INATINGÍVEIS SONHOS
"O que realizamos nunca é tão
belo como o que sonhamos."
Olavo Bilac
Capítulo 95
Dana abre os olhos, desperta.
Pela pequena janela o lindo dia resplandece no claro alvorecer.
Ela olha para o lado de sua cama.
O bebê, numa cama de solteiro, enorme para seu pequenino corpo, está cercado por travesseiros que o protegem, sendo assim um berço improvisado.
A mãe, prazerosa, sorri, levemente, feliz por ver seu filhinho a dormir tão placidamente.
Dana volta o olhar para o seu lado, na cama de casal.
Mulder, de bruços, jogado sobre o colchão, ressona sem muito ruído.
Dana não resiste a acariciar-lhe os cabelos. Levemente passa os dedos, alisando a cabeleira revolta. O tom castanho dos cabelos dele parece refletir o clarear do dia lá fora.
No arvoredo próximo a passarada a cantar faz despertar a calma cidade, na qual seus moradores ainda estão repousando para amanhecerem num novo dia cheio de lutas, mas também de esperança.
Dana levanta-se. Dirige-se ao banheiro. Faz sua toalete matinal. Prepara-se para a lida do dia. Olha o relógio. Quase madrugada ainda. Muito cedo da manhã. Mas sente-se agitada. Veste, calmamente, o roupão de banho. Vê a porta abrir-se.
Ele a agarra pelas costas.
Ele beija-lhe a nuca, embriagado pelo perfume.
Num ímpeto, toma-a nos braços; leva-a para o tapete; deita-a, cuidadoso, como se estivesse manuseando uma peça de cristal.
Ela somente deixa-se levar, entregue às carícias dele.
E um sem fim de carinhos e murmúrios é o que pode-se ouvir no aposento simples e discreto do quarto de hotel.
Ele lhe beija os olhos, que ela fecha ao toque dos lábios dele.
Desce os lábios pelo seu alvo pescoço, acariciando-a.
Dana acarinha-o no peito, amorosa e ansiosa pelo amor dele.
Dana sorri tristemente.
Não é motivo para não querê-las...
Que triste os caminhos, se não fôra
A presença distante das estrelas!"
O bebê chora na cama.
Dana senta-se.
O bebê insiste no choro.
Dirige-se à cama ao lado onde está o bebê. Carinhosa e cuidadosamente toma-o nos braços. Entrega-o à mãe.
Ela o recebe ternamente. Prepara-se para amamentá-lo.
Ela afaga os tenros cabelos de seu filho, enquanto o amamenta. Em seu olhar de carinho paira a dúvida.
Mulder cobre-lhe os lábios com a palma da mão.
Ela cala-se, fitando-o ardorosamente. Após, volta o olhar para o filho, que lhe suga o seio. Aperta-o contra seu peito.
Mulder, em passos rápidos, afasta-se.
* * *
* * *
Dana olha para trás, às suas costas.
O visual diáfano do véu que se derrama pelo brilhante piso, tem a aparência de uma nuvem, com suas dobras e nuances, a qual despenca da tiara de pequeninas flores brancas, presa à nuca, por sobre os cabelos ruivos de Dana.
Ela volta o olhar para a frente de si mesma. O vestido que lhe delineia as formas até a cintura, num decote pronunciado que lhe mostra o colo alvo, parece rebrilhar em seu aspecto sedoso.
O farfalhar do tecido espesso pode-se ouvir, ao menor movimento que ela faz.
"Mulder estará me esperando na hora certa, como todo noivo?" - indaga-se, em pensamento.
Ela olha para Maggie, feliz e deslumbrada, segurando o netinho, enchendo-o de mimos e carinhos.
Dana sabe que deve caminhar até perto do altar de Deus, onde deverá estar Mulder à sua espera.
Divisa-o de longe, junto a outras pessoas.
Lá encontra-se o seu Mulder. Ela o observa vestido num terno elegante e fino. Seu porte altaneiro destaca-se entre as figuras que estão à sua volta. Ele lhe parece ter um semblante feliz.
