ENFIM... A PAZ!
"Por maiores sacrifícios que se façam,
a paz tudo compensa."
F. de Neufchateau
Capítulo 22
À medida em que vai penetrando no interior da casa, Mulder procura ir acendendo todas as luzes nos seus compartimentos.
Dirige-se para onde tinha ouvido o gemido.
Chega a um exiguo aposento resguardado por apenas uma cortina, onde a senhora Donat encontra-se com o corpo trêmulo de frio, sem nenhum agasalho que lhe aqueça o frágil corpo, com um lençol enrolado servindo de corda para amarrá-la ao pé de uma velha poltrona.
Mulder, imediatamente, livra-a daquela espécie de cativeiro.
A mulher após estar liberta, apenas sorri para dizer:
Por nenhum momento a mulher queixa-se a Mulder pelo fato de ter estado presa ali .
Mulder fita, penalizado, a pobre e demente senhora que já não pode concatenar direito suas idéias.
Ao mesmo tempo imagina o quanto existe de maldade no coração de sua neta, a perturbada Betsy.
X x x x x X
Scully, sentada numa cama de hospital, recebendo os curativos pela enfermeira que a atende, encontra-se pálida e abatida pela agressão que havia sofrido.
Subitamente, porem, seu olhar ilumina-se, o que, naturalmente, é notado pela enfermeira.
Vê a bela e imponente figura de Mulder à porta do quarto, olhando amorosamente para Scully.
O rosto da enfermeira expande-se num sorriso:
Dana estende os braços para receber o abraço de Mulder, que aproxima-se e fala com ternura:
Scully sorri, embora tenha uma tristeza em suas feições.
A enfermeira continua cuidando da testa de Scully, cuidadosamente.
Termina, por fim. Afasta-se.
Mulder senta-se ao lado de Scully e toma-lhe as mãos.
Mulder permanece calado, ouvindo as absurdas explicações de Scully. Diz em seguida:
Scully balança afirmativamente a cabeça:
Mulder morde o lábio inferior, contrafeito.
Afinal, aquilo havia sido algo para atormentar ele e Scully, que inclusive correra risco de vida.
Levanta-se e dá alguns passos. Retorna.
Ternamente alisa a face pálida de Scully. Encosta os lábios nos dela.
Passa um braço por sobre seus ombros.
Dana assente:
Mulder nem sabe o que retrucar.
Scully fita-o profundamente e franzindo os lábios cruza os braços:
Scully repara que a reação de Mulder é de um profundo mal estar.
Ele senta-se vagarosamente na cama, apoiando os punhos fechados sobre o colchão. Parece tenso.
Mulder levanta a cabeça e fixa com os seus verdes olhos esquadrinhadores a face de Scully.
X x x x x X
Mulder mantém-se parado diante do aquário.
Os peixinhos coloridos vez em quando chegam até o vidro, colocando a boca contra sua superfície, a fim de raspar os resíduos de alimento que grudam-se às paredes do aquário, parecendo, assim, estar enviando um beijo a quem os está apreciando.
Mulder continua observando-os no seu movimento sem fim, enquanto as pequenas bolhas escapam de suas guelras, perdendo-se na superfície da água.
Scully, sorrateiramente, aproxima-se dele.
Colocando-se nas pontas dos seus pés, fazendo mais altura que os próprios saltos dos sapatos que está usando, chega a boca bem próxima dos ouvidos de Mulder.
Mulder volta-se para trás e agarra-a rápido.
Riem, abraçando-se.
Toma em mãos o pequeno recipiente com o alimento.
Scully levanta a tampa do aquário iluminado.
Mulder mantém entre os dedos um pouquinho do alimento em forma de leves e pequeninas escamas.
Ficam, ainda, os dois a observar o incessante movimento dos peixinhos dentro d'água a abocanhar avidamente o alimento.
- Ai...! Com esse frio todo, eles têm que estar assim dentro d'água! - comenta Scully rindo.
Ele agarra-a, fortemente, encostando-a contra seu corpo.
Ela desprende-se de seus braços.
Ele senta-se no sofá e liga a TV pelo controle em sua mão.
Fica a observar o programa que apresenta um concurso para bebês.
Há na tela um grande desfile de diversos tipos de bebês e os comentários dos apresentadores chamam a atenção de Mulder, que assiste a exibição das crianças com olhar distante, pensativo.
O alarde feito pelo comentarista chama tambem a atenção de Scully, que, na cozinha, fechando a porta da geladeira, concentra seus pensamentos no programa de TV, cujo som ouve agora.
Chega até a sala onde está Mulder olhando para a tela, e este vendo-a aproximar-se, instintivamente, diminui o som, a fim de evitar que chegasse até os ouvidos de Dana o comentário sobre as crianças.
Scully, porem, já está ali do seu lado e senta-se calada, olhos fixos na TV.
Seu semblante torna-se sério. Nos olhos azuis a tristeza aparece, toldando-lhes a beleza e deixando surgir o brilho causado pelas lágrimas que afloram até eles.
Seu pensamento segue cada bebê rosado e sorridente que é apresentado neste momento pelo programa.
