UM CERTO DESPREZO

 

"Não existe nenhum homem que tenha

o direito de desprezar os demais."

Alfred de Vigny

 

Capítulo 97

Mulder está de pé. Os polegares presos ao cinto. Olhos fixos no horizonte.

Pode divisar à distância as grandes montanhas escuras, cobertas de vegetação. O verde abundante do lugar se lhe reflete nos olhos e se mistura ao verde transparente do seu olhar.

Aos poucos, o olhar fixo dele vai ficando umedecido. Sua mente vaga. Pelo espaço. Pelos pensamentos que lhe fazem, neste instante, machucar o coração. E ele, o homem forte, intrépido, que não conhece o medo, repentinamente sente-se pequeno. Frágil. Quase nada diante da imensidão da natureza.

"E o Senhor criou isso tudo! Essa grandiosidade infinita que está diante dos meus olhos. Esse horizonte sem fim, esse céu azul. Imensidão...!"

Mas um outro pensamento lhe vêm à mente. Mulder passa a mão na testa, como que desejando afastá-lo.

O vento que sopra fustiga-lhe o rosto, incessantemente.

Num relance, as cenas de sua abdução e tortura toldam-lhe a imaginação que havia sido estimulada pela cena da magnífica natureza descortinada diante de seus olhos. O sofrimento. A dor. A humilhação.

Ele abre a camisa e, com as pontas dos dedos, sente a quase imperceptivel, porém enorme cicatriz em seu peito. Depois de toda aquela tortura, a morte. O nada.

Mulder deixa-se ficar ali, parado, permitindo o sol banhar-lhe em cheio o rosto. Fecha os olhos. E sente o calor gostoso do sol brando sobre sua pele morena.

Nota que as lágrimas lhe toldam o olhar. Está vendo a paisagem embaciada à sua frente. Neste momento, porém, ele reage.

"Como vou deixar-me levar pela tristeza? Eu estou aqui! Com vida! E saúde! E paz, também! E tenho Scully! Tenho meu filho!"

Mulder, num segundo, dá uma volta e retorna ao lugar onde tinha deixado o carro. Abre a porta. Entra. Liga a ignição do veículo. Inspira, longamente, enchendo de ar os pulmões. Tenta colocar o cinto de segurança, que não se prende com facilidade. Mulder tenta, novamente. Não consegue. Num solavanco, solta, com força o cinto que retorna ao seu lugar, encaixando-se na lateral do carro.

Mulder parte com o carro.

* * *

Mulder entra no apartamento.

No coração o embala a alegria de rever a sua amada Scully. Sempre discreta, séria, compenetrada, cônscia de seus deveres. Mas nos momentos em que se entregam um ao outro, ela é de uma sensualidade à flor da pele.

E ele gosta disso.

Olha em torno do ambiente. Escuta vozes no interior do apartamento. Uma risada discreta de Dana. Um chorinho do bebê... e uma voz masculina.

"Quem está aqui?" - pergunta-se Mulder.

Aproxima-se da porta de onde vem as vozes.

Decepciona-se. Ali, à sua frente, encontra-se seu involuntário inimigo.

Dana ajeita seu bebê nos braços.

Mulder retorna. Toma a criancinha dos braços de sua mulher.

Bill o observa. Calado. Vê o jeito e carinho com que Mulder segura o seu filho.

Mulder nota que Dana pede algo com o olhar.

Ela lhe dirige um sorriso agradecido.

Bill fala ostensivamente com o outro. No seu jeito autoritário, vai jogando as palavras ao ar para que o outro as apare e tenta livrar-se daquela agressividade verbal.

Mulder o encara.

Mulder dá uma volta, e, rapidamente, dirige-se à Dana.

Dana faz um ar de desagradavel surpresa.

Mulder está saindo, por ter sido desrespeitado por seu próprio irmão.

Ela pára o que está fazendo. Cruza os braços. Olha para o irmão à sua frente.

Dana não responde. Limita-se apenas a olhá-lo.

Bill continua a fitá-la, esperando uma resposta agradavel.

O irmão retira-se sem voltar-se para trás.

Ela segue-o para trancar a porta.

Enquanto gira a chave na fechadura, pára por instantes, pensativa. Sente pesado o ambiente. Isto é ruim para o seu Mulder. Para ela, também.

* * *

Scully dá uma rápida olhada no relógio na parede. Dá por concluida a sua tarefa na cozinha. Dirige-se ao quarto, para olhar seu filho.

Sente uma tristeza no coração por Mulder ter saido. Aliás, reconhece, o ambiente havia ficado bem desagradável com as palavras ferinas de Bill.

O quarto está somente iluminado pela penumbra que vem da janela.

O bebê não está no berço.

Dana toma um susto repentino.

Olha à volta. Logo seu coração se enternece.

No tapete Mulder está deitado. Ao seu lado o bebê está com os pezinhos levantados para cima. Olhinhos espertos.

Dana ajoelha-se junto dos dois.

Acha interessante. Por vezes Mulder é deveras cuidadoso com o seu filho. Havia colocado um lençol sobre o tapete, para assim proteger a criança de impurezas. E havia se deitado ali, num canto do quarto, para ficar o mais discretamente resguardado de olhares curiosos, como os de Bill, por exemplo, caso vasculhasse aquela parte da casa.

Ele vira o rosto pra olhá-la.

Dana deixa-se jogar sobre ele.

Dana suspira. Apenas ouve.

Dana o beija nos olhos. Morde-lhe o queixo.

Ela sorri e olha seu pequenino filho levantando braços e pernas, agitado, porém sem chorar.

Dana passa por cima de Mulder para atravessar para onde está o bebê. Brinca com ele.

Ele, em seguida levanta-se, toma o filhinho nos braços e carrega-º

Coloca-o no berço e o faz entreter-se com as estrelinhas do móbile que está pendurado diante de seus olhos.

O bebezinho entretém-se por vários minutos, olhando as estrelas brilhantes a balançar. Seus olhinhos começam a fechar-se. O sono vem. Tranquilo.

Mulder o contempla, ternamente.

Olha para onde está Dana. A sua frágil e encantadora mulher.

Dirige-se rápido para o tapete.

 

"A força das mulheres

está na sua fraqueza."

Fontenelle