A arte de viver

 

"Aprender a viver é a mais longa e

a mais difícil de todas as artes."

E. de Goncourt

Capítulo 99

 

Mulder sai do banho. Agita, com os dedos, os cabelos ainda molhados, deixando-os bem despenteados e eriçados.

Contempla-se no espelho do banheiro e vê-se a si próprio uma figura engraçada.

"Scully vai rir do meu visual." - pensa.

Ele borrifa sobre o peito a colônia masculina perfumada.

A tarde está de temperatura gostosamente amena. O brando sol, mesmo banhando todas as coisas lá fora não encontra no ambiente do apartamento meios para transmitir calor que possa incomodar.

Mulder continua sem camisa. Está vestido em cuecas, apenas.

Dana, após haver tomando também o seu banho, vestira algo bem leve e informal, e que faz Mulder achá-la encantadora.

Ela, diante da janela aberta, vagueia o olhar pelo pedaço de céu que sua vista alcança.

Mulder aproxima-se dela, vagarosamente.

Ela sente arrepios de prazer com os tênues sopros da voz dele. Responde, porém, apenas com um meneio de cabeça.

Logo em seguida cruza os braços fitando-o, num modo austero.

Ela ri.

Ele aperta-a contra si, num gesto amoroso, porém decidido.

Ela se desprende dos braços dele.

Para Dana, realmente esse olhar de Mulder, tão necessitado de afeto e de amor a desencoraja a continuar bancando a durona. E isso tudo somente porque àquela hora no restaurante ele havia tocado na aversão que tem pelos modos do Agente Doggett.

No íntimo Dana se regozija.

"É ciúme! - pensa - Unicamente ciúme! E isso é muito bom! Faz manter viva a chama do amor. E a vida é como a arte. Precisamos saber burilar bem as situações, para a arte de viver."

Dana contempla o semblante chateado de Mulder.

Vagarosamente o abraça pelo pescoço, unindo-se ao peito dele, ardorosa. Respira profundamente. Sente junto ao seu peito o coração de Mulder pulsando, desordenado. Ainda mansamente, toma o rosto dele entre as mãos e procura-lhe a boca. Une seus lábios aos dele, que, a princípio, não atende aos seus apelos, mas logo acende-se o fogo da paixão e ele a envolve com os braços trêmulos de prazer. Beija-a, quase com furor. Ergue-a nos braços e carrega-a para a cama, ofegante de desejo em desbravar aquele corpo pequeno que lhe atrai e fascina.

* * *

Mulder avista sobre a mesinha algo que o desagrada. Estica o braço para pegá-lo.

Mulder enfia, bruscamente, o cartão plastificado na gaveta.

Dana levanta-se e dirige-se ao armário, a fim de apanhar objetos de toucador. Minutos depois está refeita e arrumada.

O toque da campainha os assusta.

Antes que Dana o impeça por estar ele somente de cuecas, Mulder já está à porta, olhando através do olho mágico.

Retorna até ela, com um sorriso maroto no olhar. Inclina-se até sua altura.

Dana vai até a porta. Olha pelo olho mágico. Surpreende-se. Abre a porta, em seguida.

Dana acena com um leve meneio de cabeça, concordando.

Dana convida Leyla a sentar-se.

A outra sorri, atenciosa.

Ambas dão risadas, divertidas com a idéia.

Dana prontifica-se:

Neste mesmo instante Mulder aparece na sala. Cumprimenta a jovem.

Mulder levanta as sobrancelhas para perguntar:

Leyla contém-se. Não confirma. Nem nega. Acha por bem ficar neutra na estória. É uma forma de bem viver.

Dana entra com o filho nos braços.

Leyla aproxima-se:

Dana coloca-o nos braços de Leyla. Que o cobre de mimos e carinhos.

Mulder, de pé, olha a gratificante cena. Sente-se feliz. Tem sua mulher. E seu filho. Sua vida. Só falta mesmo a sobrevivência. E a sobrevivência é uma luta sem tréguas. Mas por essa luta ele terá que correr atrás. Ou na frente, é melhor. Apesar de que Dana é totalmente independente, financeiramente falando, ela depende dele para um efeito moral.

E para Mulder a moral significa o viver com a decência, a nobreza de caráter, o desapego às coisas impuras da vida, para sobreviver com dignidade.

"Devemos ser de tal modo dignos, que nunca

tenhamos de corar de nós próprios."

Baltasar Gracian