Imagina-se com o seu próprio filhinho nos braços, o que é, para ela, um sonho totalmente irrealizável.
Dentro do seu coração sente-se mal pelo anseio que a perturba neste momento, de se pudesse ter uma criança, o fruto deste grande amor que sente por Mulder.
Este a observa, então.
Vê-la a acompanhar, com os olhos rasos d'água os bebês que surgem na tela.
Mulder toma-lhe a mão e chega-a para junto de si.
Nada falam.
Neste momento o mundo de lágrimas que enchem os olhos de Scully desagua por suas faces, sem que nada as impeça no seu caminho.
Mulder a abraça mais ternamente.
Ele fala, na voz quente, pausada, que sempre a encanta e faz amá-lo a cada dia e perceber os sentimentos que Mulder lhe dedica, de carinho e respeito que são muito mais que o amor.
O concurso de bebês continua, mostrando na TV o seu empolgante desenrolar.
Scully tenta enxugar as lágrimas que continuam a cair sobre suas faces.
Mais um lindo e rosado bebê aparece em close na tela.
Os olhos de Scully aumentam de curiosidade. Novamente passa os dedos sob os olhos, secando a pele molhada.
Imediatamente Mulder passa para outro canal da TV, com um longo suspiro.
Scully fecha os olhos. As mãos estão sobre o regaço.
Sente uma infinda tristeza queimar dentro do seu coração.
Quanta dor! Quanta amargura! Quanta frustração!
Levanta-se para dirigir-se à cozinha. Pára por segundos.
Ele a olha curioso:
Ela retorna seus passos; aproxima-se:
Afasta-se em seguida.
X x x x x X
No conforto aquecido do carro, continuam dirigindo-se para Georgetown.
Do lado de fora uma chuva torrencial atrapalha a visão de Mulder.
Um carro com um afoito motorista ultrapassa e joga muita água em direção do pára brisa, o que faz Mulder ficar sem nenhuma visão da pista que está à sua frente.
Scully assusta-se. Aperta os pés contra o chão do carro, como se estivesse comprimindo os pedais do veículo, num inconsciente desejo de parar ali, rapidamente e livrar-se daquela situação perigosa.
Mulder pragueja, irritado e naturalmente alarmado.
A chuva diminui de intensidade, porem os outros veículos continuam jogando contra o pára brisa do carro de Mulder uma cachoeira d'água amedrontante.
Após mais alguns minutos atingem seu destino.
Ele estaciona próximo ao prédio, desejando alcançar a entrada da garagem.
Há no local um pequeno número de pessoas discutindo algo e sem decidirem liberar a entrada para os outros veículos.
Saem do carro e trancam-no, afastando-se do local, em seguida, enfrentando a chuva.
Entram em casa com as roupas molhadas e os cabelos colados à cabeça.
Scully ri, divertida:
- Scully, - diz ele sacudindo as roupas, pisando no tapete da entrada - La Fontaine já dizia:
"Nunca se deve julgar as pessoas pela aparência."
X x x x x X
Mulder está no quarto.
Acende o abajur.
Uma luz amena torna aconchegante o ambiente.
A intimidade do aposento o faz sentir-se bem.
Scully tinha razão. Na verdade, estar no apartamento dela é mais gostoso. Existe o toque de feminilidade em cada ambiente.
Mulder está de pé, junto à janela. Um dos dedos da mão encostando a unha em seus dentes, pensativo.
Scully aproxima-se. Cinge-lhe o corpo pelas costas com seus braços, apertando-o contra si.
Ele segura-lhe os braços, apertando-os contra seu peito.
Scully beija-lhe as costas, com carinho.
Mulder a puxa para vir à sua frente. Aperta-a toda junto de si.
Ela deixa-se envolver, sentindo o pulsar vibrante do coração dele, sua carne clamando pela sua, o poder de sedução dele, que a induz a deixar-se enlevar pela ansiedade e o desejo.
Dana, com o ouvido recostado a seu peito, ouve as ansiosas batidas do coração de Mulder, misturadas ao som de sua voz, vindo do fundo do peito.
Ele segura-lhe o queixo, forçando-lhe com o dedo polegar o lábio inferior e ali, na boca entreaberta de Scully deposita um beijo.
Um beijo ameno, suave, terno, como que um mudo apelo.
E a boca tocada de Scully atende a esse apelo e oferece a ele sua intimidade e suas bocas, então, trocam suas caricias desejosas e exploradoras.
Mulder a carrega para o leito, fazendo-a caminhar ainda entre seus braços longos e fortes. Ele está ofegante, respiração agitada.
Com carinho fá-la deitar sobre os macios lençóis.
Scully sente que todo seu corpo deseja esse homem que até há pouco tempo atrás era somente um colega, um parceiro; e agora é o seu dono, seu amor, seu amante, o seu pecado.
Entrega a ele seu corpo, sua vida até.
Sente o prazer das carnes entumescidas pelo desejo a estremecerem sob o poder do domínio da boca e das mãos de Mulder.
"O pecado mais belo é o que
o coração não confessa."
Camilo Castelo Branco