DA COR DA PAZ
"A paz da alma é a chave do mundo."
Charles Wagner
Capítulo 90
A luz da lua infiltra-se em réstias pela janela, banhando com sua cor prateada móveis, objetos e paredes do ambiente silencioso e calmo.
Tudo quieto. Somente os pontos luminosos do relógio digital têm seu pulsar sem fim.
As grades do berço brilham sob a luz suave da lua. Os pequenos brinquedos pendurados parecem pedir vida na sua imobilidade, aguardando quem neles os toque.
Dentro do berço a criança. O filho. A esperança. O fruto doce de um amor sofrido.
No teto o lustre a baloiçar levemente pela brisa que o tange. Em compasso lento. Suave. Permanente.
Sobre os móveis os objetos: porta-retratos, jarro com flores, pequenos potes.
Nos lados da cama, no tapete, os dois pares de chinelos.
Sobre a cama dorme o casal.
Silêncio. Ouve-se apenas o ressonar tranqüilo. Alívio para mais um dia de tensão.
Um deles movimenta-se. Uma perna para um lado. O braço dobrado para o outro.
O ruído vem lá de fora. O motor de um carro passando. O som de uma música muito distante.
A mão dele procura o corpo dela. Apalpa-lhe as carnes repousadas.
Ela lança um gemido.
Só ouvem cada um dentro de si o próprio coração a pulsar, seus órgãos a latejar desejos.
As mãos dele, sedentas de procura, andam por sobre o corpo dela, desvendando-lhe as íntimas reentrâncias...
Não falam mais. Não precisa.
Dialogam somente seus corpos na linguagem muda do desejo.
* * *
Novamente tudo quieto.
Continua somente o pulsar sem fim dos pontos luminosos no relógio digital.
As réstias de luz da lua continuam ainda a invadir a intimidade do aposento.
Lá, ao longe, uma música dolente e entoada no som suave de um piano. Algum apreciador da noite.
Silêncio nas ruas. O ruído dos grilos que não deveriam existir nas cidades. Bem distante, o som das turbinas de um avião cruzando os céus.
O casal dorme, embalado pelo sono gostoso, alimentado pelo amor.
Agarradinhos.
Ela tem a cabeça repousada sobre o peito dele, que a segura, como se não a quisesse deixar fugir jamais, de seus braços. Nem no sono.
E a luz da lua prateada ilumina seus corpos sob os lençóis azuis, como o alto do céu.
Um leve choro.
Sonolenta, caminha em passos incertos até o berço. Apoia-se nas suas grades. Observa o bebê. Ajeita-lhe o pequeno cobertor, a fim de cobrir o diminuto corpo de seu filho já devidamente agasalhado. Ele calara-se. Fôra apenas como um gemido.
Ela retorna à cama do casal.
Olha para Mulder. Que dorme como uma criança. Jogado displicentemente sobre o leito, feições tranqüilas dos deveres cumpridos.
Ela acaricia-o com o olhar.
É tal e qual o filho. E o filho dorme no berço tal e qual o pai.
Dana distende os lábios num sorriso. Pestaneja. Pálpebras pesadas. O sono volta.
Olha a luz do luar sobre tudo. Vai até as janelas e cerra as cortinas.
Tudo escurece. O ambiente está sob a penumbra, agora.
Novamente a quietude.
Apenas eles estão lá, em movimento contínuo: os pontos luminosos do relógio digital.
Dana deita-se. Quietamente. Para não acordar o seu Mulder.
Olhar parado na escuridão. Nada pode distinguir em cores. Tudo está negro.
Mas seu coração está alvo como a neve, a cor da paz. Que ela deseja usufruir no máximo, em sua vida.
Mas... até quando?
Será que poderá viver em paz junto com o seu amor o resto dos seus dias? Será que seu filho ficará para sempre imune às perseguições cruéis de seus inimigos?
Fecha os olhos. Quer parar de pensar.
Ele a prende sobre seu peito forte, para, como sempre, sentir o perfume de seus ruivos cabelos.
Silêncio. Agora o descanso, a paz, o repouso, o sono. O esquecimento.
"O esquecimento é a morte de
tudo quanto vive no coração."
A Karr