DEVANEIOS...IMAGINAÇÃO...FANTASIA..SONHO...QUIMERA

 

CAPÍTULO EXTRA LXVIII

NOITE DE PAZ

Jingle bell

Jingle bell...

A melodia alegre, tirada da harpa, enche, com suas notas saltitantes o ambiente do grande e esfusiante shopping.

A iluminação feérica e colorida extasia as pessoas que por ali transitam.

Prazer. Deslumbramento. Sensação de leveza no coração. Emoção.

Isso tudo está impregnado na mente do casal que olha, feliz, para o lindo ambiente que os cerca. De mãos dadas, caminham, vagarosamente, deliciando-se com o atrativo lugar.

Mulder aperta a mão de Dana, que ele está segurando com ternura.

E ela sente, no toque da mão dele, de pele macia e quente, um prazer indescritível.

Vem à mente de Mulder seus tempos de meninice.

Mesmo numa época como o Natal, onde grande parte das crianças sente-se feliz ao receber dos pais, além do presente desejado, o mais importante, que é o carinho de seus genitores, sua infância somente o faz recordar da tristeza, desamor, frustração que reinava no ambiente entristecido do seu lar.

Nunca uma alegria, nem prazeres ou qualquer sentimento que pudesse causar júbilo no seu coração.

Mesmo nas épocas festivas e emocionantes dos finais de ano, sua vida transcorria comum, sem graça, sofrendo somente o impacto do dissabor e da desilusão naquele lar destruído pela infidelidade e desenganos.

Lembra-se de Samantha, sua irmã querida, que, junto a ele, chorava às escondidas, sentindo em seu tenro coração, já naquela época, as amarguras de uma vida sem entusiasmo, assistindo às brigas constantes de seus pais.

A voz de Dana chega a seus ouvidos.

Dana o olha, entendendo bem o que ele lhe quer dizer.

O ruído das vozes, quase ensurdecedoras àquela hora, chega a incomodar-lhe os ouvidos.

Nesse momento ambos avistam a imensa parede envidraçada, mostrando a paisagem lá fora.

Saem para a grande varanda aberta para o mar.

Boa quantidade de mesinhas e cadeiras no local, dá um ar acolhedor àquele terraço.

Mulder e Scully debruçam-se no parapeito, para olhar o mar calmo ali à frente.

As grandes montanhas escuras à distância, parecem poder ser tocadas, tamanha é a sensação de sua proximidade.

As gaivotas passam em seu vôo ligeiro, algumas vezes quase arrastando as asas nas ondas da praia.

Nos troncos das árvores que circundam a orla, as multicoloridas luzes envolvendo-lhes, dão-lhes um aspecto de lugar de contos de fadas.

Agora Mulder recosta-se na amurada, para olhar para dentro do lugar repleto de pessoas e ver a grande árvore de Natal, armada no centro da loja.

Entram, novamente, no grande magazine, onde o burburinho espalha-se no amplo espaço.

* * *

Árvore de Natal, caixas com bolas de aljôfar em várias cores, pacotes de presentes, tudo isso está sendo carregado entre os braços do casal.

Entram no carro para irem embora.

No banco traseiro é jogada a infinidade de embrulhos.

Mulder dá a partida no motor. O carro roda um pouco.

Os olhos de Mulder, no entanto, deparam-se com a figura de um cãozinho enjaulado, exposto numa loja de animais.

Mulder fita-o, interessado. Freia o veículo e o estaciona, novamente. Então abre a porta do carro e sai.

Ele não se dá o trabalho de responder. Aproxima-se da porta da pequena loja.

O cãozinho de pelo todo branco como a neve, apenas tem essa alvura maculada por manchas na cor marrom, que lhe toma parte da cara, uma das orelhas e também uma das patinhas.

Ao ver a aproximação de Mulder, o desalentado animalzinho levanta-se e seu olhar entristecido toma novo alento, abanando a cauda, demonstrando satisfação e afeto.

Caso o Senhor Deus tivesse permitido aos animais o dom da fala, certamente o carente cãozinho diria:

Por segundos, os pensamentos de Mulder são voltados para certo documentário que havia assistido na TV sobre o povo de um país longínquo, que cria cães enjaulados, nos grandes mercados e feiras, não para serem vendidos e dali partirem para uma moradia de conforto e amizade fiel, com seus donos que seriam seus verdadeiros criadores e, às vezes, um pouco "pais". Não! Infelizmente, aqueles cães permanecem em suas jaulas e nela são mantidos para engorda desde o momento em que nascem e nelas vão crescendo, como se fossem algum animal caçado, para serem abatidos e devorados, tal qual faz-se com as carnes do boi ou de aves.

"Será que tudo isso é proveniente da falta de alimento naquele lugar ou simplesmente o hábito de há séculos, criarem o melhor amigo do homem em cativeiro, para, simplesmente, devorá-lo num churrasco?"

Mulder balança a cabeça, retirando esses perturbadores pensamentos.

Ele aproxima o rosto das grades da jaula. Percebe neste momento a presença de Dana ao seu lado.

Ela segura-l;he a mão. Um sorriso nasce em seus lábios.

Ele dirige-se ao vendedor da loja.

* * *

A simpática e agradável residência situada entre o piso de pedras, grama e arvoredos floridos, recebe junto com seus moradores a pequenina figura de algo que se assemelha a um floquinho de algodão, que pode mover-se, saltitante, de um lado para o outro. É como se notasse que está agora liberto e tem um lugar livre e belo para viver junto a seus amorosos novos donos.

