa miserável como aquele homem pode ter feito com você, sem você nem ter percebido!
- Mas o que é isso? - ela levanta-se e chega até o berço - Você é que não sabe o que está dizendo...! Eu só queria falar-lhe que pode haver uma explicação científica para que eu pudesse engravidar. Era a esse ponto que eu queria chegar e você... você vai logo criando caso!!
Os olhos de Dana brilham com as lágrimas que os estão inundando agora.
Mulder permanece parado no lugar, fitando-a Fecha os olhos, passa a mão na testa e dá alguns passos na direção dela.
- Scully, você tocou nesse assunto porque deve ser algo no qual fica sempre pensando.
- Quer parar? Olha... na verdade nunca esqueci aquele seu ar de desprezo quando voltei daquela malfadada viagem com aquele homem.
- Aquela malfadada enganação... de uma coisa que nunca existiu!
- Estou ciente que sim, Mulder! Mas você foi carrasco comigo... não precisava tratar-me com tanto desprezo...! E eu naquele momento precisava tanto do seu apoio e compreensão...!
- Mas você acreditou na proposta daquele cara!
- Eu sei, Mulder! Foi burrice minha, sim! Mas aquela busca me pareceu viável. Seria algo fantástico a acontecer na humanidade. Aquela perspectiva mexeu com a minha cabeça... o meu conhecimento da ciência...
Mulder dá alguns passos, caminhando nervoso, levantando a cabeça e balançando os braços, num ar de protesto.
- Ah, pára Scully! O cara fez de você...
- ... uma imbecil!!
- Eu não quis dizer isso...
- Quis sim! E desde aquele momento em que nem sequer procurava meu olhar te pedindo ajuda, até agora mesmo, quando não quer entender o meu ponto de vista...!!
O choro manso e baixinho da criança os desperta.
Dana vai até o berço. Observa com olhos atentos seu filhinho movimentando os pequeninos braços e pernas. Ela ajeita-o no berço, agasalhando-o melhor.
A criancinha volta a dormir tranquila.
Dana ergue o corpo, volta-se para Mulder. Cruza os braços. Nada fala. Espera.
Mulder vai até a janela. Olha para fora sem nada da rua enxergar.
Dana observa-o, somente. Continua esperando sua reação.
Mulder vira-se para ela. Abre a boca para falar algo, mas imediatamente seus lábios se fecham. Desiste. Dá um soco com punho fechado na própria perna.
E Dana continua em sua atitude de espera. Suspira profundamente, apenas.
Mulder, apertando os lábios, está com o olhar fixado nela agora. Seu semblante severo aos poucos vai abrandando e transformando-se num sorriso.
Ele estende os braços para receber Dana.
E ela corre célere para os seus braços quentes.
Abraçam-se com ardor. Nada falam. Para que? Mais explicações? Mais perguntas? Dúvidas? Incertezas?
Existe entre os dois o sentimento maior que apaga todos os demais: o amor.
Mulder, com os lábios dentro dos cabelos ruivos de Dana, murmura, na sua voz cálida e sussurrante:
- Me perdoa, Scully! Eu sou um... eu preciso de você... não fique zangada.
Como resposta ela apenas beija-o no pescoço, no queixo, segurando-lhe o rosto entre as mãos ansiosas, como se não o quisesse deixar escapar de seus braços. Nunca mais.
- Scully...
- Hum?
- De uma forma ou de outra... se esse seu chip foi reativado ou não... somente algo pode ter permitido que você gerasse essa criança...
- Algo...?
- Não... Alguém... e esse Alguém é Deus... o dono da vida.
- Não tenho dúvidas, Mulder.
- Scully...
- O que?
- Não precisamos discutir...
- Não precisamos.
Permanecem abraçados. Calados.
Mulder a encaminha para junto do berço.
Ambos olham seu filho que, por um segundo, estremece discretamente os pequenos punhos fechados.
O rostinho tranquilo parece exortar seus pais a estarem como ele está agora: calmo e
confiante.
Como se estivesse a dizer aos dois:
- Papai! Mamãe! Não deixem entrar em seus corações a desconfiança!
"É uma regra na amizade que, quando a desconfiança
entra pela porta, o afeto sai pela janela."
J. Howell