"Também, pudera! É claro que ele está feliz! Vai se unir a quem ama!"
Dana acha engraçado pensar desse jeito.
Mas essa é a realidade. Amam-se. Precisam um do outro. E este dia é significativo para ambos.
Dana percebe que o olhar de Mulder já vislumbrara sua imagem entrando na Igreja.
Ele vê nos olhos dela o brilho de felicidade.
Dana olha para a pessoa que oferece seu braço para encaminha-la até o altar. Sente-se radiante.
Dana percorre, vagarosamente, o caminho até o altar, junto a seu irmão.
O solene toque do órgão ressoa dentro da Igreja, dando à cerimônia um ar quase irreal.
Dana olha, discretamente, para os lados, onde os poucos convidados à cerimônia dirigem para ela seu melhor e emocionado sorriso. A garganta se lhe embarga, tentando conter o choro.
"Mulder, - ela pensa - o meu Mulder, o pai do meu filho, agora tornar-se-á meu marido. É um sonho, o qual pensava ser inatingível que posso, neste momento, realizar. Posso vê-lo lá, altaneiro, belo, seu porte másculo, sua índole sensível naquele rosto que me cativa: a boca sensual, o queixo que forma uma bolotinha gostosa para eu morder, os olhos pequenos mas perscrutantes, que parecem querer desvendar o mais íntimo dos meus pensamentos, os cabelos castanhos que eu posso afagar, a pele do rosto que, quando a barba está a aparecer, é o meu prazer ao senti-la roçar na minha pele... as mãos de finos e longos dedos, que vasculham o meu corpo com avidez... o meu Mulder!"
O noivo acompanha com o olhar atento os passos lentos e estudados de Dana, sendo levada em sua direção.
"Ali está, - ele pensa - a minha Scully, a minha Dana, sendo trazida pra mim por aquele que sempre me detestou... mas a vida é assim... nunca se pode dizer "desta água não beberei." A minha Scully... vejo o brilho no seu olhar esplendidamente azul me fixando... seu rosto quase angelical na tez clara... esses cabelos dela onde gosto de enfiar os dedos e sentir sua maciez em contato com a minha pele... a boca rosada e apetitosa parecendo sempre esperar pelo meu beijo... minha Scully... a mãe do meu filho... a minha mulher, que, com seu corpo pequeno cabe todinha dentro dos meus braços... Scully...!"
Dana está chegando, agora, junto ao altar.
Mulder lhe estende a mão.
Ali permanece o casal a ouvir as citações vindas da Palavra do Senhor Deus.
Eles as ouvem e com elas são tocados até o âmago de seus corações.
Seus olhares permanecem fixos um no outro, procurando, cada um, entregar a Deus seu caminho, sua própria vida, neste momento.
Algo atrai a atenção de Dana. Já não ouve o som suave e majestoso do órgão a tocar. O coração pulsa mais forte. O choro, até então contido, aflora-lhe facilmente aos olhos, agora. Porém fecha os olhos e deixa que as palavras vindas do ministro de Deus embale a sua mente, os seus pensamentos, o seu espírito. As palavras lhe penetram os ouvidos, solenemente:
"Disse mais o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea..."
E as palavras continuam a soar no átrio, penetrando até o subconsciente de Dana.
"... por isso deixa o homem pai e mãe, e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne."
Dana abre os olhos úmidos. Nada vê, no entanto.
No ambiente totalmente escuro só consegue divisar que está em sua própria cama.
Mulder ao lado, pressente-a mexer-se.
Dana ergue o corpo e senta-se. Respira fundo.
Dana sorri, vagamente.
"Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que triste os caminhos, se não fôra..."
- ... a presença distante das estrelas! - ela completa junto com ele.
Ela deita-se, aninhando-se sobre o peito dele:
"O sonho é a coisa mais bela que há
na vida e também a mais falsa."
Vargas Vila
Nota - Agradeço à minha amiga Rosa Orofino o versinho inspirador que há tempos me enviou e que serviu de tema para esta história.