O animalzinho, ao invés de limitar-se a permanecer parado num só lugar, temeroso, como o novo amplo ambiente que surge à sua frente, como é comum acontecer a esses seres, caminha por todos os cantos e recantos, com o diminuto focinho no ar, a cauda balançando ininterruptamente, demonstrando toda a sua alegria por estar ali, no meio daquelas pessoas que o olham tão amorosamente.

Maggie está na varanda, observando o casal e o pequenino cão.

William, talvez entendendo que seja algum novo brinquedo que pode movimentar-se sem ajuda de ninguém, arregala os olhos, com um sorriso de felicidade nos lábios.

O bichinho encaminha-se rápido e sempre na sua alegria, na direção da criança.

William, que havia estendido sua mão, pretendendo tocá-lo, neste momento recua, amedrontado, vendo a agilidade do seu pequenino companheiro. que está muito próximo dele.

O cãozinho dá seus latidos de alegria, enquanto chega perto do menino, alvoroçadamente.

William ainda continua dando passos para trás, recuando.

Em dado momento, suas pernas ainda inseguras o fazem cair para trás. Sentado no chão, olha surpreso para o bichinho, que, então, joga-se em sua direção, no intuito de brincar, doidamente, com seu novo dono.

Mulder, Dana e Maggie riem, alegremente, com a engraçada cena.

Em poucos minutos, porém, William já estende a mãozinha e toca nos alvos pelos do seu novo amiguinho.

Este gesto basta para dar mais entusiasmo ao cachorrinho, que a partir daí, coloca todo seu entusiasmo para brincadeiras junto à criança.

Ela toma a mão de seu filho e o encaminha para dentro da casa.

Mulder e Maggie os seguem.

* * *

Mulder, no topo da escada aberta junto à árvore de Natal, vai recebendo das mãos de Dana os enfeites, que vai prendendo nos galhos.

William está brincando com o seu novo companheiro de folguedos, de fofa brancura.

Duas caixas das bolas de aljôfar, aos pés de Dana, no chão, são o alvo, neste momento, das buliçosas mãos do menino, que as toma e, num gesto descuidado, as vira em direção do piso.

Um rio colorido escorre pelo chão, fazendo o característico ruído do estalar, ao quebrarem-se os enfeites.

Ela levanta o pequeno, rapidamente, para evitar que ele sofra algum corte nas mãos e pernas. Leva-o em seguida, para o outro compartimento da casa, onde encontra-se Maggie.

Mulder desce da escada e, com jeito, procura apanhar do piso os cacos coloridos e brilhantes das bolas de aljôfar.

Dana retorna.

Mulder a olha; aproxima-se e aperta-a nos braços, com o queixo apoiado em seus cabelos.

Ele dá uma risadinha.

Continuam abraçados.

Ele beija-a nos cabelos.

Dana acaricia de Mulder sua nuca de cabelos lisos e escuros.

Dana suspira. Achega-se mais ao corpo quente dele.

Passam-se alguns minutos. Eles continuam abraçados.

Ela afasta o rosto do peito dele para fitá-lo.

Ele afasta-a, rapidamente.

Ela ri, desligando-se dele.

* * *

A mesa não tão espaçosa, com iguarias dentro dos pratos brilhantes de porcelana, parece uma gravura de uma revista de decoração do lar.

Nas cadeiras ali dispostas, estão o casal, seu filho e Maggie.

William está em sua cadeira alta, para alcançar a mesa e, com sua pequenina mão e curto bracinho, tenta pegar do prato no centro da mesa, uma guloseima.

Seus pais acham engraçada essa atitude dele, porém, nada fazem para facilitar-lhe o gesto, impedindo-o, assim, que coma o que não deve.

William olha para baixo.

O cãozinho está abanando o rabinho, cabeça voltada para cima, aguardando que seu pequeno dono preste atenção na sua existência.

Mulder levanta-se. E nos seus característicos gestos rápidos e decididos, toma o pequeno animal e o coloca numa cadeira, afastando-a um pouco do alcance da mesa.

William bate as mãozinhas, satisfeito, ao ver o bichinho numa cadeira ao lado da sua.

Mulder sai da sala. Retona com a vasilha que contém um pouco de ração. Coloca-a na frente do cachorrinho, que começa a comer com apetite os biscoitos para sua espécie.

A família recomeça sua refeição.

Conversam. Sorriem. Estão felizes. Em paz. Sem inimigos para atormentarem os seus dias.

Maggie nota, em certo momento, que seu neto está contraindo o rosto e a boca, enquanto mastiga algo que havia provado e do o qual tem um pedaço na mão.

O menino, ao ouvir a pergunta, estende para a avó o que tem seguro nos dedos, mostrando que não gostou do que está comendo.

Maggie pega o que ele lhe está entregando. Fica estupefata.

Mulder também levanta-se. Ri, divertindo-se com a cena.

Todos riem, afinal, com a travessura da criança.

Descontraem-se, em seguida.

Enquanto a avó vai, vigilante, cuidando de alimentar seu neto, dando-lhe colheradas de um cremoso pudim, Dana enche duas taças de vinho.

Ela e Mulder afastam-se da mesa, caminhando para a varanda.

Páram, voltados um para o outro. Fazem tocar as taças uma contra a outra.

Antes de beberem o restante do vinho das taças, encostam levemente os lábios num beijo suave, para sorverem, assim, o embriagador prazer do seu amor, da sua felicidade.

Em seus ouvidos chega o mavioso som de um canto longínquo, que atravessa as ruas, entre as árvores, chegando a cada casa, trazendo suavidade e nostalgia:

Noite de luz

Silêncio e paz...

wanshipper@yahoo.com.br